Era noite, Amanda Young não conseguia dormir. Sua cabeça estava a mil por hora, não podia pensar direito; mas a cama fria, aliás, o quarto extremamente frio também ajudavam. Era a sua primeira noite no hospital, tinha acabado de se salvar de uma overdose de heroína e já estava sentindo falta de uma agulha em suas veias. Ela sabia que aquilo era errado, que estava se prejudicando, que estava morrendo, mas é tão difícil dizer não... é tão difícil não poder se sentir bem. Mandy, como as enfermeiras a chamavam carinhosamente, agarra o lençol listrado e com cheiro de mofo, apertando-o com toda a sua força. Enrolava o pano nos braços, o mordia, fazia de tudo para não desabar em lágrimas e se entregar à fraqueza. Mas aquilo não parecia funcionar, a dor não passava... Ela havia escondido debaixo do colchão, fino e furado, uma lâmina pequena, porém muito afiada; não pensava em usá-la antes, mas já não via outras soluções. Amanda se ajoelha no chão do quarto e levanta o colchão, pegando a lâmina. Ela olha para o próprio reflexo naquele pedaço pequeno de metal e vê uma lágrima solitária escorrer pelo seu rosto, não pensa duas vezes e fecha os olhos, cortando o próprio pulso. O sangue, vermelho vivo, escorre pelo braço direito, pingando e tingindo o chão branco daquele quarto vazio.
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No mesmo hospital e num quarto muito próximo ao de Amanda, um homem de aproximadamente 50 anos se recuperava de uma tentativa de suicídio. O seu nome era John Kramer e além dos ferimentos do acidente, possuía um câncer no cérebro. Os médicos disseram que ele estava sob forte estresse emocional, por isso dirigiu até um precipício e se jogou, ficando preso às ferragens do carro. Mas, por incrível que pareça, estava vivo. E o único machucado que tinha era um buraco no abdome, causado por um ferro do automóvel que perfurara o seu corpo depois da queda. Ele era forte, isso é incontestável. Era também um homem calado, misterioso, observador; passava o dia todo analisando o comportamento dos outros, analisando o porquê de estarem ali. Mas agora, ele também estava no seu quarto frio e vago, deitado em sua cama, coberto pelo seu lençol. John olhava o teto, em silêncio, não conseguia dormir, aliás, não sentia sono... estava concentrado em seus pensamentos. Imaginava os motivos que levaram todas aquelas pessoas às camas daquele hospital, imaginava como eram suas vidas; e isso o incluía, ele também não sabia o que o tinha levado àquilo.
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Já fazia mais de uma hora que Amanda sangrava, não tinha cortado o outro pulso, mas o ferido pingava sem parar. Para o bem dela, uma enfermeira já de idade e negra, com os cabelos presos num coque passava pelos quartos, certificando se os pacientes estavam bem. A porta do quarto de Mandy tinha um buraco, para que as pessoas lá de fora vissem o que acontecia dentro dele; e foi assim que Margareth, a enfermeira, enquanto olhava os pacientes que dormiam, viu uma mocinha caída no chão, na posição fetal e com os braços sujos. Ela rapidamente abre a porta e corre ao encontro da moça, pegando os seus braços.
- O que você fez? - falava enquanto levantava as costas dela, fazendo-a se sentar no chão.
- E-eu.. não sei...
Amanda realmente não sabia o que tinha feito. Cortara o pulso com uma lâmina, mas não sabia o que a levara àquilo. A dor da alma, sim... a dor que ela sentia era como uma agulhada fina e lenta bem no meio do peito, que não cessava. Mas antes disso tudo, por que levara a lâmina para o quarto? Antes estava bem, não precisava usá-la, então por que escondera debaixo do colchão? Por que tomara tantos cuidados? A questão é: Amanda já não confiava em si mesma.
Margareth fazia curativo em seus ferimentos, trocando também as suas roupas, que estavam cobertas por manchas vermelhas. Logo ela volta pra sua cama, agora sem lâminas escondidas. Não conseguia dormir, não sentia sono, mas estava bem; finalmente se sentia bem.
Depois de algum tempo deitada, um fino feixe de luz entra pela janela. A janela era pequena e ficava bem no alto da parede, para que nenhum ser humano normal pudesse fugir por ali. Mandy se senta na cama, olhando para frente, em silêncio. Permanece assim até que alguém abre a sua porta e a chama para o café da manhã, o café era péssimo. Serviam duas torradas e um copo de café sem açúcar, comida de hospital é realmente ruim. Mas ela não reclamava, tomava todo o seu café preto e comia as duas torradas sem reclamar, não podia.
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Já era de manhã, John saía do quarto e caminhava até o refeitório. Sua barriga já estava melhor, nem sentia muita dor na região do machucado. Ele pega uma bandeja e põe cuidadosamente as duas torradas nela, uma em cima da outra. Enche o seu copo com o café e se senta numa mesa, sozinho. Comia em silêncio, enquanto várias pessoas conversavam, ele ficava quieto, observando. Se lembra de Jill, sua ex-mulher, e da comida dela. As torradas de sua esposa eram as melhores, como gostaria de voltar no tempo... ele logo termina sua refeição e se prepara para voltar ao quarto, mas antes vê algo que chama a sua atenção: Amanda. Ela estava sentada também sozinha, numa mesa afastada de todas as outras, comendo com a cabeça baixa; no seu pulso direito havia uma faixa, um pouco manchada. Ele se aproxima dela, o bastante para poder ver o seu rosto. Já tinha visto aquela mulher antes, quando chegara ao hospital. Ela também estava numa situação de vida ou morte, e também sobrevivera.
Ele nunca conversaria com ela, não naquele hospital. Mas gostaria de um dia poder conhecê-la, gostaria de testá-la.
Todos os dias que permanecia trancado em seu quarto, John arquitetava planos, jogos, testes. Era assim que os chamava. Sabia que aquilo levaria tempo, mas já tinha sua primeira cobaia. Sabia também que aquilo requereria esforço, estudo, muitas horas de sono, muitas horas sem refeições, mas ele estava disposto.
Três dias depois e John Kramer estava fora do hospital, usara a sua antiga loja como um tipo de esconderijo, onde podia ficar sozinho e dar início ao seu plano. Passara noites e mais noites desenhando, criando dispositivos, quartos, observando a vida de pessoas. Estava pronto.
