Olhou novamente para o relógio, sabia que ele se atrasaria. Novamente. Não tinha jeito, essa seria a última vez, pensou. Observou as folhas de uma árvore próxima caindo, o dia estava morno, mas a cada batida do relógio seu coração gelava. Não queria brigar de novo, não dessa vez.

A lembrança do que havia acontecido há um mês ainda o aquecia por dentro e fazia suas faces ruborizarem. Havia começado com um daqueles costumeiros atrasos, que nesse dia foi de quase duas horas. Havia brigado, xingado a ele e a toda sua descendência e ascendência, chorado, esperneado, culpando-lhe por todas as pragas do mundo, chegou a dizer que o odiava (quanta mentira) e deixou-o lá, parado, sem ao menos olhar pra trás.

No dia seguinte ele bateu à sua porta, como tantas outras vezes, com um olhar submisso e uma tulipa vermelha na mão (será que ele sabia o poder que tinha? Fazia de propósito?) e pediu perdão. Não deu outra, em menos de meia hora estavam em sua cama, ainda exaustos pelo amor feito às pressas da reconciliação.

Não queria pensar nisso, sentiu levemente a brisa que vinha com o fim da tarde e decidiu de uma vez por toda ir embora e pôr um fim a esse sofrimento de quase toda uma vida.

Já estava dobrando a esquina quando ouviu seu nome ser gritado, em tom de profundo desespero, parou e pode ouvir a expiração ruidosa de alguém à beira da exaustão já próximo a ele.

- Você sabe que horas são Heero?

- Por favor, Duo, me perdoe...

Aquele olhar de novo, por Deus, não poderia sucumbir...

- Paciência!

- Você não me ama!

- Você sabe que não...

- Desapareça!

- Eu morreria sem você!

- Você já morreu pra mim Heero, e me mata aos poucos... Adeus!

Saí sem olhar pra ele, pois sabia o que veria e não iria suportar, iria querer levá-lo pra casa, consolá-lo e renovar as promessas e esperanças de toda uma vida juntos. O coração gritando e se comprimindo a cada passo que me afastava, deixando-o ainda jogado na calçada em que se ajoelhara pra me implorar perdão.

Tudo inútil, eu sabia como seria o dia seguinte, ele iria à minha casa, talvez faltasse ao seu maldito trabalho, o motivo de tantas desavenças e mágoas, e iria me pedir perdão, e eu cederia mais uma vez. Porque sabia mais que tudo que não adiantavam sessões com o analista, pílulas, bebedeiras, nada, nada poderia tirá-lo de mim. Heero sempre seria capaz de reviver o amor que eu sinto por ele e a verdade é que sem ele, eu não poderia viver.