Para minha tão querida amiga Uhura que resgatou essa história da gaveta como seu presente de aniversário e minha adorada sobrinha Mounna que tão somente pediu-me que voltasse a escrever. São ambas minhas irmãs de alma, amigas que o amor pela escrita e leitura me trouxe e que nem mesmo eu se pudesse escrever minha história seria capaz de inventar.

Capítulo 1

Um laboratório pequeno e circular, mas muito diferente dos usados nas masmorras do castelo. O frio e a umidade eram completamente dissipados pelo fogo crepitante na lareira, com o lustre com um sem-número de velas criando uma claridade que quase chagava a ser excessiva, fazendo brilhar alguns potes cheios de doces aqui e ali. Também havia, é claro, livros e pergaminhos antigos se apertando precariamente nas estantes que cobriam cada centímetro de parede possível, exceto pelo espaço ocupado pelos dois grandes armários onde eram guardados os ingredientes de alquimia. E por fim, bem no centro da sala e dominando o lugar, um imenso balcão cheio de gavetas e compartimentos onde se guardavam anotações, penas, tinteiros e outros ingredientes ainda mais delicados, coberto de instrumentos que trabalhavam ruidosamente, além de pequenas facas e alicates de corte preciso e caldeirões que ferviam e soltavam fumaça com poções multicoloridas de aspectos exóticos e cheiros estranhos.

O lugar pertencia a um velho mago, alquimista famoso e diretor de uma escola de bruxaria muito renomada. Albus Dumbledore, era assim que o chamavam, e o conheciam como o bruxo mais poderoso de seu tempo. Seus feitos lendários constavam em todos os livros de história recente da magia e na maioria das figurinhas de sapos de chocolate em circulação da época.

E nesse momento especial era ali que ele estava, ditando para sua pena de repetição rápida em que se consistia o trabalho daquela noite para que pudesse ter as mãos ocupadas unicamente com sua varinha.

– Sete de setembro de mil novecentos e setenta e sete – ele disse, então começou a rir. – Isso soa engraçado, como um trava-línguas... Não, não escreva essa parte, sua pena boba! Ah, esqueça. Apenas continue, está bem?

Retirou com cuidado de dentro de uma das gavetas outra pena, vermelha de bordas douradas, observou-a longamente e depois a depositou cuidadosamente num caldeirão médio e alto, de prata polida, bem na sua frente.

– Experiência número cento e trinta e cinco com penas de fênix – limpou a garganta como se estivesse prestes a começar uma palestra e então prosseguiu, solene. – Já foi observado que as cinzas obtidas no momento do renascimento da fênix possuem propriedades curativas equivalentes e, em alguns casos, até superiores comparadas com as de suas lágrimas. Também são um ingrediente muito poderoso e raro na fabricação de algumas poções mais avançadas. Seu potencial nem ao menos foi descoberto em sua totalidade, estando catalogados apenas seus usos mais conhecidos, e mesmos esses superficialmente.

Dumbledore fez uma curta pausa para consultar seu novíssimo exemplar do livro Alquimia Experimental Moderna, no capítulo que mencionava as aplicações de ingredientes proveniente de criaturas mágicas. Mais tarde teria que se lembrar de mandar uma coruja ao autor apontando uma série de dados negligenciados.

– Mas essas cinzas não podem ser obtidas na simples queima de suas penas com fogo criado artificialmente, seja ele não-mágico ou obtido por meio de um feitiço. Nesses casos, por algum motivo ainda indeterminado, elas simplesmente não queimam.

Então tirou uma pequena caixinha de vidro do bolso, de onde uma minúscula chama azulada tremeluzia constantemente sobre o que parecia não passar de uma folha seca, e também a observou por um longo momento, na altura dos olhos. Depois a pousou no balcão, abriu a tampa de vidro e preparou a varinha.

– A experiência consiste em expor uma dessas penas a uma quantidade moderada de fogo gubraiciano, também conhecido como fogo perpétuo, para análise posterior do tipo de cinza alcançada com a queima. Isto é, se é que elas queimarão mesmo. A possibilidade de sucesso é pouca, mas estou otimista com os resultados.

Com um feitiço simples e não-verbal, levitou a folha com a chaminha azul e perene, baixando-a mui vagarosamente para dentro do caldeirão, exatamente sobre a pena de fênix.

– Os ingredientes são considerados estáveis e o esperado é que...

KABLAM!

O velho bruxo não conseguiu terminar a frase, interrompido pela explosão que derrubou todos seus instrumentos e poções em volta, quebrando os vidrinhos e objetos mais delicados no chão, e chamuscou os pergaminhos e livros mais próximos. A última coisa que Dumbledore viu antes de perder a consciência foi a labareda azul que pulou do caldeirão e o atingiu em cheio no rosto.

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Pouco antes, em sua sala, sob a luz de um único candeeiro na mesa, a professora de Transfigurações trabalhava sozinha no silêncio da noite de Hogwarts. Nem um só grilo, nada fazia barulho algum, exceto o arranhar de sua pena sobre o pergaminho.

Minerva McGonagall tirou seus óculos quadrados esfregou as pálpebras dos olhos cansados, esticando a coluna de um jeito bastante felino. As vistas ardiam e o pescoço estava duro e dolorido, mas ao menos conseguira terminar de corrigir a última pilha de pergaminhos antes de... meia noite! Bufou perante o relógio, repreendendo enfaticamente a si mesma. Tinha mais uma vez perdido a noção do tempo em meio ao trabalho, e ainda teria de ir dar uma olhada nos seus grifinórios antes de se recolher, dar um jeito no incômodo no pescoço, tomar um chá e um bom banho também. E acordar muito, muito cedo amanhã.

Conferiu e guardou toda a papelada, então se levantou com um bocejo. Já estava alcançando a porta quando uma bola de fogo apareceu do nada, causando tamanho susto que a fez dar um pequeno pulo pra trás. Mais uma vez se repreendeu, pois a essa altura já devia estar acostumada com visitas súbitas e inesperadas de Fawkes.

– Diga a Albus que já estou grandinha, posso dormir na hora que quiser. E se ele se preocupa mesmo com meu bem-estar... – a bruxa se interrompeu perante o escrutínio da ave, que continuava voando e a encarando com seriedade e urgência. E se ele nem se dera ao trabalho de pousar, isso era péssimo sinal. – Aconteceu alguma coisa?

Um pio rápido e um breve aceno de cabeça da fênix e Minerva se pôs em alerta, a varinha em punho e o braço esticado esperando a aparatação iminente. Levou apenas uma fração de segundo para que a mulher e a ave se materializassem novamente perante a gárgula que guardava a sala do diretor.

Ela disse a senha e a passagem se abriu, mas antes de pisar na escada em caracol, ordenou para que esta descesse em vez de subir. E a pedra obedeceu. A caminho do laboratório de Dumbledore, Minerva se permitiu um único olhar vacilante na direção da fênix.

– Ele... ele está bem?

Fawkes assentiu e piou novamente e ela puxou uma respiração profunda antes de abrir a porta de carvalho maciço. E, não importa o que ela esperava encontrar, nada se comparava à visão da completa devastação do cômodo nesse momento.

Do laboratório em si quase nada restava, até as próprias paredes de pedra estavam chamuscadas até quase a altura do teto. Dos montes de cinzas e carvão mal se podia distinguir o que um dia foram os móveis, que dirá seus tão estimados ensaios e estudos acumulados em mais de um século de trabalho intelectual. Tanto conhecimento transformado em pó!

Mas nem por um momento isso passou pela cabeça assustada da professora, percorrendo rapidamente a sala. Demorou apenas um ou dois segundos para encontrar o corpo coberto de fuligem e detritos, caído sob os restos do que um dia foi uma estante, ao lado do antigo balcão, onde uma pequena chama azul ardia timidamente em meio a fina poeira, ainda flutuando devido a recente explosão.

– Ah, seu velho tolo! – McGonagall exclamou e correu para ele.

Ela tomou o corpo em seus braços e sentiu o pânico tomar conta de si ao comprovar que ele não estava respirando. Deitou-o novamente e antes mesmo que desse conta do que estava fazendo já tinha fechado suas narinas com os dedos, empurrando-lhe a cabeça para trás, e lhe coberto a boca com a sua, a soprar com força o ar de volta a seus pulmões. Deixou-o expirar e conferiu sua pulsação, para então retomar a respiração boca-a-boca.

Somente quando ele tossiu fracamente ela se viu livre para murmurar uma oração apressada enquanto se certificava de que ele estava respirando sozinho e conferia novamente sua pulsação, já mais forte. Por algum milagre conseguira chegar até Dumbledore a tempo... Mas como? Mesmo das roupas só haviam alguns trapos, a barba longa que lhe era tão característica já não existia mais e, de alguma forma, o cabelo que ainda era visível sob todas aquelas cinzas parecia vermelho, e não grisalho.

Completamente intrigada, ela limpou seu rosto com toda a suavidade que suas mãos tremulas e aflitas lhe permitiram e o que viu a deixou mais chocada do que toda a destruição a sua volta. Ele ainda conseguiu lançar-lhe um olhar azul e desfocado por um segundo e abrir um sorriso fraco antes de desmaiar novamente.

– Albus, o que diabos você fez dessa vez?