Andanças de Allegro

Allegro era um vilarejo desses que somente os andarilhos que ousavam enfrentar a estrada que serpenteava por Serra Portucalense sabiam onde ficava e a como chegar. Encrustado na encosta de Pedra Alta, ele só era acessível ao tomar uma bifurcação da trilha oficial, usada pelas empresas de turismo.

Após passar por um vale, a bifurcação continuava sempre ascendente, e o viajante escalava cinquenta metros até o solo voltar a ficar plano. E lá em cima, cercado de colinas por todos os lados, estava aquele tesouro, com suas tradições intocadas pela pressa da cidade, pelos modismos midiáticos e pelo lixo cultural promovido pelas famigeradas corporações.

–Saluto, Gegê! Faz um ano desde que estive aqui. Como tem andado? -saúdo o padeiro, que abre um sorriso surpreso ao me ver.

–Porpita, vem cá! O executivo voltou! -ele grita para a cozinha, chamando a esposa.

Da primeira vez que visitei Allegro, eu havia me perdido na trilha. A noite caía e eu apenas continuei perambulando pelo ermo, rezando para nenhuma fera selvagem topar comigo. A única razão pela qual encontrei meu caminho de volta foi graças a um certo padeiro, que tinha ido recolher o cachorro.

Gegê me ofereceu uma acolhida calorosa, uma cama e um prato de comida. Devido ao cansaço, acabei caindo enfermo e fiquei em Allegro por alguns dias. Acabei aprendendo sem querer sua língua e seus costumes. As pessoas se cumprimentavam soltando um "Saluto!" e usavam um chapéu de palha ou pano enrolado na cabeça. As mulheres mais novas usavam colares ostensivos para sinalizar sua idade. Quanto elas queriam indicar a vontade de encontrar um parceiro, davam preferência a joias vermelhas. Já os homens trajavam cintos grossos para indicar status. Quanto mais ostensivo o cinto, mais velho ele era, e os mais novos sempre os cumprimentavam soltando um "Às ordens".

As crianças aprendiam a escrever e a ler apenas o básico, e em Allegro não havia escolas. As aulas eram dadas em uma casa toda aberta, onde se ensinava também ofícios os quais, quando mais velhos, cada uma delas seria obrigada a exercer. E toda casa era pintada de uma cor, que simbolizava o ofício do chefe -ou chefa- da família, que costumava ser transmitido aos filhos.

Uma semana depois, eu estava curado e Gegê e sua esposa me escoltaram de volta à trilha. Como agradecimento, lhe ofereci 396 dólares, quantia que tinha na hora no bolso. Mas o padeiro soltou uma gargalhada e disse: -Em quê vamos gastar essa grana? Allegro não tem moeda. Vivemos do que plantamos e trocamos com as pequenas comunidades. Nunca precisamos de dinheiro aqui.

Admito que fui embora um pouco humilhado pela experiência...ou seria apenas mais humilde? Só sei que meu coração saltitava no caminho para Allegro e a vista do vilarejo fez minha alma reencontrar a leveza que faltava na paisagem opressiva do cimento e do asfalto de São Paulo.