Lobo Mal.


O lobo em questão não era mau. Mas estava mal.
— Pare de me tratar como uma criança, Sirius. — disse Remus com a voz abafada pelo cachecol. O outro simplesmente continuou a enrolá-lo com cobertores e edredons, como se não houvesse escutado o que o havia dito.

— Talvez eu pare se você parar de se comportar como uma.

Um suspiro, e então o silêncio perdurou no cômodo espaçoso.

Remus, obviamente, nunca imaginaria que cinco minutos a mais fora de sua casa, contemplando a neve que caía lentamente, flutuava no ar e então tocava o chão liso e branco, pudessem trazer conseqüências tão drásticas.

— UMA PEQUENA DEFINIÇÃO DE —
conseqüências drásticas, para Remus Lupin:
um resfriado.

Talvez, se ele houvesse se dado o trabalho de assistir ao noticiário, saberia que as temperaturas mais baixas do ano seriam marcadas naquela noite de 8 de Março de 1981. E, se ele soubesse, nunca teria preparado chocolate quente e sentado no deque, fitando o reflexo da lua no tapete de neve que se estendia por uns dois quilômetros, sabendo perfeitamente bem que a mesma imagem deveria refletir-se nos seus olhos enegrecidos e nublados.

Mas o fato de se achar realmente muito sortudo provinha das conseqüências das conseqüências drásticas. Ou seja: das conseqüências que um simples resfriado lhe traria. Nunca teve uma imunidade muito alta, e sabia disso. Sabia tanto que agora até conseguia escutar a voz de sua mãe lhe sussurrando avisos — "Está frio demais, Remus, entre!", "O que está fazendo aí fora na neve? Para dentro. Já!" — e distribuindo ameaças, mas Lupin achara (em algum momento entre o instante em que entrou na sala com a boca roxa e o banho quente que havia tomado, no dia anterior), acima de qualquer ostentação, que ter provado o gosto da neve nos seus lábios macios perto de fazer 21 anos de idade fora o melhor preço que já pagara por um resfriado.

Agora, sua convicção parecia ter ido passear em algum lugar bem longe e fora do seu conhecimento, mesmo que ele sentisse que alguma parte do seu corpo ainda achasse que aquilo — ter ficado lá fora por cinco minutos a mais do que deveria — fora o certo a se fazer. Infelizmente essa parte do seu corpo se revelava como o seu dedinho do pé, o que realmente não influenciava muita coisa. A não ser que ele (o dedinho) estivesse gelado, então ele teria uma leve inclinação para mudar para o outro campo de batalha, aliando-se à garganta inflamada e aos olhos vermelhos.

Remus levou instintivamente a mão até a testa, para sentir sua temperatura. Estava um pouco mais alta que o normal, mas não achava que fosse o suficiente para estar delirando. Talvez pensar que o dedinho do seu pé está travando uma batalha contra a sua garganta e todas as outras partes do seu corpo que parecem protestar contra os cinco minutos a mais do dia anterior não fosse um delírio, no final das contas.

A voz grave de Sirius despertou-o de seus devaneios.

— Remus, abra a boca.

Só então Lupin percebeu que havia fechado os olhos, e ao abri-los ele enxergou o rosto de Sirius a poucos centímetros do seu. Sentiu um leve rubor tomar-lhe as bochechas e ergueu uma sobrancelha.

— Pra quê? — na verdade ele sabia muito bem pra quê, já que Sirius segurava um daqueles termômetros pra colocar abaixo da língua, mas quem sabe que tipo de coisa se passa na mente de Sirius Black? Ele poderia muito bem... amh. Remus balançou a cabeça, querendo espantar certos pensamentos — Hein, Sirius?

— Pra quê você acha que eu quero que você abra a boca, gênio? — e brandiu o termômetro a cerca de dois centímetros dos olhos de Remus — Captou a idéia?

Definitivamente havia captado a idéia. Mas, antes de responder qualquer coisa, tentou se lembrar como ele havia parado na casa do Black. Ele lembrava de ter ligado para Sirius, e o moreno percebeu pela voz dele que não estava bem. Então resolveu fazer-lhe uma visitinha surpresa e, julgando a casa do loiro muito fria para alguém naquelas condições — o assoalho, havia dito Sirius, naquela tarde. Definitivamente o assoalho —, carregou-o literalmente até sua casa. No começo Remus relutou, mas o moreno conseguia ser realmente eloqüente quando queria.

— UMA PEQUENA DEFINIÇÃO DE —
eloqüente, tratando-se de Sirius Black:
aquela carinha de cachorro
que caiu da mudança e quebrou a patinha
.

"Tem uma lareira lá", foi a razão que deu para convencer o amigo, uma afirmação à qual Remus respondeu com o seu levantamento típico de sobrancelha e sorrisinho cínico postado no canto dos lábios.

"E uma lareira vai curar a minha gripe", ele disse mais tarde, ao entrarem na Sala de Estar gigantesca da Casa Black, sarcasticamente, embora tivesse de admitir que o calor emitido pelas brasas era sem dúvida reconfortante.

"Gripe e possível resfriado.", corrigiu Sirius.

"Genial."

— Vamos, Remus. — e parecia mais falar com um cachorrinho (ou lobinho) do que com um homem de quase 21 anos — A boca.

Lupin semiabriu-a.

— Tudo bem. — Padfoot disse, como numa redenção — Se não tem mais jeito...

A cena que se passou a seguir foi, senão cômica, estranha. E isso pra dizer o mínimo. Sirius simplesmente aproximou o máximo que pôde o seu rosto do de Moony sem tocar sua boca e, no segundo seguinte, mordeu o lábio inferior dele com certa força.

— OOUCH — exclamou, colocando os dedo indicador e o do meio no lugar machucado, derrubando centenas de cobertores. E, voltando-se para Sirius: — Qual o seu problema?

— Você é o meu problema — disse um Black sorridente — Um problema gelado, resfriado e lupino. — Então, com um certo contentamento na voz, acrescentou: — Principalmente lupino. — e enfiou o termômetro abaixo da língua do amigo.

— Lupino, é claro — começou Remus, irônico, tomando cuidado para não quebrar o objeto na sua boca — Não sei por que você me associa tanto com lobos.

Padfoot, que já estava na porta da sala, pronto para entrar na cozinha, virou apenas e cabeça e disse:

— Tem um lobo feroz, sexy e louco por alguma aventura bem aí dentro de você, Remie — o seu sorriso agora não era mais debochado, e sim divertido — Só você não percebeu.

Um lobo feroz, sexy e louco por aventura, olha só. Remus pensou que, se dependesse de Sirius Black, ele passaria o dia praticando uivos. Bem, ele poderia esperar sentado, se quisesse, que aquele dia nunca iria chegar.

— SÓ RELEMBRANDO AS —
frases que sua mãe sempre lhe dizia:
nunca diga nunca.


Mau - o contrário de bom, nocivo, maldoso, perverso, ruim.
Mal - doente, com dor, que não se sente bem.

Espero que tenham entendido.
Até o segundo capítulo!