Os Pensamentos Íntimos de Um Homem Condenado
Giordano era dilacerado pela dúvida entre confessar seu crime de heresia ao representante do Santo Ofício ou ser levado à pira e morrer carbonizado perante a multidão enlouquecida na praça. O italiano ouvia gritos esparsos e estremeceu, sentindo um misto de pânico por seu destino e desprezo pelos tipos animalescos que urravam e relinchavam lá fora, completos ignorantes de sua nobre busca pela gênese de todas as Verdades e da própria estrutura da gaiola dourada em que viviam e eram mantidos a muito custo por uma aristocracia corrupta e uma entidade religiosa que de sacra, continha apenas o nome.
Giordano sempre odiara o povo, não sem razão. Aqueles bastardos celebrariam sua morte. Ele seria atirado às feras, transformado no mártir de uma causa sórdida e em pecador de um crime que não cometeu. E tudo porque ele ousara folhear um livro. O temor de Giordano lentamente deu lugar à histeria e ele se viu gargalhando enquanto respondia ao representante que fosse se foder. Durante toda sua vida, o italiano fora educado para buscar o conhecimento. Agora que ele se encontrava às portas da morte, após ter ascendido ao mais elevado grau de consciência a que um homem de sua época poderia aspirar e descoberto a fonte de todo conhecimento cristão, o conhecimento que permeava o seu mundo e o de milhões de homens e mulheres, dentro e fora da Itália e nos confins da Europa, ele seria condenado? Condenado por exercer o ofício ao qual ele fora treinado desde que aprendeu a ler e a escrever, e por cujo não cumprimento ele recebera os piores castigos? Às favas com aqueles malditos padres, bispos e cardeais. Às favas com o Papa! Giordano era livre! Não por ser um homem independente e integrado à sociedade civil de sua época; mas por deter a maior independência que um homem jamais poderia deter: o conhecimento verdadeiro da natureza de seu mundo e da gênese do pensamento cristão, que tanto cerceava a liberdade de pensamento.
