Estimados leitores,
Esta história, iniciada no agora longínquo ano de 2002, foi apenas a minha segunda fic. Como vocês podem imaginar, eu era uma escritora inexperiente naquela época; isso fica nítido nos capítulos iniciais. Meu estilo mudou bastante com o tempo. Esta fic de certa forma funciona como um registro das mais diversas alterações na minha forma de escrever, as quais eu devo em grande parte às gentis e respeitosas críticas construtivas que recebi ao longo dos anos.
Devo ressaltar que assim como todas as outras histórias que compõem o "Ciclo Saint Seiya", esta fic pertence ao gênero RA (realidade alternativa). Aqui o cânone do anime de "Saint Seiya" é utilizado como base e respeitado sob alguns aspectos, mas ignorado e modificado em várias partes. As idades dos personagens, por exemplo, são diferentes daquelas que constam de fontes oficiais.
Muito obrigada por lerem esta fic!
ÚLTIMO DIA DE AIOROS
Por Vane
Esta história integra o "Ciclo Saint Seiya".
"Saint Seiya" é propriedade de Masami Kurumada, Shueisha, Akita Shoten e Toei Animation.
CAPÍTULO 1
Após tomar o café da manhã, Aioria saiu para brincar. Era domingo; logo, não haveria treinamento.
Aquela era a rotina de todos os domingos: Aioros acordava por volta das 7h30, e logo após cuidar de sua higiene pessoal, preparava o café da manhã. Aioria era acordado entre 8h15 e 8h30, comia um tanto apressadamente e em seguida saía, descendo rapidamente as escadas, a fim de procurar outras crianças e aproveitar ao máximo o único dia da semana no qual ele não tinha nenhum dever a cumprir. O dia no qual ele não era visto como um futuro cavaleiro, que deveria desde cedo acostumar-se a uma vida cheia de pesadas responsabilidades e infindáveis perigos. O dia no qual era-lhe dado o direito de ser simplesmente uma criança de dez anos de idade. Aioros, por sua vez, sempre fazia questão de acompanhar seu irmão até a saída da casa de Sagitário e vê-lo afastar-se.
Este era um momento muito aguardado por ambos, uma espécie de pequeno ritual: Aioria só se animava realmente quando começava a descer as escadas, e no meio do caminho sua mente infantil trabalhava freneticamente, tentando planejar os melhores meios de usufruir aquele dia de folga, escolhendo antecipadamente as brincadeiras e os amigos aos quais ele dedicaria seu tempo. E enquanto observava seu irmão se distanciando, Aioros se entregava a diversos pensamentos... deixava sua mente vagar. Pensava no amor que sentia por Aioria, lembrava-se de seu passado, de seus pais... fazia orações...
Certa vez, seu amigo Shura chegara para visitá-lo neste momento. Mas ao vê-lo tão absorto em seus pensamentos, o cavaleiro de ouro de Capricórnio preferiu não interrompê-lo. Quando já não era mais possível ver Aioria, Aioros como de costume virou-se para entrar novamente na casa de Sagitário e cuidar de alguns afazeres domésticos, e surpreendeu-se ao deparar-se com Shura :
- Shura? O que você estava fazendo aí tão quieto? Nem vi você chegar!
- Eu fiquei te observando - respondeu Shura.
- Por quê? - perguntou Aioros, intrigado.
- É que você... seu cosmo... estava emitindo vibrações tão... agradáveis, relaxantes. Por isso fiquei te observando. Eu nunca tinha sentido seu cosmo vibrar dessa forma. Eu me senti muito bem.
- Ei, que é isso? Uma cantada? - perguntou Aioros em tom jocoso. Shura fingiu que iria socá-lo, Aioros desviou, os dois amigos caíram na risada e entraram na nona casa zodiacal, fazendo diversas piadas sobre o breve diálogo que haviam tido.
Aquele fora um dia alegre. Mas no momento presente, Aioros sentia-se desanimado. Desta vez, seus pensamentos e suas preces silenciosas não foram dirigidos ao seu irmão ou aos seus falecidos pais, e sim a pessoas que não faziam parte de sua família.
Isto era atípico. Aioros era muito apegado a seus familiares. Seus pais haviam morrido três anos antes. Eles eram espiões a serviço do Santuário e, apesar de seus cosmos serem razoavelmente desenvolvidos, não eram fortes como os cavaleiros. Por isso, não sobreviveram à queda do avião que os levaria à Itália, onde eles teriam que cumprir uma de suas missões.
Aioros, treinado para ser muito mais forte do que qualquer ser humano normal e enfrentar as mais terríveis ameaças, desesperara-se ao receber aquela nefasta notícia. Sua força sobre-humana, sua armadura dourada, seu cosmo poderosíssimo, nada disto pudera evitar o devastador abatimento que o acometeu. Curiosamente Aioria, que tinha apenas sete anos naquela época, fora bem mais forte. Sofrera, como não poderia deixar de ser, mas logo se conformara. E fora justamente a evidente e intensa dor de seu irmão mais velho o que o motivara a aceitar a morte de seus pais: ele sentiu que precisava ajudar Aioros, e isso só seria possível se ele procurasse esquecer seu próprio sofrimento e se dedicasse ao seu irmão, sendo o mais obediente possível, fazendo-lhe companhia mesmo aos domingos, tentando distraí-lo com brincadeiras e conversas.
Quando Aioros por fim se recuperou, ficou surpreso ao constatar que o amor que sentia por Aioria tornara-se ainda maior. Ele nunca pensara que fosse possível sentir um amor mais intenso do que o que já sentia antes. Ao mesmo tempo, envergonhou-se de si mesmo: ele é quem deveria ter dado apoio e carinho a Aioria naquele momento difícil, e não o contrário. Afinal de contas, ele era o mais velho. Aioria, mesmo sendo uma criança ainda em início de treinamento, fora muito mais forte e maduro do que ele, que já tinha quase dezesseis anos e era um cavaleiro de ouro.
Finalmente, Aioros decidira que já era chegado o tempo de acabar com aquela inversão de papéis e deixar Aioria voltar a ser o irmão mais novo. Ele continuaria sendo treinado, pois Aioros estava convicto de que servir a Athena era o que de melhor poderia acontecer a qualquer pessoa, mas voltaria a sair para brincar aos domingos e seria poupado de preocupações e problemas. Além disso, Aioros estava disposto a proporcionar a seu irmão aquela maravilhosa sensação de aconchego que seus pais lhes proporcionavam e que tanta falta lhes fazia. Aioros não queria que aquele amor intensificado que ele sentia agora ficasse apenas guardado em seu coração. Ele queria oferecê-lo a Aioria, e que seu irmãozinho pudesse se beneficiar deste sentimento tão forte; um sentimento que ele mesmo, com sua doçura e sua dedicação, fizera nascer. E Aioros foi bem sucedido: Aioria não poderia sentir-se mais amado.
O apego de Aioros a sua família não significava que não se importasse com ninguém mais. Ao contrário: sempre fora uma pessoa muito generosa, e preocupava-se sinceramente com o bem-estar da Humanidade como um todo. E não se tratava de uma preocupação forçada, como se ele apenas cumprisse seu dever como cavaleiro. Ao contrário, era um sentimento totalmente espontâneo. Além disso, também sabia valorizar os seus amigos. Não obstante, não podia deixar de dedicar aos seus pais e ao seu irmão a maior e melhor parte de seus zelos.
Agora ele sentia que isso estava começando a mudar. Pois ele se sentia melancólico e vazio, e normalmente isto só ocorria quando havia algum problema com Aioria, ou durante as longas ausências de seus pais, quando estes ainda eram vivos. Mas no momento seu irmãozinho estava muito bem. Desta vez, a causa de seu profundo desânimo eram pessoas que não tinham qualquer parentesco com ele: os amigos que estavam muito longe, e que ele ansiava em poder rever.
Apesar de tudo, ele estava satisfeito consigo mesmo. A causa de sua tristeza também trazia em si mesma a sua cura: se a saudade de seus amigos lhe causava tanto pesar, isto significava que finalmente ele estava aprendendo a direcionar seus mais profundos sentimentos a pessoas que não estavam unidas a ele por laços sanguíneos. Sempre receara ser, no fundo, um egoísta, o que seria vergonhoso para um cavaleiro. Mas agora ele sabia que este temor era injustificado, e isso era reconfortante.
Capítulo escrito em setembro de 2002.
NOTAS: Nesta fanfic, Aioros e Shura têm 19 anos.
Na época em que perdeu os pais, Aioros tinha 15 anos, e já estava prestes a completar 16 quando enfim se recuperou de sua depressão. Obviamente, estes fatos foram inventados por mim, não fazendo parte do cânone de "Saint Seiya".
