CAPÍTULO 1

Porque o dia não acabava logo? Parecia que o tempo estava conspirando contra mim. Não via a hora de ir para o meu quarto ouvir uma música bem pesada para tentar esquecer a ladainha que a freira na minha frente falava. Quem precisava aprender sobre a Grécia Antiga? Isso era passado e não me intessava nem um pouco sobre nada que se relacionasse com o passado.

Então, para minha felicidade, uma noviça abriu a porta da sala de aula, interrompendo aquela voz monótona. Entrou em silêncio e de cabeça baixa, e falou ao ouvido da irmã que, logo em seguida me olhou. O que foi que eu fiz agora?

- Suzannah Simon, sua mãe a espera na diretoria.

Levantei calmamente como uma mocinha comportada, peguei meu material escolar já que a aula estava prestes a acabar, e saí da sala acompanhando a noviça. Tudo em um silêncio absoluto. Mas por dentro eu gritava. Que diabos minha mãe está fazendo aqui? O que deu nela para aparecer assim sem ligar? Será que ela descobriu sobre o meu comportamento no colégio? Se foi isso, eu estou ferrada!

Eu não era exatamente a melhor aluna do Colégio Irmã Medelyne, que era um colégio interno. Não que eu fosse do tipo vândala ou que respondesse mal aos professores. O problema era que, cerca de duas ou três vezes por semana eu acabava me metendo em algum problema. Mas não era de propósito. O problema meio que vinha até mim.

É que eu sou um pouco diferente das garotas de 16 anos. Quer dizer, acho que eu pareço bastante normal. Não uso drogas, nem bebo, nem fumo. Só que eu falo com os mortos. Ou melhor, os mortos é que falam comigo. Quer dizer, eu não ando por aí procurando esse tipo de conversa. Na realidade, tento evitar essa coisa toda o mais que posso. Mas o negócio é que às vezes eles não me largam. Como o fantasminha que estava encostado na porta do meu armário, por exemplo. Não sei como eles me acham, mas o fato é que acham. E descobrem o número do meu armário. E onde fica meu quarto também, para completar.

O meu problema atual era que eu precisava guardar o meu material no armário com uma noviça logo do meu lado. Como eu faria pra espantar o fantasma sem que ela visse era algo que eu não tinha pensado ainda. Talvez ele entendesse que aquele não era o momento e voltaria depois. Ok. Ilusão minha. Fantasmas não estavam nem aí para a minha vida privada.

A maioria dos alunos, professores e o diretor certamente achavam que eu era maluca. Mais de uma vez puseram os conselhei­ros da escola para cuidar de mim. Mas não era fácil fazer o que eu fazia com 100% de descrição. Na verdade, era impossível. E ainda mais naquela escola ridícula com mais de duzentos anos. No meu primeiro dia de aula alí, há quase quatro anos eu estava na lanchonete quando me apareceu a bendita fantasma de uma aluna que tinha morrido quando escorregou no banheiro da escola. E depois na biblioteca. A antiga atendente tinha morrido e não se conformava com a nova funcionária. E na sala de aula. O problema é que, depois que eu tinha limpado aquele lugar de todos os fantasmas que tinham morrido alí, apareceram outros de outros lugares dizendo ter ouvido falar de uma mediadora, que no caso era eu, que ajudava os mortos. E foi assim que eu fiquei famosa entre os fantasmas. E entre o corpo docente da escola.

O fato é que muitos fantasmas são estúpidos à beça. Isso mesmo. São chatos de doer. Eles ficam por aí atazanando as pessoas, batendo portas, fazen­do barulho com os objetos, provocando frio, gemendo. Você sabe do que estou falando. A velha história de fantasmas... O problema é que eu sempre acabo no meio dessa confusão tentando fazer eles pararem, mas como ninguém mais vê os fofinhos, sempre pensam que sou eu que estou criando tudo aquilo.

Isso já me fez ir umas... tá, não lembro quantas, mas foram muitas idas à diretoria. Mas eu, com toda a inteligência, consegui fazer com que o diretor nunca ligasse pra minha querida mãe. Eu dizia sempre que ela era muito ocupada e que não queria aborrecê-la tendo que sair da California para a Suíça por causa da filha problemática. É. Eu dizia isso sim. E ainda colocava um pouco de lágrimas nos olhos. A minha sorte era que o padre Dominic era tão bonzinho que sempre ficava com pena de mim e só me passava castigo atrás de castigo, mas nunca ligava pra minha mãe.

Então agora ela estava lá. Não sei para quê, mas ainda tinha outro problema pra resolver. Um fantasma punk que me olhava carrancudo.

- Suzannah, o que está fazendo? – a noviça perguntou olhando para trás.

Eu tive que jogar meus livros no chão pra ganhar tempo.

- Caiu. – falei com o maior cara de pau. Não acho que ela tenha acreditado.

- Ande logo. Guarde os livros por que eu tenho que te acompanhar até a diretoria.

Ferrou. Ok. Pensa, pensa. Lancei um olhar rápido ao fantasma enquanto recolhia meus livros numa lentidão exagerada. "Vaza daí, seu inútil". Mas é claro que fantasmas não lêem pensamentos. Saco! Então eu ouvi um barulho vindo do banheiro feminino no fim do corredor. Parecia que tinha alguém vomitando. Eca! A irmã olhou naquela direção e em seguida olhou para mim.

- Eu sei o caminho da sala do diretor. – falei com um sorriso que tentei deixar o mais inocente possível.

Ela me olhou com uma cara desconfiada, dividida.

- Vá direto para a sala do Padre Dominic. Por favor, não apronte nada. – apenas acenei e ela se foi.

Terminei de guardar os livros, agora com pressa, e encarei o intruso.

- Muito bem. Vai falando logo que eu tô com pressa. E sai daí. – falei já empurrando ele sem nenhuma delicadeza. Essa era a vantagem de ser mediadora. Eu podia tocar nos fantasmas à vontade. Até socá-los também quando algum me irritava demais.

- Eu não. Tenho toda a eternidade aqui. – ele respondeu com um sorriso cínico no rosto.

Guardei meus livros de qualquer jeito e batí a porta com força.

- Olha só, deixa eu te explicar como eu trabalho: você fala o que quer, eu ajudo – ou tento – e você vaza. Entendeu? Simples assim.

- Mas eu tô a fim de conversar um pouco. Faz anos que eu não falo com ninguém. Pelo menos não alguém vivo.

- Mas eu não estou com tempo para conversar agora. Então vai logo dizendo qual é o teu problema.

- Nossa. Bem que eles falaram que você era grosseira.

Hein? Como assim? Desde quando fantasmas são fofoqueiros? Tá legal. Isso me encheu.

- Já que você está tão incomodado então procure outro mediador pra te ajudar. Eu tô caindo fora. – falei rapidamente e continuei o caminho em direção à sala do diretor. Bem, eu tentei. E teria conseguido se o fantasma, numa "brincadeira", não tivesse colocado o pé para eu cair. E eu caí.

- Eu ainda não acabei de falar com você!

Como é que é? Era só o que me faltava. Levantei com muita calma embora estivesse me roendo de raiva por dentro e me aproximei dele.

- Me toca mais uma vez e você vai se arrepender de ter me procurado!

Mas ele tocou. E não foi um toque qualquer. O filho da mãe me deu um empurrão e riu. Ok. Ele pediu. Me virei com toda e dei um soco na sua cara pálida e idiota. Ele caiu esparramado no chão.

- Vai se comportar agora?

Ele não falou nada, mas sumiu no ar me deixando sozinha.

Fui correndo em direção à sala do diretor. Parei em frente a porta para ajeitar os cabelos que saiam da trança. Alisei o uniforme, saia de pregas com terninho e gravata, e bati na porta.

- Entre! – Ouvi a voz do padre Dominic. Entrei. Congelei.

Minha mãe estava alí, mas ela não estava sozinha. Havia um homem sentado na poltrona ao lado da dela em frente a mesa do padre. E só havia uma pessoa que minha mãe traria aqui. Seu namorado, Andy sei-lá-o-quê. Respirei fundo e fechei a porta indo até a minha mãe que se levantara. Dei um abraço apertado nela. Realmente estava com saudades.

- Filhinha, que saudades.

- Também senti sua falta, mãe.

Depois de alguns segundos nos afastamos. Ela estava com um sorriso radiante. Fazia tempo que não via minha mãe sorrindo daquele jeito. Então, se ela estava feliz daquele jeito, significava que o padre não tinha contado nada para ela. Suspirei alivida.

- Vou deixar vocês à sós para conversarem. Fiquem à vontade. – e saiu fechando a porta atrás de si.

- Suzinha, quanto tempo. – lá vinha ela com esse "Suzinha" de novo. Tá, ela podia. Era minha mãe. Mas só ela. Dei uma olhada rápida no homem que continuava sentado. – Ah, já ia me esquecendo. Suzinha, quero te apresentar uma pessoa muito especial para mim. – A pessoa especial se levantou. Como se eu não soubesse quem era. – Suzinha, querida, esse é Andy – como se eu não soubesse. Mas eu fui até ele e apertei sua mão sem falar nada. Ele também ficou em silêncio. – Nós temos uma novidade para te contar. – Epa! – Por isso quis vir pessoalmente. – Epa, epa! Lá vem bomba! Continuei calada. Acho que era melhor ficar assim. – Andy – ela começou se afastando de mim, indo até ele e o abraçou pela cintura e ele passou o braço nos seus ombros – me pediu em casamento – eu disse que era bomba – E eu aceitei. – Saco!

- Ah, mãe, que coisa boa! – tá, era falsidade, mas minha mãe não era tão perceptiva assim.

Mas a bomba não foi só isso.

Ela ainda me disse que queria que eu fosse morar com ela a partir do próximo mês. E que Andy tinha três filhos, dois quase da mesma idade que eu, que estudaríamos na mesma escola a partir do próximo ano e, ah, que moraríamos em uma enorme casa construída há 150 anos. Isso mesmo! Casa velha. Ou seja, fantasmas. Não que fosse certeza haver fantasmas lá, mas a probabilidade era enorme.

Mas era impossível simplesmente olhar para os dois e não ver logo de cara que babavam completamente um pelo outro. E que tipo de filha eu seria se dissesse "nem pensar"? De modo que aceitei o Andy e aceitei seus três filhos para dar à mi­nha mãe a felicidade que ela merecia.

Me comportei como uma boa moça e fingi que tinha adorado tudo. Talvez até não fosse ser tão ruim assim. Califórnia. Calor. Praia. É. Podia até ser muito bom.