Um choro agudo de criança ecoava por todo o Santuário. Yuki soluçava sem parar e Kamus não sabia o que fazer.
-Está com febre.-Disse a aia de mais intimidade deles, a que sempre cuidava de Yuki e tinha conhecimento do segredo. Ela era muito gentil e maternal, seu nome? Penélope.
Disso eu já sabia. Pensou em francês, sua língua natal.
-Tio...tio...tá doendo tio...-a pequena criança estendeu os braços para si e ele se abaixou na altura da cama e ficou acariciando-a –Eu quero o Tio Milo...
Kamus acariciou o topo da cabecinha castanha daquela sua preciosidade. Seu aprendiz de Aquário? Sim e não. Muito mais do que isso...Quando a criança se tornara tão importante para ele? Talvez, por ser uma cópia fiel da mulher que ele mais amara...
-O tio Milo está viajando...Volta amanhã...-Merdè! Milo lidava com crianças muito melhor do que ele...Todo aquele segredo...
-Estou grávida, Kamyu.-Dissera ela chorando por telefone. Tudo começou a girar quando veio aquela comunicação. Porque ele sabia...Sabia que o pai não era quem todos pensavam que era...
Aquilo fora há um ano...
Ele estava voltando para o Santuário depois de ir a Jamiel e receber toda aquela enxurrada de informações. O pequeno tesouro estava sentado no banco de trás, muito bem preso ao cinto. A criança, de apenas três anos, cantarolava uma antiga cantiga de roda em francês.
-"Papeton,
Le roi du papillon,
Se cuté la barbe.(x2)
Papeton,
Le roi du papillon
Se cuté la barbe
Se cuté le ton(x2)..."
(Papeton,
O rei das borboletas,
Corte sua barba (x2)
Papeton,
O rei das borboletas,
Corte sua barba,
Corte o seu queixo.(x2))¹
-Parlé voux français?-Perguntou-lhe, em sua língua mãe.(Você fala francês?)
-Tré petit...-Respondeu-lhe a criança de um jeitinho estrangeiramente meigo.(Muito pouco...)
Kamus imperceptivelmente sorriu. Parecia mesmo Helena...
-Espero que os outros não percebam...-Murmurou para si mesmo.
-O que foi tio? -Perguntou-lhe.
-Nada, nada.²
Após seis paradas para fazer xixi, três para beber água e duas horas, chegaram ao Santuário. Milo, como o combinado, o esperava do lado de fora. Kamus carregava a criança adormecida em seu colo.
-Quem é essa coisa aí?-Perguntou o loiro.
-Meu novo aprendiz.-Respondeu-lhe, cortante.
-Que grosseria, francês.-Retrucou Milo.
-Segure a criança enquanto busco as malas.-Finalizou Kamus pondo-a com delicadeza nos braços do outro.
Quando Kamus voltava, carregado de malas, o pequeno fardo abriu os límpidos olhos cinzas.
-Oi...-Murmurou, em grego.
-Olá.-Retrucou Milo, com um largo sorriso na mesma língua.
-...Tio.-Concluiu a criança.
Milo alargou o sorriso ainda mais, como se fosse possível.
-Oi Tio.-Repetiu ela.
-Olá de novo.-Disse ele.
-Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio.
-Ãhn...O-oi...-Tartamudeou ele, sem entender.
- Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio.
Milo olhava, assustado.
- Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio.
Milo olhava para a criança e para Kamus, que finalmente compreendia a situação: a criança só sabia essas duas palavras em grego.
- Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio.
-AHHHHHHHHHHHHHHHHHH! FAZ ISSO PARAR!
- Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio.
Milo estava apavorado, a ponto de atirar a criança longe, como uma granada.
- Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio. Oi Tio.
-PÁRA! PÁRA! PÁRAAAAAAAAAAAAAAA!
Kamus agarrou a criança e disse-lhe em francês para que se calasse.
-Era tão simples assim?-Perguntou Milo, sem entender.
Kamus o olhou, frio e finalizou:
-Você é que é burro.
Milo deu-lhe a língua e a criança gargalhou. Milo aproximou-se e fez-lhe cosquinhas.
-Ah, você gosta de cosquinha, não gosta?-Perguntava ele rindo enquanto a criança gargalhava mais e mais.
-Pára! Pára!-Gritava a criança em francês.
Milo encarou, isso ele entendia. Parou, deu um sorriso charmoso e estendeu os braços para a criança. Esta olhou para Kamus.
-Pode ir com ele.-Disse o francês em sua língua natal.
Pulou no colo dele e o abraçou com força. Milo abraçou de volta.
-Como é o nome disso aqui?-Perguntou para Kamus.
-Pode chamar de Yuki.-Respondeu-lhe.
Milo sorrindo, virou-se para a criança.
-Oi Yuki.-A criança sorriu de volta. –Je sui Milo.(Eu sou Milo.)-Disse em francês.
-Oi tio Milo.-Yuki respondeu em grego. Milo sorriu, meio traumatizado.
Kamus sorriu quando todas as lembranças vieram a mente. Porém seu sorriso se desfez quando Yuki começou a tossir. A aia colocou um pano úmido em sua testa.
-Senhor Kamus, vou dar um banho em Yuki para ver se a febre baixa...-Comentou, segurando o seu braço em sinal de que estava muito preocupada. A criança era como sua filha. Kamus acenou afirmativamente com a cabeça, cansado.
-Vou chamar um médico.-Decretou.
Yuki tossindo, agarrou-lhe a camisa e o olhou, implorando que não fosse embora.
-Eu já volto, Penélope ficará com você...-Disse, com o coração dilacerado.
Penélope pegou-lhe no colo e a sua respiração ficou mais tranqüila. O médico logo chegou e constatou que Yuki estava com pneumonia. Após uma noite insone para todos, a manhã chegou. Kamus estava sentado em uma cadeira ao lado da cama, adormecido, quando ouviu uma voz alegre ressoar por todo o templo.
-Hey, Yuki, francês! Eu chegueei! Yuki? Cadê o meu beijo?
Milo irrompeu quarto adentro, encontrando a criança pálida na cama, esta havia acordado com os gritos. Kamus se levantou de um salto, irado com Milo. Pois fora graças aos seus gritos que Yuki que, finalmente, adormecera havia acordado. O ruivo estava pronto para pular no pescoço do outro quando uma voz fraquinha, fanha e rouca ecoou pelo quarto.
-Tio!-Gritou Yuki, de braços abertos.
Milo se atirou na cama e encheu a criança de beijos. Esta, tossindo, ria. Kamus, mais relaxado, se deixou cair na cadeira e deu um suspiro de alívio. Após a brincadeira, Milo começou a cantar cantigas de ninar gregas e Yuki rapidamente adormeceu, com um sorriso no rosto. Os dois saíram do quarto, Kamus fechou a porta e se virou para brigar com Milo. Porém encontrou o outro com um rosto transtornado.
-O que houve com Yuki?-Perguntou-lhe, desolado.
-Eu não sei como nem porque foi parar na praia no meio de uma tempestade. Quando finalmente encontrei-lhe, estava com o rosto banhado em lágrimas e me perguntou por que essas coisas aconteciam...-Disse Kamus, nervoso, passando as mãos pelos cabelos.
-Que coisas?-Perguntou Milo, confuso.
-Foi exatamente a pergunta que lhe fiz.-Respondeu-lhe, abanando as mãos.
-E qual foi a resposta?-Milo estava cada vez pior.
-Nenhuma! Nenhuma, Milo! Desmaiou em meus braços! E sabe o que é pior?-Kamus estava quase histérico.
-Calma Kamus, calma...-Disse Milo, pondo as mãos em seus ombros.-O que houve?
-Eu soube, no dia seguinte, que um barco de pescadores havia afundado por conta da tempestade. E ouvi (da boca de um dos náufragos!) que ela havia aparecido para eles!-Respondeu-lhe, deixando o seu corpo escorregar pela parede. Milo sentou-se ao seu lado.
-Não vamos conseguir esconder isso por muito mais tempo, não é, francês?-Perguntou-lhe. Kamus fez que não com a cabeça e virou-se sério para completar.
-Foi por isso que eu aceitei o pedido do Grande Mestre.
Milo ficou pasmo.
-Mas...você vai ficar por aqui, não é mesmo?
-Vou para a Sibéria.
-O quê?!-Gritou Milo.
