No momento em que Harry Potter foi atingido pelo feitiço da morte em pleno peito e caiu no chão, o horror brotou mais forte que nunca dentro de Hermione Granger. Todos os gritos ficaram-lhe sufocados no peito e por alguns segundos ela esqueceu que alguma vez tinha sido capaz de articular uma única palavra.

À sua volta rebentaram gritos de vitória por parte dos devoradores de morte. O combate parecia ter ficado esquecido por ambas as partes. Era irreal.

Os estudantes e professores sobreviventes começaram a fugir em todas as direções e de todas as formas possíveis.

Os apoiantes do Senhor das Trevas nem se preocuparam em segui -los. Sabiam que seria muito fácil apanhá -los depois, agora que já não havia Harry Potter.

Hermione olhou em volta. Nunca se sentira tão desorientada na vida, mas sabia que não podia ficar ali à espera que dessem por ela e a matassem. Ou pior.

Começou a correr por entre a multidão. Ron tinha desaparecido completamente, nem ela sabia dizer quando. Provavelmente tinha sido dos primeiros a fugir.

Mal se dando conta do caminho por onde seguia, Hermione enfiou -se na Floresta Proibida. Estranhamente, quando se deu conta de onde estava também não fez menção de voltar para trás. Qualquer coisa que ela encontrasse ali seria menos perigoso do que aqueles de quem escapava.

Na semi escuridão da floresta, Hermione perdeu a noção do tempo completamente. Nunca saberia dizer por quanto tempo correra perdida. Não se cruzara com ninguém. Ouvira ruídos aqui e ali, mas a floresta estava muito silenciosa para o que era normal. As criaturas mágicas que ali residiam deviam de ter fugido.

Ao fim do que lhe pareceram horas, Hermione desembocou perto de Hogsmead, mais propriamente perto da Cabana dos Gritos.

Praticamente sem fôlego, Hermione deixou -se cair de joelhos por detrás de uns arbustos altos, protegendo -se assim do olhar de alguém que passasse.

Os pulmões ardiam -lhe terrivelmente, todo o seu corpo se queixava do esforço. Ao fim de meses a comer mal e a dormir ainda pior, ela estava muito longe da resistência física ideal.

Hermione tentou perceber as hipóteses que tinha. Hogsmead não era segura. Hogwarts não era segura. A casa dela não era seguro. Desaparecer não era seguro. Usar magia em geral não era seguro. O que podia ela fazer? Se seguisse sozinha e a pé indefinidamente seria uma presa muito fácil. A alguma distância ela conseguia ver por entre o arbusto a Cabana dos Gritos. Ainda à algumas horas atrás ela abandonara aquele mesmo lugar com o coração pesaroso.

Agora parecia -lhe a melhor hipótese de refúgio, ainda que temporário.

As recordações ameaçaram inundá -la, mas Hermione empurrou -as para as profundezas da sua alma novamente.

Devagar e após olhar em volta, Hermione levantou -se do chão e começou a caminhar em direção à velha casa abandonada.

Este caminho tão curto ainda lhe pareceu mais demorado do que as horas a correr pela floresta.

Passando as vedações que protegiam a casa dos curiosos, Hermione dirigiu -se à porta e tentou abri -la. O que poderia ser algo fácil tendo em conta a ruína do edifício, provou ser mais difícil. A porta tinha sido enfeitiçada. Por motivos de segurança talvez.

Sabendo o quanto era perigoso fazer magia, Hermione pensou noutra forma de dar a volta ao problema. Uma pedra que estava no chão não muito longe, deu -lhe a ideia ideal.

Aos ouvidos de Hermione, o som do vidro a partir pareceu ecoar por quilômetros sem fim.

Após uns largos minutos a olhar em volta o silêncio das redondezas sossegou -a novamente.

Hermione fechou os olhos e suspirou profundamente enquanto se voltava para a janela que tinha acabado de partir. Mas nada no mundo a teria preparado para o que viu na sua frente.

"AAAhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!" Gritou aterrorizada até mais não, afastando -se às arrecuas da janela, acabando por cair no meio do chão de rabo.

Do lado de dentro da janela, pálida como só um fantasma podia ser, estava uma mulher a olhar para ela com olhos tristes. Pouco mais alta que Hermione, vê -la inesperadamente olho no olho não era exatamente o que a pobre fugitiva necessitava naquele momento.

Devagar e perante o seu olhar ainda aterrorizado, Hermione viu a mulher apontar para o lado da porta da casa devagar e ouviu a porta abrir -se com um gemido.

"A senhora quer que eu entre?" Perguntou ela a tremer.

A mulher acenou com a cabeça e pareceu desvanecer -se subitamente no ar.

Hermione sentia o coração quase a saltar -lhe do peito, tamanho o susto que acabava de levar. E por qualquer motivo, algo lhe dizia que não seria o último. Nunca antes vira um fantasma naquela casa. Lobisomens sim. Animagus sim. Fantasmas? Definitivamente não.

"Estar em perigo iminente de vida afecta uma pessoa ao ponto de fazer coisas completamente loucas."- Murmurou Hermione para si mesma.

Lentamente levantou -se do chão e encaminhou -se para a porta. Para seu alívio, ela não se mexeu sozinha como era tão habitual de ver em filmes de horror Muggles.

Hermione entrou na casa tomando o cuidado de fechar a porta atrás de si novamente. Ouviu o estalido de uma fechadura que se tranca.

"Ok , pelo menos por aqui parece que ninguém entra…"- Tentou ela confortar -se.

Hermione sentia -se na beira de um ataque de nervos. Na verdade, ela estava à beira de um ataque de nervos à meses. E a situação não parecia disposta a melhorar. Sem magia, sem os seus amigos… Os seus amigos. Hermione não queria pensar nisso naquele momento. Mais tarde teria tempo, não naquele momento. Já se sentia perdida o bastante nas condições em que estava.

Em volta dela, toda a casa parecia gemer. Estava escuro, havia pó e coisas partidas por todos os lados. Pelo canto do olho, Hermione viu uma vela não muito longe dela. Foi até ela e procurou dentro da sua mala por algo para a acender. Por sorte tinha um isqueiro consigo.

Á luz da vela, a casa pareceu -lhe ligeiramente mais acolhedora. E então ela viu -a novamente.

A mulher estava perto da escada, a olhá -la. Algo nela parecia familiar, mas o quê?

"Quem é a senhora? Já nos vimos antes?"

O espírito sorriu -lhe pela primeira vez e nesse momento Hermione reconheceu -a.

"É a mãe do Harry!"

"Sim, sou eu Hermione." Soou pela primeira vez a voz de Lily. "Estou aqui para te ajudar. A ti e a ele."

Hermione ficou confusa. Harry estava morto. Ou será que não? Uma súbita esperança encheu -lhe o peito.

" O Harry sobreviveu novamente? Ele está vivo?"

O rosto de Lily Potter voltou a encobrir -se.

"Infelizmente não minha querida. Lamento se as minhas palavras te enganaram. O Harry está bem. E pediu -me que te ajudasse."

"Porque não veio ele? " As lágrimas ameaçaram tomar o controlo pela primeira vez desde o momento em que o tinha visto morrer na sua frente.

"Ele não pode, Hermione. Lamento muito. Eu estou aqui não apenas por ti, daí poder estar aqui num momento tão difícil como este."

"Então… Quem?" Hermione não conseguia perceber.

"Nesta mesma casa, apenas há algumas horas atrás , foi mortalmente ferido o amigo mais fiel que eu alguma vez tive. Vocês três presenciaram o ato terrível e as razões mesquinhas por detrás dele."

"Está a referir -se ao professor Snape? Mas, ele morreu."

"Não, Hermione. Não morreu, embora a vocês no momento tenha parecido que sim. E penso que Severus também pensou que morreria naquele mesmo momento. Mas eu não podia deixar isso acontecer. Ele devotou toda a sua vida adulta a fazer coisas que detestava apenas para proteger o meu filho e para me pedir desculpa por um ato tão estúpido que hoje me faz rir. Ele tornou -se um homem admirável de muitas formas. Mas infelizmente, nunca mais se conseguiu abrir com ninguém. E isso eu lamento profundamente."

Professor Snape, um herói? Aquilo era verdadeiramente estranho. Aquele homem sempre tinha sido um mistério difícil de compreender mas só naquele momento Hermione percebeu o quanto sabia pouco sobre o seu professor. Sabia que ele tinha sido colega de Lily e dos outros e que tinha havido vários problemas entre eles mas nunca soubera mais que isso.

Lily pareceu adivinhar -lhe os pensamentos. Aproximou -se um pouco mais dela e começou a contar -lhe coisas que Hermione nunca pensara ouvir .

"Eu conheci o Severus quando ainda era muito pequena. Foi o meu primeiro elo com o mundo da magia. Foi quem descobriu o que eu era e mo disse. Vivíamos próximos um do outro, e brincávamos no mesmo parque. Quando ele estava autorizado a brincar. Deves saber que ele é Meio -Sangue. A mãe dele apaixonou -se por um Muggle. Se ao principio o marido achava graça a certos truques e não lhes dava importância, mais tarde percebeu a profundidade do que significa ser feiticeiro e teve medo. Proibiu a mulher de praticar magia. Tirou -lhe mesmo a varinha. Tornou -se violento para com ela e para com o filho pequenino. Tinha medo que o filho fosse igual à mãe e que as pessoas começassem a notar coisas estranhas. Infelizmente sob muitos aspectos, Severus saiu feiticeiro. E imagino que não tenho de dizer que o ambiente em casa só piorou quando o pai dele verificou isso. Ao fim de mais alguns anos, a pobre mãe dele acabou por reunir coragem e sair de casa. Mas deixou -o para trás, com o pai. Severus nunca a perdoou por isso. Durante os anos da nossa infância, antes de Hogwarts, a nossa amizade era forte e indestrutível. Ele confiava -me tudo. Passava tempo na minha casa escondido por vezes do pai. Porém, com a chegada a Hogwarts e a distribuição pelas casas as coisas começaram a mudar. Ser de casas diferentes como tu bem sabes significa por vezes ter horários e atividades completamente diferentes. No primeiro ano as coisas ainda se conseguiram manter mas depois eu fui fazendo mais amigos e acabei por me começar a afastar um pouco. Severus nem na escola tinha a vida facilitada. James e os outros não lhe faziam a vida fácil apenas por ele se Slythrin. E por ser diferente deles.

Quando eu intervinha, magoava Severus. Ele pensava que eu o tinha em tão má consideração que não se conseguia defender sozinho. Não era verdade. Para mim era apenas um forma de lhe mostrar apoio. Ele andava metido com tudo o que era de má laia na casa dele e isso também me preocupava. Tentava fazer -lhe ver isso mas não valia de nada.

Depois, houve uma última vez em que o defendi. Sentiu -se tão profundamente vexado que me insultou em frente a toda a escola.

Nessa altura fui eu que não quis aceitar desculpas. Deixei de falar com ele totalmente. E comecei a estar com o pai do Harry. Depois disso, tudo pareceu acontecer muito rápido. No fim do último ano, Severus Snape era um Devorador de Morte. Virava a cara quando passava por mim e eu fazia -lhe o mesmo.

Entretanto Voldmort tornou -o um espião e o resto… O resto acho que ele mesmo te poderá contar um dia.

O que eu quero que entendas acima de tudo Hermione, é que Severus não é um mau homem. Nunca o foi realmente. É só muito fechado nele próprio. Ninguém lhe mostrou carinho ou amor logo ele não sabe como o demonstrar pelos outros. E a personagem que tu e o meu filho conheceram como Professor Snape era apenas isso. Uma personagem. A quem ele se apegou talvez demasiado. "

"Eu consigo entender isso. Mas porque me conta tudo isto?"

"Porque preciso que tomes conta dele, Hermione. Ele está lá em cima, vivo. Mas não está forte como sempre o conheceste. Consegui evitar que morresse, consegui que as feridas que carrega não fossem mortais. Mas ele precisa de ajuda. Tal como tu. Agora que Voldmort ganhou, tudo o que vos resta é fugir. Fujam juntos. Cuidem um do outro. E estarão em segurança."

"Mas… O professor nunca irá deixar -me chegar perto dele o bastante."

"O primeiro segredo é a confiança, Hermione. Mostra -lhe que confias nele, que acreditas nele. Não tens de lhe dizer que sabes tudo aquilo que te contei. Tu no fundo, dos três sempre foste aquela que acreditou mais naquilo que ele estava a fazer."

"Eu sempre acreditei e sempre confiei. Quando Dumbledore morreu não digo que não duvidei. Mas quando ouvi o que se passava em Hogwarts… Podia ter sido muito pior se tivesse sido qualquer outro a mandar."

"Agarra -te a isso, Hermione. Mesmo e especialmente quando ele te tratar mal. Vai e cuida dele. Por favor."

Com estas palavras, Lily voltou a desvanecer -se deixando Hermione sozinha .