Ainda
Ele já tinha cinco anos.
Era perfeitamente capaz de empurrar aquele carrinho sozinho, obrigado. Não queria dar trabalho para sua mãe. Sorrindo, e ajeitando os cabelos ruivos, Matt empurrou-o por gloriosos onze metros, até, sem querer, tropeçar nos cadarços desamarrados, cair pela frente e ir com tudo em direção ao caixa até bater em cheio no balcão.
Ele já tinha cinco anos, e ainda não sabia se guiar sozinho.
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Ele só tinha cinco anos.
Enchia o carrinho com verduras e outras coisas necessárias, e, sem resistir, bem no final, acrescentava dois chocolates. Era todo o luxo a que podia se dar. A moça gentil do caixa sorriu para Mello quando perguntou se ele precisava de ajuda com as sacolas, mas não houve sorrisos quando recebeu uma negativa como resposta.
Ele só tinha cinco anos, e já aprendera a cuidar de si mesmo.
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Ele já tinha dez anos.
Já estava na hora de se tornar independente, disse para si mesmo. Mas ainda sentia-se inseguro quanto o homem veio lhe retirar cuidadosamente da casa, para onde ele jamais voltaria. Apenas por via das dúvidas, entretanto, Matt enfiou a cara nos pernas durante todo o percurso até o orfanato.
Os joelhos daquela calça jeans ficaram encharcados.
Ele já tinha dez anos, e ainda tremia.
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Ele só tinha dez anos.
Não piscou quando o encontrou caído no chão da cozinha, apenas andou a passos lentos até a sala e pegou o telefone. Falou com uma voz calma e entediada. Depois, com um pano velho e surrado, Mello limpou todo o sangue dos azulejos brancos antes que alguém chegasse.
Ele só tinha dez anos, e não chorava mais.
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Ele já tinha onze anos.
Era crescido demais para perder daquele jeito. Olhou com raiva para o loiro de penteado esquisito que o derrubara e marcara o ponto. Surpreendeu-se pelo fato de ele não estar comemorando o gol com os outros. Havia apenas um sorriso ligeiro, no canto dos seus lábios, e um estranho brilho nos olhos azuis.
Ele já tinha onze anos, e ainda sentia medo.
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Ele só tinha onze anos.
Era absurdamente inteligente. O –segundo– aluno mais inteligente da turma. Então, ninguém se surpreendeu ao vê-lo levantar a mão quando o professor fez aquela pergunta sobre as estrelas. "Por mais que as pessoas pensem que não, elas são finitas. Duram milhares de anos, mas um dia explodem. Todas elas são assim, na realidade."
Ele só tinha onze anos, e já falava em realidade.
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Ele já tinha catorze anos.
Conseguia escolher o caminho que queria seguir, sem a ajuda alheia. Por isso escolheu aquilo. Que lhe dava um pouco de medo, mas um pouco de empolgação também. E, embora nunca tivessem sido íntimos, quando estava jogado no sofá da sala, ele deu um sorriso de canto e perguntou: "Ei, Mello, onde você gostaria de ser enterrado?" Aquela era uma pergunta estranha, mas fez o loiro sorrir. Mello entendia, afinal.
Ele já tinha catorze anos.
Estava na hora de começar a pensar em morrer.
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Ele só tinha catorze anos.
E já havia decidido que, quando morresse, queria ser cremado.
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N/A: Não gostei muito, na verdade. Mas enfim. Surgiu do nada e eu senti vontade de publicar, do mesmo jeito. Espero que gostem, sei lá.
