Bem, estou aqui nesta minha segunda fic que tenho coragem de publicar na net... Aqui contarei a história de Hel, minha personagem de um rpg que estou jogando no fórum. O mestre está com problemas técnicos e não aparece mais e eu estou morta de vontade de jogar rpg (Kurt, você me viciou!). Para os leitores se localizarem, a história se passa em 1743, na época em que Atena guerreava contra Hades e companhia. Mas como eu estou aqui para falar da origem da minha persona, passa-se um pouco antes... Mas chega de enrolação e vamos para a fic! Espero que gostem!

O SEGREDO DAS VALQUÍRIAS –SIDE HISTORY

BILKJANDA: URD

O céu estava escuro prenunciando uma tempestade. Trovões ecoavam e faziam as paredes de um antigo palácio tremer. Lá morava uma nobre e tradicional família de Asgard.

Na penumbra do maior quarto da casa, um homem alto de olhos azuis, o senhor da mansão, observava o céu e sentia o cheiro de chuva que invadia o quarto. Sua respiração estava pesada, seus músculos retesados e o maxilar contraído.

-Leve o menino para o quarto!-ordenou com a voz rouca. Seus olhos cintilavam de ódio e deixava lágrimas frustradas escaparem.

-Perdoe minha intromissão, mas deveria descansar senhor Freyr. Dormir um pouco pode clarear suas idéias.-sugeriu o criado.

-Skirnir, você foi criado comigo por isso não me importo que expresse sua opinião, afinal sempre foi um irmão para mim. Mas agora eu não preciso e nem quero dormir. Está tudo muito claro! Saia do quarto e deixe-me sozinho!

-Seja feita sua vontade, meu senhor...-respondeu o criado, fazendo uma mesura para se retirar, enquanto pensava-Espero que ele não cometa nenhuma tolice...

Após o servo se retirar, o homem aproximou-se de uma cama onde uma linda mulher estava deitada. Os cabelos dela, vermelhos, estavam espalhados no lençol, confundindo-se por vezes com o sangue que o manchara. Os lábios entreabertos, a face contraída numa expressão dolorosa...

Inclinou-se sobre o corpo inerte dela e encostou de leve seus lábios nos dela. Sentiu que o calor do corpo de Gerd se esvaía gradualmente. Não se conteve e beijou a boca da esposa suavemente, docemente, tristemente, loucamente... Seus sentimentos estavam confusos e misturados, já não conseguia mais se segurar, começou a chorar copiosamente, molhando o rosto dela.

De repente, ouviu um barulho. Mas não era um barulho qualquer, era o som de um choro, um choro irritante. Freyr levantou-se num salto e olhou fixamente para um embrulho que estava ao lado de Gerd. Parou de chorar imediatamente enquanto encarava aquele embrulho barulhento e pode vislumbrar por um momento bracinhos e pezinhos agitados.

-Como ousa? Como ousa chorar comigo ao mesmo tempo? Hein? Como se atreve a tentar tirar minha atenção, atenção que eu dava para minha amada Gerd para fazer que meus olhos pousassem sobre você, verme asqueroso?... Você, ser maldito, roubou a vida de Gerd e a minha vida também...Tirou a única coisa que eu dava valor...-a voz começou a altear pelo ódio, a respiração entrecortada exalava rancor e ódio e os olhos fixavam um ponto inexistente-JÁ NÃO TENHO MAIS NADA... NADA... PERDI TUDO... TUDO QUE TINHA PERDI...NADA ME RESTA...

Ele tirou o pano que embrulhava o bebê. Um raio cruzou os céus iluminando o quarto. Neste instante, Freyr viu de relance o sexo da criança. Era uma menina. Encarou fixamente o corpinho que estava em seus braços. Cabelos vermelhos como da mãe e olhos azuis como os dele.

-Fruto nefasto... Para chegar ao mundo teve que roubar a vida de uma inocente... Portanto, eu que sou o marido roubado; eu que sou a vítima ultrajada desta história revoltante também tenho o direito sobre sua vida...ENTÃO MORRA!-gritou Freyr.

As primeiras gotas de chuva caiam sobre a terra, ganhando força com o passar do tempo, virando uma tempestade rapidamente. Os trovões ressoavam lá fora e Freyr olhava fixamente para a lareira e via o crepitar das chamas. Ele ria, gargalhava histericamente e acompanhava a dança que o fogo fazia enquanto projetava sombras macabras na parede do quarto.

Pouco tempo depois, Skirnir sentiu um cheiro estranho circular no ar abafado da casa. Era cheiro de carne, carne assada. Teve um mau pressentimento e foi correndo para o quarto de Freyr.

Abriu a porta de supetão e viu uma cena que o deixou chocado. Freyr estava em frente à lareira rindo e gargalhando enquanto puxava seus cabelos e gritava:

-TEVE O QUE MERECEU! FILHA DO DEMÔNIO! QUE HEL TE CARREGUE!

O servo ficou estático por um instante, mas logo recobrou a consciência:

-FREYR SAIA DAQUI!-berrou, pegando o homem desequilibrado e pondo-o para fora do quarto. Logo em seguida chamou por outro criado da casa e o mandou vigiar o patrão.

Depois olhou para a lareira e viu um pano e um corpinho lutando contra as chamas. Sem pensar duas vezes, enfiou a mão no fogo e tirou o bebê das chamas, mergulhando-o na água ensangüentada que a parteira tinha usado.

A menina chorava, enrouquecida, debatendo-se nos braços de Skirnir. Ele a olhou penalizado, sabia que mesmo tendo a salvado das chamas não poderia deixá-la na casa, pois isto custaria a sanidade de Freyr.

-Pobre criança... Mal começou a viver e já presenciou tantas desgraças...

Skirnir a levou para cozinha em silêncio, sem que ninguém percebesse. Mandou um criado levar um chá calmante para o senhor. Quando ficou só, fez os curativos necessários no bebê. O corpinho da menina estava em carne viva. Braços, pescoço, pernas, barriga, costas... Totalmente queimada. O que o deixou desconcertado foi olhar o rostinho dela. A face direita tinha traços delicados, pele branca e um olhinho azul. Entretanto, a face esquerda estava desfigurada pela queimadura.

-Pobre criança...-repetiu Skirnir, limpando o rosto dela. Após os curativos, deu um leite que encontrou e alimentou a criança.

De madrugada, embrulhou bem o bebê e foi para a floresta próxima dali. Sabia que abandonar aquele bebê era desumano, que poderia morrer pelo frio implacável e pelas queimaduras mal-tratadas. Entretanto, ouvira dizer entre os aldeões que no fundo dessa floresta morava uma feiticeira que os ajudava como curandeira. Se aquela menina tivesse um pouco de sorte, a mulher poderia encontrá-la e criá-la.

-Ah, criança... Você já teve sorte uma vez quando te salvei das chamas, quem sabe não tem sorte novamente e alguém te acha e te cria?

Enquanto pensava, penetrava na floresta. Quando se deu conta percebeu que estava no meio dela. Encontrou um tronco oco, verificou que não tinha nenhum bicho e a colocou lá dentro.

-Que os deuses estejam sempre contigo. E que Odin proteja-te e se for vontade d'Ele, traga-te alguém.-ele beijou os dedos e os encostou na testa do bebê.

Depois disso, Skirnir espalhou alguns gravetos e folhas no chão e os deixou perto do tronco para que se alguém atencioso passasse ali, verificasse essas marcas e fosse ver a árvore.

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

O servo chegou em casa pela manhã. Mandou os criados limparem o quarto, trocarem os lençóis e prepararem o corpo e os objetos pessoais para a cremação (1). Em seguida, foi para o outro quarto, na sala, e encontrou Freyr dormindo. Disseram que ele dormira há pouco tempo, por isso saiu de lá rapidamente para não acordá-lo.

À tarde, Freyr acordou e encontrou os preparativos para a cremação prontos. Eles foram para a praia próxima dali, onde um imponente e bem trabalhado navio viking estava atracado. Alguns empregados soltaram as amarras do navio, que começou a mover-se graciosamente pelas águas gélidas.

Freyr subiu em um bote, enquanto os familiares ficavam na praia a observar os ritos fúnebres. Skirnir foi junto dele para impedi-lo de cometer tolices. O bote acompanhava o navio com uma mínima distância; Freyr fez tudo conforme a tradição, mas fez rapidamente, pois não suportava imaginar o corpo dela sem vida. Hesitou na hora de atirar a tocha no navio mortuário, pensou em pedir para Skirnir fazê-lo, mas desistiu na mesma hora. Era seu dever como marido fazê-lo e assim o fez.

As chamas dançavam como se estivessem afrontando Odin, provocando-o discaradamente. O bote, onde ele e Skirnir estavam, se distanciava lentamente, prolongando a agonia do viúvo inconsolável. Freyr olhava fixamente para as chamas, aproximou-se de Skirnir e perguntou-lhe, com a voz áspera:

-Já se livrou dos restos daquilo?

-Sim, senhor. Eu mesmo limpei a lareira assim que o fogo apagou e me certifiquei de que não sobrasse nenhum vestígio.

-Muito bem... E que isso fique entre nós. Avise aos demais criados e dê um jeito de calar a parteira, sim?

-Já providenciei tudo isso, meu senhor. Eu expliquei para a parteira que a criança seria usada como sacrifício para a jornada que a mãe faria para o Valskjálf (2) e ela entendeu e concordou plenamente com a nossa atitude.

O viúvo olhou o amigo e sorriu. Seu rosto estava acabado, demonstrando claramente seu sofrimento, mas os sinais de loucura já não estavam visíveis para alívio de Skirnir.

-Você é muito eficiente... Obrigado por me compreender, Skirnir.

-Não precisa me agradecer, este é o meu dever. Entretanto, para ser sincero, não o compreendo. Sua esposa sacrificou-se para dar a vida ao bebê, então a vida dela estava na criança... Mas você pôs tudo a perder... Bem, agora são duas vidas a menos.-disse Skirnir lembrando-se do bebê dentro da árvore. Ele achava óbvio que a essa hora a criança já estava morta, congelada pelo frio ou pelas horríveis queimaduras mal-tratadas.

-Este é seu ponto de vista, meu caro amigo. O meu ponto somente eu poderei entender...-suspirou Freyr, pesadamente.

-Perdoe-me pela minha sinceridade e insensatez nas palavras, meu senhor.-pediu o humilde servo –Precisa de mais alguma coisa, meu senhor?

-Não, pode se retirar...

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Enquanto isso, na praia, os ritos funerários daquela nobre atraíram pessoas simples do vilarejo próximo. Homens e mulheres, velhos e crianças assistiam a tudo, admirados pela opulência da morte dos ricos. Entre as pessoas, uma senhora, com aproximadamente 60 anos, acompanhava a cena impassível. Respeitava as tradições, mas achava uma grande bobagem a admiração que os camponeses sentiam perante o luxuoso funeral. Queimando o corpo num navio cheio de adornos e objetos ricamente trabalhados, ou nas chamas da fogueira no centro do vilarejo, era tudo igual, viraria pó do mesmo jeito.

A senhora levantou o capuz para cobrir sua cabeça grisalha e encaminhou-se para longe dali. Adentrou a floresta e seguiu seu caminho habitual. No meio da floresta, parou e começou a colher algumas ervas para fazer suas infusões à noite, antes de dormir. Ela reparou na presença de um pequeno grupo de lobos, que circundavam uma árvore próxima de onde estava. Ela ia seguir seu rumo, quando ouviu um choro, bem baixinho. A senhora olhou em volta e nada viu, concluiu que sua mente tentava lhe pregar uma peça.

O chefe da matilha, enfiou a pata dentro do tronco oco da árvore e a mulher idosa ouviu com mais nitidez o som de um choro. Ela voltou-se para trás, e viu no chão gravetos e folhas espalhados, enterrados e pode vislumbrar marcas de mãos humanas, mesmo após os lobos pisarem por ali.

-Será possível? Por Odin!-a mulher questionou-se surpresa com a idéia que lhe passou pela cabeça.

A senhora encaminhou-se para perto dos lobos e usando seus pequenos truques, os espantou dali, sem os machucar. Com dificuldade, abaixou-se e olhou para dentro do tronco oco. Os dias sempre nublados de Asgard, impediam que a luz do Sol fosse vista, mas mesmo assim ela conseguiu ver algo se mexendo, além de ouvir claramente o choro que vinha de dentro da árvore.

Ela tateou em volta até que sentiu algo macio e felpudo na terra congelada. Sem hesitar, puxou aquilo e deparou-se com um embrulhinho que soluçava, já sem forças para chorar.

-O que temos aqui...-perguntou a mulher para si mesma, sem acreditar no que via. Ela tirou o pano que tampava o rosto da pequena criança e viu algo que jamais esqueceria –Por Odin! O que fizeram com este pobre bebê...?

A senhora estava horrorizada com o que vira. Uma criança em carne viva, com a face desfigurada. Ela notou que a criança tinha recebido um pequeno cuidado, mas que era de alguém leigo e por isso mesmo, ineficaz. Ela sentia um cheiro fraco, mas repugnante de carne queimada, olhou para o bebê penalizada e disse, determinadamente:

-Não sei o que aconteceu com você, meu pobre inocente, mas pelo que vejo alguém quis te salvar mas por algum motivo que desconheço, não pode fazê-lo e te abandonou neste lugar... Mas agora que eu te encontrei farei tudo que estiver ao meu alcance para curar suas feridas e para te dar uma vida feliz... Juro pelo Grande Odin que cumprirei a promessa!

A senhora cobriu a criança novamente e seguiu seu caminho habitual com passos decididos.

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Passada uma semana, a casa voltou à sua rotina habitual. Todos pensavam que a esposa e o bebê morreram e ignoravam a real causa da morte do bebê. Freyr passou seus dias abatido e sentia que não poderia mais viver. Então, ele lembrou-se de seu filho varão, seu primogênito. A lembrança que sua amada Gerd lhe deixara e dedicou-se na criação deste, mimando-o.

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

O tempo passou lentamente como as areias de uma ampulheta. A dor de Freyr permanecia ali, intacta, mas pelo menos diminuíra até o ponto de ser suportável... Gerd era seu grande amor e para sempre seria. Seu corpo foi queimado pelas chamas sagradas, mas ela permanecia viva na mente, no corpo e no coração dele.

Simultaneamente, a idosa cuidou da criança com esmero e atenção e não percebeu o tempo passar e o bebê tornar-se uma criança e por fim uma adolescente... Mas para que falar de tempo, se ele é apenas uma quimera, um engodo que os humanos acreditam terem criado?

Notas:

(1) Aqui retratei, mal e porcamente um funeral viking: a cremação da nobreza. Mas o fiz ignorando o fator cristianismo, pois ele influenciou até mesmo a Escandinávia e suas tradições. Tanto na cremação quanto no sepultamento, eles colocavam os pertences de valor que o falecido mais utilizava, sacrificava animais e até mesmo colocava pessoas vivas (servos ou escravos) para acompanhar o morto, além de comida (pães e frutas). Eles acreditavam que o morto viveria embaixo da terra (caso fosse sepultado) ou em algum lugar paralelo com nosso mundo.

(2) Valskjálf: segundo o glossário que consultei, significa a "Casa dos mortos". Para os vikings, a morte tinha duas faces: em batalha (cujos guerreiros podiam ingressar para o Valhala para acompanhar Odin no dia do Ragnarök) ou por doenças e afins, então as pessoas "normais" iriam para o Nifheimr (o palácio de Hel, a deusa da morte).

(3) Sobre o título, segundo o mesmo glossário, Bikjanda quer dizer "Miséria sombria" e Urd é "destino"... Me parece apropriado para a minha personagem desgraçada...

(4) Freyr é o nome de uma das mais antigas divindades germânicas, deus da fertilidade, da paz e da prosperidade. Skirnir é seu fiel criado e Gerd é a gigante de gelo dos belos braços brancos (talvez seja um fetiche da época, afinal as mulheres mantinham seu corpo coberto por vestidões enormes), moradora do Niflheimr (um dos nove mundos, onde a deusa Hel é senhora). Por isso, criei esses três baseada na Skirnismál (A balada de Skirnir) que conta como Skirnir se empenhou na conquista de Gerd para Freyr.

(5) Gostaram da mitologia germânica? Querem mais? Acessem este site: http/www.valholl.hpg. Tem muitas informações e curiosidades!

Próximo capítulo: Veremos a adolescente e suas crises, além de uma aterrorizante besta que caminha pelas trevas da noite, assustando camponeses inocentes.

Até mais gente, bjao!