Confronto de Gerações
DISCLAIMER: Harry Potter e nada que possa ser reconhecido nessa história me pertencem, e sim à genial J.K. Rowling.
SHIPPERS: James/Lily, futuramente Remus/Tonks e implícito Ron/Hermione. Sem Gina, muito obrigada.
RESUMO: A tradicional ideia de volta no tempo, mas esperançosamente com uma diferente abordagem. Aqui, James e Lily estão no começo de uma amizade no início do sétimo ano. Harry Potter viaja no tempo acidentalmente após entrar em contato com um artefato que pertencera a sua mãe, no entanto o que ela queria que fosse mudado no ano de 1977? Como Harry poderia viver sem afetar sua própria linha temporal? Ou, principalmente, será que ele vai querer não alterar nada? A decisão dele afetará todos os rumos da história como nós as conhecemos, já que seu segredo não será mantido por muito tempo e ele será forçado a tomar uma nova atitude. História narrada em terceira pessoa, com pontos de vistas alternados entre Lily e Harry, e eventualmente outro personagem.
SPOILERS: Nesse ponto todo mundo já leu todos os livros, não? Assim, apesar dos eventos acontecerem com Harry no início de seu sexto ano, os spoilers são de todos os sete livros.
NOTA DA AUTORA: Particularmente obcecada por histórias com viagens no tempo, resolvi me arriscar em uma própria para tentar abordar temas que em minha opinião são deixados de lados em outras fanfics desse tipo. Provavelmente estou escrevendo tarde demais e pouquíssimas pessoas irão de fato ler a história que eu quero contar, mas quando os personagens tomam vida própria em sua cabeça, você não tem como não escrever. Espero que gostem e se alguém por acaso resolver ler, comente!
Capítulo 1 – Transferência OU Porque não devemos aceitar presentes de estranhos em tempos de guerra
Lily Evans estava longe de ser uma garota muito paciente. No entanto, enquanto estava sentada na beira do lago por mais de 20 minutos esperando seus colegas, ela não pode deixar de sorrir. A verdade era que ela conhecia os quatro bem demais para idealizar qualquer tipo de pontualidade vinda deles, e depois de tanto tempo de férias ela não podia evitar se sentir levemente nostálgica. Isso era tão típico, tão Hogwarts! E no verão ela sentira falta de qualquer coisa que a lembrasse, mesmo que vagamente, do mundo Bruxo. Com sua irmã obstinada a ignorá-la toda vez que alguma de suas "anormalidades" era citada, ela optou pela paz. Era muito mais fácil se fazer de Trouxa nesses pequenos períodos, conseguindo assim trocar algumas palavras com Petúnia.
A garota não teria sido tão condescendente assim em outros períodos. Ela provavelmente teria feito o contrário, em uma tentativa pífia que sua irmã a aceitasse como ela é. Porém, depois dos desastrosos eventos do ano anterior, Petúnia era a única pessoa que lhe sobrara e Lily estava decidida a não perder o que restou de sua família. Uma vez na vida, ela ouviu o conselho da mãe e, se alguém teria que ceder, esse alguém seria ela.
Lily foi retirada dos seus pensamentos quando um garoto parou na sua frente, segurando fortemente as laterais do corpo, o rosto corado pelo esforço e a respiração entrecortada.
- Quem diria! – Ela ironizou, revirando os olhos enquanto o menino praticamente despencava ao seu lado. – Sirius Black fora de forma?
- Ah, cala boca. – Ele cortou rispidamente, ainda falando com dificuldade. – Queria ver como você estaria depois de ter corrido o trajeto todo da Torre de Astronomia até aqui.
- O que você estava fazendo na Tor... – Lily balançou a cabeça, desistindo de perguntar. Era óbvio que qualquer que fosse a resposta ela não iria gostar e estava um pouco cedo pra discutir com o Maroto. – Enfim, espero que você tenha uma boa desculpa para ter me deixado vinte minutos esperando aqui em baixo, sozinha. Cadê sua gangue, por sinal? É praticamente um milagre te ver sozinho.
- Evans, - Sirius rebateu, ainda respirando com dificuldade, erguendo uma mão para que a menina se calasse – assim que eu voltar ao normal.
Lily riu, deixando que Sirius respirasse profundamente algumas vezes. Quando sua respiração voltou ao normal, ela concluiu que era seguro voltar a perguntar.
- Então?
- Primeiramente, eu não tenho uma gangue. Os três idiotas que eu chamo de amigos tiveram um imprevisto com a Minnie que nem me peça para explicar. Aparentemente envolve um aluno novo e eu fui encarregado de vir até aqui te fazer companhia enquanto eles estão presos por lá.
- Aluno novo? – Lily franziu a sobrancelha. Ela era, ao lado de James, Monitora-Chefe. Qualquer caso extraordinário como uma transferência de última hora deveria ser imediatamente repassada aos dois. Então por que Lupin e Pettigrew? Por Merlin, Pettigrew! – Você o viu? Como ele é? Menina ou menino?
Sirius ergueu uma sobrancelha e voltou a adquirir seu ar naturalmente malicioso agora que não estava mais tendo um colapso por ar.
- Interessada?
- Obviamente. – Lily abriu um largo sorriso antes de revirar os olhos mais uma vez. Era impressionante o quanto ela repetia esse simples gesto quando estava perto de Sirius. Ela o empurrou gentilmente no ombro, fazendo-o rir. Lily não podia negar que sentira falta dele. – Viu ou não viu?
- Nah. – Ele negou com um gesto de mão. Então, se deitou na grama, encarando-a de um jeito muito estranho. E quando ele falou, seu tom era tão assustadoramente sério que fez com que ele parecesse outra pessoa. – Como foram as férias?
- Nem tão ruins, na verdade. Tuney fez um enorme esforço para não entrar no meu caminho, isso poupou muitas brigas.
- Bom. – Ele falou, visivelmente incomodado por ter de tocar em um assunto tão delicado. Sirius Black não era uma pessoa de muito tato ou senso, e falar de assuntos como o primeiro verão de Lily sem os pais provavelmente não era algo que ele queria. Assim, ele ter entrado no tema significava muito para a menina.
Lily sabia que Sirius tinha uma vida familiar bem mais complicada que a dela. No entanto, eles nunca haviam conversado verdadeiramente sobre o assunto, o que a garota entendia perfeitamente. Por muitas vezes ela tentou fazê-lo desabafar, mas James sempre a cortou. Sirius era assim. E esse seu jeito fechado e rebelde não iria mudar tão facilmente.
- E vocês? Espero que a casa dos Potter ainda esteja em pé.
Sirius visivelmente relaxou com a mudança de assunto, abrindo um largo sorriso de quem fez coisa errada.
- Continua em pé. Abalada, mas inteira.
- É, então é verdade o que andam dizendo...
- O quê?
- Você sabe. Sobre os Marotos não serem mais os mesmos e tudo mais.
Sirius se sentou abruptamente, o queixo caindo. Ele então forçou uma cômica cara de ofendido.
- Quem está falando isso? Nós estamos melhores do que nunca, esperem só para ver o que... – Ele balançou a cabeça, antes que mencionasse algo incriminador na frente da menina. – Opa, melhor não falar nada na frente da senhorita certinha.
- Melhor mesmo, Black.
Por alguns minutos, eles ficaram quietos ali. Lily fazendo o dever de Transfiguração, enquanto Sirius apenas encarava o Lago, parecendo entediado. Sirius sempre parecia entediado.
-Lils?
Lily ergueu os olhos de seu pergaminho, hesitante.
- Hm?
- Você sabe que não precisa fazer isso, não é? É o primeiro dia de aula! Não temos Transfiguração até o final da semana.
Lily se sentiu tentada a protestar, quiçá até estimulá-lo a fazer a tarefa ele também. Mas ela sabia que Sirius era tão malditamente bom em Transfiguração que provavelmente faria tudo aquilo em minutos sem nem prestar atenção. Então ela jogou a pena para o lado e suspirou, se sentando de maneira mais confortável. Queria aproveitar um pouco para conversar com Sirius, matar o tempo perdido...
Ok, quem ela estava tentando enganar? Todo mundo sabia o que ela queria perguntar.
- E o James?
Um leve sorriso brincou nos lábios de Sirius, e Lily sabia muito bem a quantidade de frases maliciosas que deviam estar rodando a cabeça dele desde então. No entanto, de uma forma completamente não-Sirius e provavelmente em respeito à recém-adquirida amizade – por mais bizarra que ela fosse – ele apenas falou:
- Está bem. Ele estava morrendo pra descer e te ver antes da McGonagall pará-lo. Patético, se você quer minha opinião.
Lily tentou conter o sorriso, em vão. Ele queria vê-la. Ele estava morrendo para encontrá-la.
- Eu não quero. – Ela riu. Ele deu de ombros, sem nem olhar para a menina. – Espero que eles não demorem.
- Com saudades, Evans?
Sim.
- Não. Só quero poder ir pro Salão Comunal logo, está calor demais isso aqui hoje. – Ela lançou um olhar frustrado para o sol, como se diante de um olhar intimidador ele fosse enfraquecer. Franzindo o cenho, ela continuou. – Por que a gente combinou de se encontrar aqui, primeiramente? O Salão Comunal é tão aconchegante, encantador, fresquinho...!
Sirius revirou os olhos.
- Foi ideia do Prongs. Jogue-o no lago quando ele chegar aqui.
- Tentador. – Lily assentiu, pensativa. – Mas, bem, aí ele se ia refrescar e nós continuaríamos torrando nesse maldito sol. Sério, Sirius, pra que magia se não tem nada que a gente possa fazer pra não morrer queimado?
- Não seja tão dramática, Evans. – Sirius colocou os braços para trás sob a cabeça e fechou os olhos, obviamente nem um pouco incomodado com o calor. – Você sempre pode conjurar uma tenda.
- Conjurar uma tenda, Sirius? Não é como se eu conseguisse conjurar uma coisa desse tamanho. Muito menos você! – Sirius abriu um olho e ergueu a sobrancelha, sugestivamente. E Lily, conhecendo-o como ela o fazia, não pode deixar de pensar que talvez ele realmente conseguisse. Maldito Black e sua inteligência não merecida!
Lily bufou e voltou a pegar seu pergaminho e pena. Era melhor voltar a fazer o dever, enquanto Sirius aparentemente dormia. Por um instante, ela conseguiu realmente se concentrar em Transfiguração.
Por um pequeno instante.
- Hey, Lils. – Lily ergueu a cabeça para encontrar um sorridente James Potter encarando-a. Ela imediatamente colocou seus materiais de lado.
- Hm, oi. – Ela falou, timidamente. Ao seu lado, Sirius parecia totalmente desperto e já estava sentado. James se largou ao lado de Lily, da mesma maneira que Sirius.
- Prongs, - Sirius cumprimentou, acenando a cabeça. Ele parecia imediatamente mil vezes mais descontraído. Lily achava engraçado o efeito que um tinha sobre o outro. – não dava pra demorar mais não?
James lançou-o um sorriso de desculpas e voltou sua atenção para a ruiva.
- Tudo bem, Lily?
- Tudo. – Ela assentiu. – Estaria bem melhor se vocês não tivessem me deixado vinte longos minutos esperando suas ilustres presenças...
- Vinte minutos? Mas... Mas eu... Eu mandei Padfoot atrás de você assim que a McGonagall me parou! – Ele protestou.
- Tive que ir conferir como estava tudo na Torre de Astronomia. – Black explicou.
- Será que eu quero saber o que tem na Torre de Astronomia?
- Não, não, Lils. Muita coisa pro seus ouvidos inocentes. – Sirius deu tapinhas no ombro da garota.
- E deu tudo certo? – James perguntou, olhando apreensivo para o melhor amigo.
- Fala sério, Prongs! Você está falando com Sirius Black, o que poderia dar errado?
- É exatamente essa a minha preocupação. – James implicou. – E Lily, me desculpa, se eu soubesse que o Pads não ia chegar a tempo, eu mesmo tinha vin..
- James, - Lily ergueu uma mão para pará-lo – eu só estava brincando.
James pareceu sem graça. Instintivamente, sua mão correu para seu cabelo. Por alguns minutos, os três ficaram calados, Lily levemente constrangida. Ela odiava o clima que rolava toda vez que ela e James estavam juntos. Eles sempre pareciam embaraçados com alguma coisa, algo pesado no ar. James, principalmente, parecia sempre estar se contendo perto dela, como se quisesse provar alguma coisa, ou tivesse medo de fazer ou falar algo errado. Logo, os tais silêncios entre os dois estavam cada vez mais longos. Porém, nenhum silêncio é longo o suficiente quando você tem Sirius Black na sua vida. Foi ele que o quebrou, mais uma vez. Óbvio.
- Então, essa pessoa transferida. Você a conheceu? Quais as chances dela ser uma gostosa?
Lily revirou os olhos. De novo.
- Bem, mas vejam só, Sirius Black cansou de brincar com os brinquedos de Hogwarts e está atrás do novo brinquedo importado!
- Com ciúmes, Lils? – Sirius brincou. A menina empurrou o ombro dele de leve mais uma vez, quase que de forma carinhosa. – Você sabe que eu sou somente seu, não sabe?
- Óbvio. Por sinal, quem era a última menina que você estava ficando para eu ir dar a notícia que ela já era? "O problema não é você, é ele!". Sério, eu preciso preparar um novo discurso de consolo para confortar a pobre menina.
Sirius adquiriu um ar sério e fez uma cara de fingida gratidão.
- Eu nunca te agradecerei o suficiente por esses momentos, Evans. – Ele falou, solenemente.
James riu, trocando um olhar divertido com Lily, como se dissesse "ele não tem jeito mesmo!"
- Bom, Padfoot, sinto ser eu a te dar a triste notícia, mas nosso novo colega não é uma ela, e sim um ele.
Sirius forçou uma cara de dor que Lily meramente ignorou. Agora ela estava curiosa.
- E você o encontrou?
- Não, Professor Dumbledore só pediu pra gente mostrar Hogwarts para ele e ajudar a enturmá-lo com todo mundo. Aparentemente ele estava preocupado porque o menino vai ficar no nosso dormitório.
- Preocupação válida. – Sirius assentiu furiosamente.
- Ele estava no Salão Comunal. Moony foi buscá-lo para nos encontrar aqui em baixo enquanto eu vim encontrar a Lil– vocês.
- E o Pettigrew? – A garota questionou, fingindo não ter entendido o que ele quase disse.
- Ficou para conversar com a Professora McGonagall sobre aulas particulares em Transfiguração. Você sabe como ele precisa melhorar as notas se quiser mesmo ser Auror.
Lily sorriu, lembrando com carinho do novo amigo. Peter era, infelizmente, o menos brilhante dos Marotos. No entanto, queria seguir os passos dos melhores amigos e se tornar Auror, e estava se esforçando muito para conseguir realizar esse sonho. Lily estava o ajudando desde o ano anterior e o único motivo pelo qual ela não desistia de tentar ensiná-lo alguma coisa era o enorme carinho que ela sentia por ele já que, francamente, o garoto era um pesadelo em Transfiguração. Não que Lily fosse uma gênia na matéria ou algo assim, pelo contrário. Ela o ajudava mais no quesito da confiança e autoestima. Peter era extremamente inseguro e viver na sombra de três amigos brilhantes colaborava muito para isso. Assim, Lily fazia o seu máximo para ajudá-lo do seu jeito, sempre sentindo que tinha uma dívida de gratidão com o garoto. Não só com ele, mas com os quatro Marotos.
Lily nunca foi fã dos quatro, verdade, muito pelo contrário. Na realidade, era uma das poucas pessoas na escola que não beijava o chão que eles pisavam. Hogwarts sempre achou os Marotos sensacionais, por motivos que Lily não entendia ou tentava não enxergar. Determinada a se focar só no lado ruim deles, ela tentou se manter distante. Contudo, essa era uma difícil missão quando todos eram da mesma Casa e do mesmo ano. A convivência era intensa, ela querendo ou não. E mesmo determinada a não ser mais uma fã, ela não podia fingir que não os conhecia. Lily colocou na cabeça que odiava James Potter, por mais que isso não fosse verdade e ódio fosse uma palavra forte demais.
Ódio denota sentimento e Lily não tinha nenhum sentimento pelos quatro. Ou pelo menos era o que ela dizia. Porém, com a rotina, ela foi aos poucos aprendendo a lidar com eles e a tolerá-los. Não dava pra negar que lá pro meio do sexto ano eles já estavam um pouco próximos. Não exatamente amigos, mas colegas que eram civis uns com os outros. E foi exatamente nesse ano que tudo mudou.
Foi no Natal. Justamente no Natal, o quão irônico isso soa? A ruiva não esperava, óbvio que não. Ninguém aguarda uma tragédia, por mais que em tempos de guerra você saiba que a possibilidade de seu mundinho de conto de fadas cair por terra da noite para o dia é alta. No entanto, sempre achamos que essas coisas acontecem com os outros, nunca com a gente. Foi um baque pra Lily. Foi um trauma pra James. E mesmo Sirius, o Sr-Eu-Não-Me-Importo-Com-Nada não conseguiu se fingir de impassível.
Com tudo que aconteceu no meio desse fatídico ano, eles se aproximaram. Os Marotos a ajudaram a passar por tudo como nunca ninguém jamais a ajudara. A convivência era cada vez mais intensa e menos pontual, o carinho de um pelo outro crescia notavelmente e de maneira rápida. Lily finalmente conhecia o que existia naqueles meninos que encantava a todos enquanto eles viram através da fachada de certinha que ela orgulhosamente esbanjava. Lily nunca em sua vida conhecera amigos tão leais, e não havia como não admirar uma relação tão única. Os quatro eram impressionantes, uma cumplicidade e irmandade que ela mal sabia que existia. Sirius e James, principalmente, eram complementos um do outro.
Eles não perceberam quando exatamente viraram amigos. Talvez já estivesse escrito, era o que a menina gostava de pensar, tentando se imaginar em um dos livros que ela tão apaixonadamente lia e relia. O fato é que aconteceu e ela sabia muito bem que o pedido para que os meninos tratassem Lily de forma especial partira de James. Bem, os sentimentos do Maroto por ela eram óbvios há muito tempo, mas ela não se importava quem pedira o quê, e sim o que aquela aproximação aparentemente inofensiva virou. Em tão pouco tempo – os eventos trágicos foram no meio do sexto ano e eles estavam agora no início do sétimo – eles eram uma estranha forma de amigos. James brincava que Lily havia adotado Sirius, Peter e Remus já que ela era sempre tão protetora em relação a eles. Mas a garota no fundo sabia que quem tinha sido adotada fora ela. Afinal, havia sido aceita em um grupo extremamente fechado, e mesmo que ela não fosse e nunca conseguisse ser tão próxima como o quarteto – Merlin, eles pareciam a mesma pessoa! –, surgiu a amizade. Estranha, mas verdadeira. E de amizade – ou melhor, de perca de amizades – ela entendia bem. Lily balançou a cabeça. Não era a hora de pensar em Severus.
Ela ainda tinha suas inseparáveis duas melhores amigas. Mas sempre que ela se cansava de toda aquela aura menininha, ela tinha um grupo diferente a quem recorrer. Um grupo que a cada dia ela gostava mais. Remus com sua paciência, Peter com sua doçura, Sirius com sua alegria e James... Bem, James com tudo que ela podia querer. Quando estava com eles, ela até mesmo se esquecia de toda a tragédia que ela vivera há tão pouco tempo, se esquecia da guerra e de que ela, em sua condição de Nascida Trouxa, era o alvo principal. Lily simplesmente se divertia, isso e mais nada.
- Lily? Você está pelo menos nos ouvindo? – James chamou a atenção da garota, um sorriso brincando no canto dos lábios.
- Não. – Ela confessou, abrindo um leve sorriso para ele. Mais uma vez, ela balançou a cabeça para afastar os pensamentos. – Desculpa, me perdi pensando aqui. No que vocês estavam falando?
- Nada demais, na verdade. Moony já deve estar descendo com o aluno novo.
- É, Lils, pelo visto você vai ter que ficar mais alguns minutos longe do – como é mesmo? – aconchegante, acolhedor e fresco Salão Comunal. – Sirius debochou, com voz de falsete que não se parecia em nada com a da ruiva.
Antes que ela pudesse abrir a boca para retrucar, o som de passos rápidos se aproximando chamou sua atenção. Em alguns segundos, um garoto de cabelos cor de areia estava parado na rodinha deles, com alguém alguns passos atrás.
- Gente, tenho que apresentar vocês ao nosso novo colega. Millert, o de óculos é James Potter, a ruiva é Lily Evans e o babaca com o sorriso idiota é Sirius Black. Gente, esse é Millert. Alex Millert.
Harry James Potter nunca levou uma vida normal. Enfrentar lordes das trevas, bestas malignas, ajudar fugitivos? Rotina. Logo, era óbvio que isso aconteceria com ele. Sinceramente, ele deveria ter esperado. Quando se é Harry Potter qualquer evento improvável não apenas é esperado como de certa ocorrência. Portanto ele fora ingênuo, tendo a inocência de ficar surpreso quando viajou anos no tempo. Agora, pensando melhor, era tão óbvio que ele até se sentiu idiota por não ter esperado. Por não ter se preparado.
Mais uma vez, ele era Harry Potter. Deveria estar na cara que além de viajar indesejadamente no tempo, ele cairia justamente no mesmo ano que seus pais estavam se formando. Sem poder mudar nada, sem poder apontar o traidor, sem poder evitar que eles morressem... Rotina.
Como sempre devemos começar do início, podemos falar com certeza que tudo começou em Hogwarts. Parecia mais uma tranquila e sem eventos terça feira, com algumas aulas entediantes e banquetes mágicos. Harry estava no início do seu sexto ano. E não estava no seu melhor humor.
- Acontece, Ron – Hermione ia explicando, impaciente –, que nem sempre você vai conseguir tudo o que você quer!
- Não com você gorando tudo que eu faç...
- Gorando? Eu só estou–
- Estou subindo para o dormitório, já acabei. – Harry cortou, se levantando da mesa, sem a menor paciência para mais um round da discussão que estava se arrastando há o que pareciam horas. Os dois pararam de se bicar e encararam o menino.
- Mas, Harry, não prec–
- Vejo vocês no Salão Comunal. – Ele cortou mais uma vez. Harry já havia terminado o jantar há muito tempo, e estava esperando os amigos. No entanto, com os dois mais preocupados em se alfinetarem do que comerem, a comida estava quase intocada em seus pratos.
Assim que chegou ao vazio dormitório, Harry se deparou com uma pequena encomenda deixada na sua cama. Edwiges, em sua gaiola, piou alto assim que ele apareceu, como que para comunicar que ela havia sido a mensageira. Harry correu para o seu lado, acariciando levemente suas penas e recebendo carinhosas bicadas no dedo.
- Hey, menina, pensei que você demoraria pra voltar dessa vez. – Ele falou, enchendo sua tigela com ração. – O que temos aqui?
Harry sentou em sua cama, analisando a encomenda. Era uma pequena caixinha com um embrulho vermelho e dourado. Em cima, uma carta endereçada a ele. Confuso, Harry desenrolou o pergaminho para encontrar uma caligrafia fina e delicada.
Harry,
Você não me conhece, mas eu te conheço mais do que você pode imaginar. Sua mãe deixou essa garrafinha comigo antes de tudo acontecer. Ela estava a estudando escondido, e eu acabei encarregada de esconder antes que o Ministério descobrisse que ela estava na posse de um desses. Fiquei sem saber o que fazer com isso – eu obviamente não poderia entregar para o Ministro!
Achei que era hora de devolver para o dono legal. Eu honestamente não tenho a menor ideia do que seja e nunca mexi nele como sua mãe mandou – e também o fato da tampa queimar quem o toca contribuiu para isso! – , mas Lily sempre parecia tão empolgada quando falava dessa coisa! Bem, melhor com o filho dela do que no fundo da minha gaveta, não?
Espero que você esteja bem. E me perdoe.
Com muito carinho,
L.R.P.
Com uma exclamação de empolgação, Harry correu para desembrulhar a caixinha, sem nem mesmo pensar. Era da sua mãe! Finalmente ele tinha alguma coisa que pertenceu a ela! Rapidamente, ele rasgou o embrulho e o jogou para o lado. Era irracional, ele sabia, mas ter algo que pertenceu a Lily Potter provava que ela existira, que suas mãos tocaram aquele objeto, que ele um dia foi dela...
O que tinha lá dentro foi levemente frustrante. Era uma delicada garrafa de vidro, cheia do que parecia ser areia. A tampa era uma pedra negra com sombras vermelhas. No mais, parecia um simples enfeite sem nenhuma utilidade.
- Mas o que...
Harry analisou a garrafa de todos os ângulos possíveis, sem encontrar uma explicação do porque sua mãe a estudaria escondida, e do porque ela pediria para uma – amiga? – esconder.
O garoto então começou a questionar a veracidade de tudo aquilo. Uma voz muito parecida com a de Hermione começou a salientar a irresponsabilidade de abrir uma encomenda de remetente desconhecido em tempos como aquele, ainda mais com Voldemort atrás dele. Poderia muito bem ser algum tipo de Portal, ou algum objeto amaldiçoado... Ou então podia ser uma grande brincadeira. Seria essa a ideia de alguém de uma grande piada? Mandar uma carta com um pertence que supostamente era de sua mãe morta? E quem infernos seria L.R.P.? Sirius nunca mencionara...
Não. Harry cortou seus pensamentos antes que eles chegassem de fato a Sirius. Ainda estava muito recente. Suspirando profundamente para esvaziar sua cabeça de pensamentos dolorosos, ele pegou de volta o pergaminho e começou a reler, absorvendo o significado de cada palavra. Eu te conheço mais do que você pode imaginar? Me perdoe? O que diabos isso queria dizer?
O garoto decidiu que no outro dia mandaria uma carta para a misteriosa – pelo menos ele achava que era mulher – L.R.P. cobrando mais explicações. Por que só agora ela fizera contato? Por que pedir desculpas agora?
Se o objeto estivesse recheado de Artes das Trevas, era tarde demais. Harry já havia sido sem cautela o suficiente para tocá-lo e, se fosse envenenado, ele já estaria contaminado. Ele balançou a cabeça, frustrado com sua própria burrice. O que Hermione diria ao ver o quão irracional ele fora?
Mas... Nada havia explodido por enquanto. Ele ainda não caiu duro. Nem foi transportado para lugar nenhum. E se fosse verdade? E se aquela estranha e delicada garrafa tivesse mesmo pertencido à sua mãe? Harry tentou se convencer que era perigoso, que não fazia sentido, que ele estava apenas acreditando que a carta era mesmo um presente porque era o que ele queria acreditar. Ele queria ter algo que fora de sua mãe, ele queria ter mais alguém com quem falar de seus pais...
Ele sabia que estava derrotado. Sentia a confiança encher seu corpo e soube que era tarde demais para ser precavido. Harry pegou a garrafinha na sua mão, rodando-a, pateticamente pensando que um dia Lily Potter tocara ali também, seus dedos roçaram a mesma rota que os dele. Foi então que, hesitante, ele tocou a tampa pela primeira vez, antevendo a sensação de queimadura que L.R.P. narrara. No entanto, a única sensação foi a do gelo da pedra, com as sombras vermelhas brilhando levemente como se reconhecendo seu toque. E então, do nada, a pedra saltou para frente, atingindo com força o peito do garoto. Assustado com o movimento repentino, Harry deu involuntários dois passos para trás, trombando com a cama atrás de si nesse trajeto, caindo sentado, soltando a garrafinha no processo. Com horror, ele viu o objeto sagrado de sua mãe – teoria ainda em análise – correr em encontro ao chão, seus reflexos de Apanhador deixados de lado pelo susto.
Quando a garrafa tocou o chão, um barulho extremamente alto e inapropriado para um objeto tão pequeno foi emitido. Chocado, Harry observou a pequena quantidade de areia da garrafa se multiplicar, formando uma intensa neblina que cobriu toda a área a sua volta.
Harry tentou respirar, tentou enxergar, mas era impossível. Sentindo que tudo a sua volta rodava, uma sensação ainda mais bizarra porque seus órgãos pareciam rodar juntos, ele começou a perder a noção de tempo e espaço. Inspirando profundamente em uma busca desesperada por ar, sentiu areia encher seus pulmões. Os grãos pareciam continuar se multiplicando dentro dele, a um ponto em que sua caixa torácica não aguentava mais a pressão. Ele tentou manter os olhos abertos, ignorando a areia em seus olhos, mas tudo o que ele via era poeira, neblina, uma espessa fumaça branca. O chão aos seus pés parecia ter sumido e o garoto só não achava que estava caindo porque também tinha a intensa sensação de estar sendo jogado para todos os lados, inclusive para cima.
Aos poucos, sua visão foi escurecendo e ele lutou para manter a consciência, ignorando a dor no pulmão e a sensação de coceira em cada centímetro de seu corpo, bem como o pânico crescente e o gelo na espinha. Harry começou a achar que estava ficando doido quando ouviu uma voz doce sussurrar em sua cabeça. Uma voz que ele conhecia muito bem.
"1977... 1977... 1977... Hogwarts... Dumbledore... 1977... 1977... 1977..."
Ele não conseguia deixar de escutar a voz em ciclos no fundo de sua mente, como uma cantiga de ninar fantasmagórica. Sem tempo para analisar o que estava acontecendo, ele começou a ouvir vozes ao fundo gritando seu nome. E a partir daí ele não soube de mais nada.
Harry retomou sua consciência tempos depois, sem saber se haviam se passado segundos ou horas. Assim que abriu os olhos, ele nem tentou se localizar – apenas se curvou sobre o próprio corpo, as mãos correndo para o peito enquanto ele tossia de uma maneira forte e dolorosa. Sua cabeça pendeu para o lado e a tosse incessante se intensificou. Seu corpo, no entanto, não doía mais e aos poucos seu pulmão parecia se esvaziar. Era como se a maldita areia sumisse na mesma velocidade com que se multiplicara.
Ainda retorcido no chão, Harry respirou profundamente, satisfeito ao sentir que o ar finalmente voltara a entrar em seu corpo. Por alguns segundos, apenas apreciou a sensação do ar lentamente entrando, preenchendo cada centímetro dentro dele, sabendo que nunca havia valorizado esse ato tão natural o suficiente até quase perdê-lo. Ele então afastou a mão da boca, aliviado, para encontrá-la coberta com uma fina areia clara e um pouco de sangue. Enquanto a encarava, ela foi aos poucos diminuindo, até não restar mais nada além do vermelho vibrante.
Com a respiração ainda entrecortada, o garoto se largou no chão, sentindo cada um de seus músculos relaxando lentamente. Antes de fechar os olhos e perder a consciência mais uma vez, ele finalmente teve um vislumbre do lugar em que estava. Rapidamente reconheceu a sala de Dumbledore, que ele já frequentara infinitas vezes. A última coisa que ele viu antes de tudo ficar preto foi o próprio Diretor, com a varinha apontada diretamente para a sua cabeça.
Abriu os olhos. Piscando furiosamente, eles não se focavam em nada que não fosse a forte luz branca, cegando-o. Harry fechou-os por mais alguns segundos, até conseguir focá-los outra vez. Estava na Enfermaria.
- Finalmente! – Uma voz soou aliviada, acompanhada de um suspiro. Uma voz muito conhecida. – Que bom ver seus olhos finalmente abertos! Um belo susto o senhor nos deu.
- Madame Pomfrey? – Questionou, hesitante, sua voz um tanto quanto rouca. A mulher que ele agora encarava era sem dúvidas a enfermeira, com apenas o cabelo levemente mais escuro e um rosto menos marcado. Balançou a cabeça, tentando pensar direito, ainda tonto pelos eventos recentes. Os últimos acontecimentos eram apenas flashes e borrões e sua única certeza era a de uma maldita areia assassina estava envolvida.
- Sim. – Ela confirmou, assentindo levemente, com as sobrancelhas franzidas. Virou uma poção espessa e gelada na garganta do garoto, sem muita cerimônia. – Engula isso, vai ajudar a dor. Você tem muito a explicar, moçinho.
- O que... O que aconteceu? Como eu vim parar aqui?
A enfermeira momentaneamente o ignorou, despejando várias outras poções pela boca do menino, cada uma com um gosto pior que o outro. Harry obedientemente as tomou, reprimindo qualquer careta, satisfeito que as dores haviam praticamente sumido.
- Esses adolescentes estão cada vez piores! – Ela resmungava para si mesma, mas em voz audível. – Não satisfeitos em arriscarem a vida mais vezes do que seria humanamente aceitável em uma vassoura em altíssima velocidade e de entrarem em duelos que não são seus, eles enfiam quilos de areia no pulmão!
- Não foi proposital, sabe. – Ele argumentou, entre uma poção e outra.
- Como você está se sentindo? Alguma coisa ainda dói?
- Estou perfeito, - ela lhe lançou um olhar de descrença – sério. O que quer que tenha acontecido foi embora tão rápido quanto chegou.
- Devo confessar que você me deu um belo susto, rapaz. Chegar aqui na Enfermaria carregado pelo próprio Diretor e tossindo areia e sangue... Eu nunca vi isso em toda a minha carreira como enfermeira. Por um momento eu pensei que era mais uma das armações de James Potter – Merlin sabe que eu já tive trabalho suficiente por esse aí equivalente a uma vida toda! – mas Black não estava por perto, e logo vi que você não era o Sr. Potter–
Madame Pomfrey parou no meio de seu discurso ao encontrar o olhar confuso de Harry. O que ela estava falando? James Potter? O que o pai do Harry tinha a ver com tudo isso? E desde quando ela não sabia reconhecê-lo? Ele provavelmente já estivera mais vezes na Enfermaria que qualquer aluno de Hogwarts!
Tinha algo muito errado e as palavras da Enfermeira o sacudiram para a realidade. Aos poucos as poções faziam efeito e a confusão e tontura de minutos atrás estava cessando. Ele conseguia, finalmente, pensar com clareza.
Assim, percebeu que a Ala Hospitalar não era exatamente a mesma que ele conhecia. Eram pequenos detalhes, como as cortinas de outra cor e mesinhas de cabeceira de um material diferente, mas existiam. Madame Pomfrey também estava visivelmente mais nova, com trajes diferentes e um corte de cabelo inadequado para os anos 90. E o confundindo com James Potter, ainda por cima.
Ou o mundo estava louco ou Harry estava.
- O que foi? – Ela perguntou, correndo as mãos pelo peito do garoto, a face contorcida de preocupação. – Ainda tem algo te incomodando? Doendo? Sagrando?
Harry apenas abanou a cabeça, perplexo demais para falar. Tentou se concentrar no que havia acontecido antes dele parar ali, apesar da memória ainda borrada. Flashes de um pergaminho, uma garrafinha com areia, vidro se quebrando, uma névoa o encobrindo e dor, muita dor. Faltava alguma coisa muito importante.
A porta se abriu abruptamente, tirando o bruxo de seus devaneios.
- Professor Dumbledore! – Harry quase pulou da cama ao reconhecer o rosto familiar, apesar de um pouco mais jovem, mas Madame Pomfrey tratou de empurrá-lo de volta, reprovadora.
- Diretor, esse paciente precisa descansar. Eu devo insistir que o senhor o interrogue mais tarde.
- Entendo perfeitamente, Poppy, mas creio que temos um caso extraordinário em nossas mãos que deve ser resolvido o mais rápido possível.
- Diretor...! – A mulher insistiu, claramente transtornada.
- Em menos de vinte minutos ele ficará totalmente aos seus cuidados e sem mais interrupções, no entanto no momento temos assuntos sérios a discutir.
Harry observou quase que de forma divertida a Curandeira virar as costas, erguendo os braços em sinal de derrota, e sair da Enfermaria com os lábios pressionados firmemente um contra o outro, claramente se esforçando para não dizer o que pensava sobre a situação. Por um breve minuto, Harry se sentiu em casa de novo, admirando a familiaridade do ocorrido, deixando seus pensamentos irem para longe da estranheza na qual ele se encontrava. Rapidamente, no entanto, Dumbledore estava ao lado dele, olhando-o com uma feição composta de profunda calma, apesar do intenso brilho nos seus olhos trair tal máscara.
- Senhor, - Harry começou, sem saber direito o que deveria falar. Por que infernos o senhor parece tão mais saudável? Qual foi a da redecoração da Ala Hospitalar? Como eu vim parar aqui? Como toda aquela areia surgiu nos meus pulmões? Nenhuma parecia uma pergunta apropriada. – o que... O que está acontecendo?
- Essa era um pergunta que esperava que o senhor pudesse me responder, Sr...?
- Potter. – Harry completou, atônito com a dúvida nos olhos do Diretor. Por mais que soubesse que tinha algo muito errado, tal realidade estranha não parava de surpreendê-lo. Em um momento ele estava no dormitório e tudo estava normal. No outro – e ele ainda não conseguia se lembrar direito –, surgia uma garrafa, muita areia, poeira e como mágica ele estava na em uma Ala Hospitalar obviamente diferente, com uma Madame Pomfrey com um corte de cabelo ridículo e um Professor Dumbledore que não sabia quem ele era.
Em um mundo normal, Harry pensaria que estava louco, ou que era tudo um sonho bizarro. Ele jamais cogitaria estar em um universo paralelo porque coisas assim não existem. Todavia, desde os onze anos o menino descobrira que tudo no mundo da magia recém-descoberta era possível. Vassouras voadoras, duendes, centauros, viagens no tempo, fantasmas? Fatos. Então a possibilidade de universo paralelo não era tão descartável.
- Sr. Potter. – Dumbledore parou de falar, agora encarando o garoto de cima a baixo. Desconfortável, Harry cruzou as mãos sobre o peito, contorcendo-as de maneira nervosa. – Como o senhor veio parar aqui? Como surgiu na minha sala? É de conhecimento geral que é impossível aparatar ou desaparatar em Hogwarts.
Harry abriu um sorriso sem humor com a familiar frase. Por um momento, ele quase esperou que Hermione surgisse ao seu lado, revirando os olhos, "Por favor, será que eu sou a única pessoa aqui que li Hogwarts, Uma História?".
- Eu não me lembro muito bem, Professor. – Harry admitiu, tentando afastar seus pensamentos de qualquer outro assunto. – Eu só tenho alguns flashes na minha cabeça quando eu tento pensar.
- E quais seriam esses flashes? – O Diretor insistiu educadamente.
- Eu estava no meu Dormitório quando eu recebi uma carta e uma garrafa de vidro. – Ele explicou, encarando o nada de maneira pensativa. Franziu o cenho ao tentar lembrar de alguma coisa de forma detalhada. Nada. – E de repente a garrafinha se quebrou e eu fui cercado por uma grande fumaça de areia que entrou pelo meu nariz e eu não conseguia mais respirar. Todo o meu corpo estava doendo. Então a fumaça baixou e eu estava na sua sala, tossindo sangue. E você... Você estava apontando a varinha para mim?
Harry franziu o cenho de maneira mais intensa enquanto a lembrança penetrava sua mente, voltando seu olhar para o Diretor a sua esquerda de maneira questionadora. Ele estava lembrando corretamente?
- De fato, Sr. Potter. Peço perdão pela minha indelicadeza, mas não é todo dia que um jovem coberto de areia surge em minha sala aparentemente do nada. Tive que tomar devidas precauções caso você se revelasse uma ameaça.
Dumbledore abriu um sorriso para o garoto. Harry quase riu de volta, mas de maneira seca. Era praticamente cômico Dumbledore considerar Harry Potter uma possível ameaça.
- Sem problemas. – Ele murmurou, sem convicção. – Eu entendo. Vigilância constante e tudo mais.
Alguma coisa brilhou nos olhos de Dumbledore e ele demorou um pouco para retomar sua feição serena.
- Mais algum flash?
- Não realmente. Aí eu acordei aqui, em um mundo diferente do meu e realmente não tenho a menor ideia do que aconteceu. O senhor tem?
O Diretor não reagiu por alguns segundos, preso em seus próprios pensamentos. Suspirou.
- Temo que não, Sr. Potter.
Harry soltou o ar que ele nem sabia que estava segurando, desapontado. Estava acostumado a Dumbledore ter as respostas para todas as suas perguntas, bem como solução para todos os seus problemas. Quando nem mesmo Dumbledore sabia o que estava acontecendo... Bem, era no mínimo frustrante.
- Brilhante. – Ele ironizou, entre dentes cerrados. – Totalmente brilhante.
- Quais são as diferenças entre esse mundo e o seu, Sr. Potter?
- Harry. – O menino corrigiu, enfim não aguentando mais, completamente incomodado de ter seu mentor tratando-o de maneira tão formal.
- Harry. – O homem aceitou, com um leve aceno.
- Bom, professor, primeiramente o senhor me conhece, e muito bem por sinal. A Ala Hospitalar é um pouco diferente, a Madame Pomfrey tem um cabelo mais, digamos, adequado. E você parece menos saudável.
- Harry, - ele continuou questionando, em profunda análise – de quem era a carta que te enviou a garrafa, você se lembra?
Ele não respondeu de imediato, sua mente se focando em tudo que ele conseguia se lembrar do ocorrido. Uma garrafa pequena e delicada de vidro, cheia de areia e uma pedra como tampa... A pedra saltando e atingindo seu peito... Uma sensação de medo de tudo ter sido uma armação, de ser algum tipo de tramoia de Comensais, como a aconteceu com...
Não, ele não ia pensar no Sirius. Não agora em um momento tão importante, não quando ele precisava se focar.
Tentando retomar a linha de pensamentos, ele voltou a lembrar da sensação de medo que o tomou quando toda aquela areia o cercou. Era uma armação e ele caíra facilmente. Não era um presente de uma antiga amiga da sua mãe, e sim um objeto completo de Artes das Trevas enviados por... Opa.
- Uma amiga da minha mãe! – Ele quase gritou, se voltando para Dumbledore. – A carta dizia que o objeto havia sido da minha mãe e que ela estava me devolvendo!
Imagens jorravam na cabeça de Harry agora que ele havia desvendado um pedaço, como se esse detalhe fosse a chave que faltava para o desenrolar da memória. Ele podia praticamente sentir o toque gélido da garrafa em suas mãos, ou a sensação sufocante de areia expandindo em seus pulmões... Podia ouvir a voz fantasmagórica, que parecia ser a de sua mãe, cantar baixinho no fundo da sua mente "1977... 1977... 1977... Hogwarts... Dumbledore... 1977... 1977... 1977...".
Merda.
Se Harry não estivesse deitado, ele provavelmente teria caído. Seu queixo tombou, os olhos arregalaram e mil pensamentos e possibilidades brotaram em sua cabeça. Merda. Merda. Merda. Merda. Será? Será possível? Será?
Enquanto a cabeça de Harry rodava, Dumbledore – inconsciente do fato de que seu mais novo hóspede estava tendo um colapso mental – perguntou:
- Quem é sua mãe? E, se você não se importa que eu pergunte, de que maneira eu sou diferente do seu Dumbledore?
Harry voltou sua cabeça para o Diretor, sem de fato vê-lo. "Por um momento eu pensei que era mais uma das armações de James Potter – Merlin sabe que eu já tive trabalho suficiente por esse aí equivalente a uma vida toda! – mas Black não estava por perto, e logo vi que você não era o Sr. Potter–". A voz de Madame Pomfrey ressonava em sua orelha.
- O senhor é mais novo. – Ele sussurrou, falando pausadamente e com muito dificuldade agora que tudo fazia sentido. – E minha mãe... É Lily Potter. Lily Evans Potter.
Se Dumbledore se surpreendeu com a bomba soltada pelo menino a sua frente, não deixou transparecer. O Diretor apenas juntou as mãos na frente do corpo, ainda parecendo pensativo, mas com o habitual brilho dos olhos mais intenso do que nunca.
- Entendo. – Ele falou, finalmente.
- Estamos em 1977. – Não era uma pergunta.
- De fato.
- Eu viajei no tempo.
- Aparentemente.
Merda.
- O senhor acredita em mim? – Harry voltou a se recompor, retornando os olhos para a proporção normal e fechando a boca.
- De que ano você vem, Harry? – A resposta para a pergunta de Harry estava implícita.
- 1997, senhor. – A garganta do menino estava seca, então ele tentou limpá-la algumas vezes antes de repetir. – 1997. Meus... Meus pais estão aqui?
Enfim Harry perguntou o que o estava consumindo. Com rápidos cálculos mentais, ele havia chegado a essa conclusão, mas não podia evitar a necessidade de uma confirmação. Seus olhos urgentemente procuraram os azuis do homem, quase que em desespero.
- Lily Evans, como disse, e James Potter, assumo? – Harry apenas acenou, incapaz de formular mais frases. – Sim. O Expresso chegou ontem à noite. Esse é o último ano dos dois. São nossos Monitores Chefes e têm personalidades bastante peculiares, como você deve saber bem.
Ou não, ele pensou.
- E-e... E Sirius? Sirius Black? – Era uma pergunta idiota. A resposta óbvia. No entanto, ele não podia deixar de perguntar, sentindo um aperto forte no coração. – Está aqui também? Em Hogwarts?
- Você não vê James Potter sem Sirius Black, vê? – Dumbledore pareceu divertido. – Sim, Sirius Black está aqui. Provavelmente causando algum tipo de problema nesse exato momento em que conversamos.
Harry sentiu um enorme sorriso tomar seu rosto. Naquele instante, esqueceu-se de todos os problemas e perigos de viagem no tempo, esqueceu-se de todas as recomendações de Hermione na última vez que isso aconteceu, esqueceu-se de qualquer medo, receio, ou de qualquer outro sentimento que não fosse a mais pura alegria.
Harry estava em um tempo em que Sirius ainda estava vivo. Em que Lily e James Potter ainda não haviam morrido para salvar seu filho. Eles existiam. E estavam assim tão perto dele! Um enorme formigamento subiu todo o seu corpo, e ele teve que conter seu impulso de levantar agora mesmo e ir atrás dos três. Dumbledore, como que vendo através dele, colocou uma mão gentilmente em seu ombro, e pressionou-o para baixo, em um silencioso pedido de contensão.
- Harry. – Seu tom agora estava sério, mais sério do que Harry já havia ouvido em toda sua vida. – Eu não sei se você entende a gravidade e delicadeza da situação em que se encontra. Viagem no tempo não é somente raro como muitas vezes catastrófica. Sua mera presença aqui já pode ter afetado todo o futuro como você conhece. Precisamos encontrar um jeito de te mandar para o seu tempo antes que mais danos sejam causados.
- Mas senhor, até onde eu sei o tempo acontece em ciclos. Existe a possibilidade do meu tempo só existir da maneira que existe devido a minha viagem no tempo, não?
- É uma possibilidade extremamente remota. – Dumbledore respondeu. – Viagens com Vira-Tempo a curto prazo em um período em que o viajante já exista funciona sim de maneira cíclica. No entanto, temo que viagens de tão longo alcance fora do seu período de vida não sejam tão simples assim. Infelizmente, agora não é a hora de discutirmos teorias sobre viagens no tempo já que isso evidentemente nos tomaria muito tempo e não acho que Madame Pomfrey ficaria muito feliz. É melhor que você termine de se recuperar, Harry, e digira toda essa nova realidade antes que decidamos o que faremos daqui pra frente. Assim que se sentir pronto, estarei te esperando na minha sala. Sendo filho de James Potter creio que saberá de maneiras discretas para chegar até lá sem ser visto?
Harry abriu um enorme sorriso antes de assentir.
- Sei de uma passagem secreta ou duas. – Ele concordou, rindo.
- Era o que eu temia. – Dumbledore começou a se afastar. Na porta, ele se virou para encarar o garoto. – Você é uma cópia fiel do seu pai. Mas os olhos...
- São iguais o da minha mãe. É, eu escuto isso o tempo todo. – Dumbledore começou a se afastar novamente. – Professor?
- Sim? – Mais uma vez, ele se virou para encarar o viajante, a mão na maçaneta.
- Eu notei que o senhor não se assustou quando eu disse quem eram os meus pais. Mas as pessoas me dizem que eles não se davam muito bem na escola...?
- E o que é o ódio além de um estágio de amor? – Dumbledore questionou, piscando para ele. – Lily Evans pode ter acreditado que odiava James Potter em algum instante de sua vida, porém a mim sempre ficou claro quais eram os reais sentimentos e eles não carregavam tanta animosidade assim, posso te garantir. Era evidentemente uma questão de tempo.
- Mas eles... Eles ainda se odeiam então? – Harry perguntou, brincando miseravelmente com um fio solto do edredom que o cobria.
- Não. Desde o ano passado que os dois são bons amigos. – O Diretor contou. – Não se preocupe muito, Harry. Tudo vai dar certo, eu posso te garantir. Vou pessoalmente trabalhar para que seu presente seja mantido.
E com isso ele foi embora, deixando um Harry levemente tonto para trás. A questão é: será que ele queria que seu presente fosse mantido? Ou será que havia um propósito bem maior no fato dele estar ali em tal período temporal?
Harry se aconchegou melhor no travesseio atrás dele, fechando os olhos. No mesmo momento, Madame Pomfrey correu em sua direção, claramente incomodada por ter deixado seu paciente tanto tempo sem cuidados.
- Francamente, - ela resmungou, enquanto rapidamente derramava mais uma viscosa poção na boca de Harry – você pensaria que quando uma criança aparece em estado crítico com severas lesões nos órgãos internos, sua saúde seria prioridade. Mas obviamente que sempre podemos deixar os cuidados emergenciais para depois, quem se importa com os riscos?
Harry se esforçou para exprimir uma risada e não uma careta. A poção desceu com protestos até seu estomago, deixando um rastro gelado por onde passava, e não foi fácil fazê-la permanecer ali.
- Ainda tem muito que ser feito? – Ele questionou, seu humor caindo um pouco. Ele mal via a hora de sair dali, resolver tudo o que estava pendente e encontrar Sirius e seus pais. O coração dele praticamente saltou em seu peito com o pensamento. Era verdade, não era um sonho. Ele ia conhecer seus pais!
- A maior parte das lesões foram resolvidas assim que você chegou aqui. – Ela informou, agora lhe lançando um bizarro feitiço que fazia seu corpo emitir uma luz fraca, um pouco mais intensa na região do peito e do estômago. A enfermeira analisou-as profundamente antes de bufar em frustração. – O que eu estou tentando entender é o que exatamente aconteceu. De alguma maneira estranha, a areia que ainda restava no seu corpo desapareceu como se nunca tivesse existido.
- Isso é bom, não? – Harry finalmente voltou a abrir os olhos, a encarando esperançoso. – Não importa o que aconteceu, agora que foi embora não temos mais com o que nos preocupar. Na verdade, acho que já posso até mesmo ir embora, estou me sentindo melhor do que em anos...
- Não tão rápido, moçinho. – Ela reprovou, balançando a cabeça. – Você está se sentindo bem porque eu te dei todas as poções contra dor disponíveis, mas não temos garantia que o problema não vai voltar e te machucar mais. Então trate de descansar mais um pouco enquanto eu faço alguns últimos check-ups.
Harry não protestou. Pelo contrário, voltou a se acomodar melhor na cama, respirando pausadamente em uma inútil tentativa de acalmar seu coração. Seus pensamentos vagavam pelo castelo, completamente cientes de que, em algum lugar ali, Lily e James existiam, respiravam, viviam... Provavelmente ao lado deles, estava Sirius, sem um olhar assombrado, sem tristeza... O choque de estar no passado em um mundo anterior ao seu não o assombrava, nem o instigava. Ele só conseguia se focar nessas três pessoas, e no quanto elas deveriam estar felizes e despreocupadas, sem saber o inferno que se tornariam suas vidas.
A possibilidade de conhecer seus pais inebriava Harry, e seus sentimentos eram inexplicáveis e intensos. Nunca em sua vida ele pensou ser capaz de sentir tal mistura de sensações, que passava pela mais pura felicidade até a mais completa tristeza, encontrava o medo, a angústia e a empolgação. Eram sentimentos tão confusos que ele não sabia com qual lidar no momento, encontrando-se em um estado de estupor e negação. Ele não conseguia acreditar que realmente estava no passado, que tudo isso estava acontecendo de verdade e não era apenas um sonho incrivelmente realista.
Harry sabia que havia questões sérias que deveriam ser refletidas. A postura que ele teria que tomar, o conflito entre o que era o certo e o que ele queria, bem como entender o que de fato ele desejava fazer, eram questões pertinentes mas que em nenhum momento desde que Dumbledore saíra ele refletiu. Não podia se culpar por isso, no entanto. Dê a um órfão a oportunidade de viver as historias que são contadas sobre seus pais e veja se ele conseguirá sequer pensar em outra coisa além disso. É impossível.
É óbvio que os James e Lily não eram os pais de Harry. Eram, por enquanto, apenas dois adolescentes. Não haviam casado, esperado ansiosamente nove meses antes de o bebê nascer, não o ensinaram a andar e a falar, não o alimentaram e o vestiram, não morreram por ele, não o amaram. Estavam em um estado anterior a isso. Não eram os dois corajosos adultos que viriam a se tornar os pais de Harry. Mas eram James e Lily, mesmo assim. Ele sabia que a oportunidade de ter seus pais de verdade jamais existiria, e a isso ele sempre teria Voldemort para culpar. Mesmo que um milagre ocorresse e, no tempo presente, os dois ressuscitassem, nada seria como deveria ter sido. Harry nunca teria a possibilidade de crescer e amadurecer com os dois ao seu lado, ensinando-o o certo a ser feito, ajudando-o com todos os seus problemas, conhecendo-o mais do que ele mesmo... Tal relação cotidiana jamais existiria. No entanto, ele não podia desperdiçar a chance de conhecer não seus pais, mas quem eles foram. Harry estava cansado de ouvir historias sobre eles – era hora de vivê-las.
Quando Madame Pomfrey liberou Harry para visitar o Diretor cerca de duas horas depois, ele não havia conseguido colar os olhos. Sua mente estava em óbvio frenesi, e mesmo quando ele tentou descansar por alguns minutos, não foi capaz de se desligar. Assim, quando Harry chegou na sala de Dumbledore, ele não havia "digerido" a situação nem descansado como havia sido indicado. E quando se sentou na cadeira de frente para ele, tinha um enorme sorriso no rosto.
- Então, professor? – Ele questionou, quando o homem não fez a menor menção de que iria iniciar a conversa.
- Harry, eu vou ser sincero com você. No momento, não existem possibilidades viáveis para te retornar ao seu tempo correto. Você já foi apresentado ao conceito de vira tempo? – Diante do aceno de cabeça de Harry, continuou: - Pois bem, vira-tempos só realizam viagens para um passado próximo no seu período de vida, e devem ser compensadas vivendo a mesma quantidade de horas que você voltou. Nessas viagens, é essencial que você não seja visto para que não ocorra nenhuma tragédia. Grandes desastres já aconteceram com pessoas que mexeram com o tempo, e não queremos repetir tais experiências.
- Me desculpe, professor, mas por que tratarmos de vira-tempo se não poderemos usá-lo para me voltar para casa?
- Os efeitos são relativamente os mesmos. Apesar de vivermos em um mundo de magia, o tempo continua sendo nossa maior incógnita, e o mais perto que chegamos de dominá-lo foi através do vira-tempo.
- Resumindo, - Harry falou, com impaciência. – você não tem a menor ideia de como eu posso voltar para 1997?
- Mais grave do que isso, eu temo. Com a sua simples presença aqui, não podemos descartar a possibilidade que o seu ano de 1997 nem sequer exista mais como você o conhece.
- Não exist... O-o quê? – Não podia ser verdade, podia? Será que as consequências podiam ser assim, tão drásticas?
- Não se preocupe tanto, é apenas uma teoria. – O tom era encorajador, porém Dumbledore se levantara e andava em círculos pelo recinto, claramente preocupado.
- Mas tendo em vista que suas teorias normalmente estarem corretas, eu tenho muito com o que me preocupar. – A frase soou quase que irônica. Harry tentou empurrar o pânico para o plano de fundo e se focar no presente. – Eu não posso ter afetado tanto assim, posso? Eu ainda nem mesmo encontrei ninguém... E se o tempo for mesmo cíclico, 1997 como eu conheço só existe porque eu estive no passado.
Sua cabeça estava dando nó. O conceito de tempo já era em si bastante complicado. Quando associado ao seu manuseio, era pior ainda. O pior de tudo é que não havia recorrências para as quais eles pudessem se voltar. Era, provavelmente, um caso único e tudo seria baseado em teorias.
Dumbledore não respondeu de imediato. Aproximou-se da janela e observou os jardins de Hogwarts abaixo.
- Não podemos ter certeza de nada. – Ele falou finalmente, se voltando para Harry. – Uma pequena mudança no passado pode significar enormes problemas no futuro, é muito imprevisível. No entanto, não temos o que fazer. Você está aqui e não sabemos como te mandar de volta – se é que é possível. O que podemos fazer por agora é lidar com isso.
- Então basicamente eu estou preso no passado?
- Basicamente. – Ele concordou. Diante do pânico nos olhos do garoto, todavia, ele continuou. – Porém, se existiu uma maneira de te mandar para cá, existe uma maneira de te levar de volta. Nós só precisamos descobrir. Você tem a minha palavra que eu vou dar o meu máximo para conseguirmos isso.
Harry acenou, abaixando a cabeça. Sentiu-se um pouco mais tranquilo com as palavras do Diretor, mas não completamente. Quando voltou a encontrar o seu olhar, perguntou:
- O que faremos então? Enquanto eu tiver que ficar aqui?
- Você tem duas possibilidades. – Dumbledore voltou a se sentar em sua cadeira, juntando as mãos na frente do rosto e encarando o viajante por cima de seus óculos de meia-lua. – A primeira é ir para longe. Ficar talvez hospedado em Hogsmeade, sem interferir na rotina desse tempo e longe de qualquer tentação para mudar o futuro.
Parecia uma decisão racional. Contudo, não sabiam quanto tempo demoraria até que encontrassem uma solução. Por quanto tempo Harry aguentaria uma vida de isolamento? Um ano? Dois? Uma década? Um arrepio subiu sua espinha. Quanto tempo ficarei longe do Ron e da Hermione? A linha de raciocínio do Diretor parecia ser a mesma porque ele acenou, como se soubesse exatamente o que Harry estava pensando. Bem, o menino pensou, talvez ele soubesse.
- O problema dessa alternativa são os perigos de ter alguém com tanto conhecimento sobre o futuro desprotegido. Você pode imaginar o estrago que informações privilegiadas como as suas causaria nas mãos de Voldemort?
Seria um completo desastre, com toda certeza. A melhor alternativa era...
- Tenho que ficar em Hogwarts, então. Não podemos arriscar. Eu sei que eu não devo contar nada sobre o futuro, Professor, mas eu tenho que te dizer que eu tenho infelizmente um papel central na guerra. Não podemos correr o risco de Voldemort saber o que sei.
- Entendo. – Dumbledore abriu um sorriso reafirmativo para o aluno. – Existem outras questões também. Não sabemos se poderemos te voltar para o mesmo tempo que você saiu. Pode haver o caso de você passar um mês aqui e só conseguimos te retornar para um mês depois da data que você viajou. Afinal, seu corpo terá envelhecido aqui. Assim, é essencial que você continue seus estudos.
- E sempre existe a possibilidade de apagarmos a memória das pessoas que me conheceram. – Ele afirmou, agora um pouco mais seguro. No final, sabia que tudo daria certo. Sempre dava. Bem, com exceção do ano anterior...
- Feitiço de Memória é complicado e quando usado com muita intensidade pode ter consequências indesejáveis. Porém, poderemos sim consertar alguns deslizes com ele. Você só não pode, Harry, encará-lo como a solução para todos os seus problemas. Mesmo que eles não se lembrem de algo que você deixe escapar sobre o futuro, o tempo que eles passarem com vocês, na linha temporal original eles poderiam ter gastado fazendo outras coisas que foram essenciais para construir o seu futuro.
- Não entendo direito. – Ele admitiu, se remexendo desconfortável na cadeira.
- Digamos que o tempo que eu passarei procurando maneiras de te mandar para casa, na linha temporal original eu descobrisse alguma arma na Guerra. Ou o tempo que você passe com determinada pessoa, no tempo original ela teria esbarrado com seu futuro marido, ou a sua presença alterne a rotina de alguém. Podem parecer detalhes simples que serão pulados, mas que em conjunto formaram o futuro. É complicado.
- Então o que o senhor está dizendo é que estamos ferrados? – Ele soltou, sem conseguir controlar suas palavras.
- De qualquer maneira já nos encontramos em uma situação delicada. Logo, a única solução é abraçar os problemas e tentar minimizar as mudanças para criar um futuro pelo menos parecido com o seu no geral. Vamos tentar não eliminar os grandes eventos. Infelizmente, não há outro jeito. Você vai ter que viver aqui, teremos que correr esse risco, até que encontremos uma solução para te mandar para o futuro.
- Er... Professor? – Harry questionou, com o tom baixo. – Você acha que conseguiremos?
O homem sorriu.
- Eu tenho certeza. Se preocupe apenas em viver o presente, ou o passado, como é o seu caso. Cuidarei de todo o resto, não se preocupe.
E ele acreditou nas palavras de Dumbledore. Havia alguma coisa na voz dele que trazia confiança e além de tudo, era de Dumbledore que estavam falando. O homem que sempre tinha uma solução pra tudo, o bruxo mais poderoso de todos os tempos, o único a quem Voldemort temera. Lentamente, Harry assentiu.
- Vamos fazer isso então.
- Qual é a sua casa?
- Grifinória.
- E qual o seu ano?
- Sétimo.
A mentira saiu tão naturalmente que a sua voz nem tremeu. Se ele já estava ali, se o tempo-espaço contínua já era, ele iria aproveitar o máximo dessa experiência. Não havia chances dele não ficar no dormitório dos Marotos, nem remotamente. Se o Diretor percebeu a mentira, não deixou transparecer ou não se importou.
- Sétimo ano da Grifinória então. Já vou chamar o Monitor Chefe e seus companheiros de quarto para vocês já irem se entendendo melhor e para contarmos a história que criaremos. Nesse final de semana te liberarei para ir até Hogsmeade comprar tudo o que precisa ao seu gosto. Enquanto isso você fica com os livros extras da escola e pedirei para McGonagall pedir algumas roupas para você. Nenhum professor será informado da sua verdadeira identidade. Qualquer tipo de problema, você pode recorrer a mim imediatamente.
- Sim, senhor.
- Precisamos de nomes. A família Potter era uma família de grande número, mas com a guerra ela quase não tem mais sobreviventes. Poderíamos te colocar como algum primo distante e perdido, mas creio que isso levantaria muitas perguntas inconvenientes.
- Então preciso de um novo sobrenome e de uma história sobre como vim parar aqui.
- Um novo primeiro nome também, não podemos arriscar. – Ele pontuou.
- Que tal Alex Millert? Não consigo me lembrar de ninguém com esse sobrenome, assim mesmo que alguém resolva investigar não vai encontrar nenhum parente que possa me desmentir.
- Pode ser. Você evidentemente não pode ser puro sangue por ser de uma família desconhecida.
- Serei mestiço. É bom manter o mais próximo possível da realidade para que eu cometa poucos deslizes. Meu pai bruxo nos abandonou antes de eu nascer e eu mantive o sobrenome da minha mãe, Lysa Millert, me criou praticamente como trouxa.
- Você teve sua educação bruxa em casa até o final do ano passado, quando sua mãe foi assassinada em um massacre trouxa. Agora você está sozinho e eu ofereci uma vaga em Hogwarts para você completar seus estudos. Essa fica sendo sua história básica, qualquer outro detalhe fica apto a você. Espero que consiga aprender a responder ao seu novo nome rapidamente, Alex.
Harry sorriu.
- Com certeza. E o que faremos com a minha aparência, senhor?
Dumbledore encarou-o de cima a baixo.
- O quanto menos mudarmos, mais eficiente e duradouro será o Feitiço de desilusão.
Com um breve aceno da varinha, Harry sentiu algo se derretendo em seu rosto, seus olhos lentamente se esticarem, o nariz ser encolhido e seu cabelo parecer retornar para dentro da cabeça. Sem nenhum espelho a vista, não podia imaginar como estava.
- Sempre que nos revermos eu irei reforçar o feitiço. Agora eu vou pedir para McGonagall chamar James Potter e providenciar seus novos horários escolares, você pode discuti-lo com ela. Uma nova cama será colocada no Dormitório do sétimo ano da Grifinória e você pode esperar no Salão Comunal, que a essa hora está praticamente vazio. Depois de interar seus novos colegas de quarto do ocorrido, pedirei para Lupin te buscar para te apresentar a todos. Está bem assim?
Harry assentiu, já se levantando. Seu estômago estava se revirando, prestes a comer a si mesmo de tão nervoso. Dumbledore não podia imaginar o quanto isso significava para ele e o quanto ele estava antecipando tal momento. Antes de sair, o Diretor chamou-o mais uma vez.
- Alex, espero que você encare essa experiência com responsabilidade. Imagino o quão tentador pode ser mudar o passado, mas as coisas acontecem como devem acontecer. Não caia em tentações.
E com essas palavras Harry se despediu, sentindo que a mais arriscada e recompensadora aventura de sua vida – que mesmo ainda curta já estava cheia de perigos como esse – estava prestes a começar, e ele ainda não tinha a menor ideia de como iria encará-la.
