Capítulo um: Um segredo dividido

Por Kami-chan

Larguei as chaves sobre a mesa de jantar no meio da sala bem como os sacos do supermercado. Lancei um olhar curioso para além das escadas como se fosse capaz de enxergar através de suas estruturas, já tinha escutado o som alto desde que tinha desligado o motor do carro lá na garagem. Ahh adolescentes, não julgo, também já fui.

Ainda assim chega a ser cômico como certas coisas sempre mudam nem que sejam apenas o mínimo. Hoje esse volume excessivo do rádio incomoda um pouco minha cabeça cansada depois de um dia cansativo de trabalho, apesar de achar o som muito bom.

Na verdade eu gostava tanto de rock quanto o meu filho adolescente lá em cima no quarto, no meio daquele barulho que se já estava alto ali... imagina lá. Enfim gostava tanto que depois que ele percebeu que os seus CDs preferidos iam parar constantemente e permanentemente dentro do meu carro ele passou a gravar sempre dois CDs cada vez que baixava algo novo.

Sabe ninguém nunca disse o quanto seria fácil, difícil, chato ou reconfortante ter um filho. Um dia me apaixonei, um dia me casei e escondendo uma verdade que só fui descobrir tarde demais, ele me pediu um filho e com amor eu o dei mesmo achando ser um pouco cedo demais. Mas Masahito se quer teve a chance de ver o rostinho de seu tão almejado filho.

Ele escondeu de mim o tempo todo a rara doença e de um dia para o outro ele simplesmente me ligou já de dentro do hospital. Foi um choque, ele estava lá para morrer e realmente, não levou nem ao menos uma semana para esse dia chegar. O choque foi tão grande que minha pressão foi às alturas e numa ação de emergência dos médicos dei a luz à Takanori, nosso bebê, minha única e eterna recordação do meu amor.

A lata, diga-se de passagem. Aliás, essa é uma verdade que todas as pessoas no mundo devem ter san consciência antes de se apaixonar por um japonês. Não importa se você é brasileira, italiana, grega, holandesa, americana ou filha do demônio se o pai é japonês, prepare-se para no hospital ouvir apenas uma coisa: 'ohh que fofinho, é a carinha do pai'. Sempre. Detalhes a parte se o pai aos meus olhos era lindo a ponto de dever ser canonizado, logo, o meu querido Takanori seria de uma beleza igualmente arrebatadora.

Mas felizmente ou não, tudo o que Takanori herdara do pai foi a descendência e o cariótipo oriental porque no resto... po até a altura era a minha, na verdade acho que a maior felicidade dele era constatar que pelo menos eu era menor que ele. De fato eu preferi nunca contar que o pai dele tinha cerca de 1,85 de altura.

Nós sempre nos demos muito bem, o Taka é um menino muito doce. Minha única companhia. Aprendemos a confiar plenamente um no outro, éramos muito além de mãe e filho.

Nós conseguimos criar uma realidade onde eu mais parecia uma amiga ou irmã muito mais velha porém com autoridade para cortar suas asinhas quando ele se passava. Ele era minha companhia, um retrato versão mini do homem que eu amava e minha conexão com o mundo que eu mais amava e que para manter o padrão de vida da nossa casa eu desisti depois da morte do meu marido: o da música. Também se não fosse por aquela criaturinha, que agora estava com dezesseis anos de idade eu acho com sinceridade que não encontraria forças para seguir adiante.

– Taka – Chamei já subindo as escadas, sabe com é, filho adolescente é sempre melhor anunciar que está se aproximando antes de entrar no quarto e encontrar uma surpresa. Ou duas... vai saber. – Amor...

Mas a música estava tão alta que ele jamais me ouviria. Hum, esse cd é novo. Já ia invadir o quarto perguntando se ele tinha baixado mais músicas, mas ao cruzar o portal aberto deparo-me com meu garotinho todo encolhido sobre a cama, de costas para a porta, seus ombros sacolejavam. Era claro, mesmo ante toda aquela distância da porta até a cama que ele estava chorando.

Aproximei-me lentamente, ele realmente estava tão perdido remoendo seus pensamentos que apenas me percebeu quando muito sutilmente – do 65 para o 8 – eu abaixei o volume do som. Rapidamente ele me olhou assustado e se inclinou minimamente sobre a cama, apenas o suficiente para poder usar ambas as mãos para limpar as insistentes lágrimas. Apenas sentei na cama e como que por encanto a cabeleira, no momento em um tom ruivo berinjela quase preto foi esmagada por sua cabeça recostada em minhas pernas.

– Okaa-san não vi você chegar. Como foi o trabalho? – Falou doce, me olhando com aquelas íris lindamente roxas.

Tá para tudo um pouco que eu vou explicar, da mesma forma com que ele me explicou essa coisa de 'Visual Kei'. Presta atenção, é bem legal. Algo com o qual eu me agradei bastante.

Rótulos também existiam na minha adolescência, mas esse era novo pra mim até ele aparecer com essa nova informação. Infelizmente não tinha isso no meu tempo, me chamavam de punk quando eu tinha treze anos, ouvia rock –no último volume- me vestia de acordo com o meu humor, não muito diferente do que fazia o Taka e seus amigos. Na verdade e eu ainda tinha uma mecha do meu cabelo de cada cor ao invés das cores não tradicionais que Taka escolhia.

Enfim se naquele tempo já tinha um baita preconceito sobre os ditos punks, hoje então chamar alguém de punk na rua era absorvido quase como uma ofensa. O que me magoa um pouco na verdade, eu sabia me divertir muito no meu mundinho livre de preconceitos.

Então para mim não foi nenhum choque quando depois da música, sutilmente foram mudando o estilo de suas roupas, a primeira vez que desceu as escadas maquiado, temeroso de minha reação, o primeiro pedido pra pintar o cabelo..

Foi de vermelho coitadinho, ficou feio demais. Mas eu sabia que era apenas cabelo, poderia ser cortado e crescia novamente e ainda... da mesma forma como fora pintado de vermelho poderia voltar a ser castanho ou qualquer outra cor.

E então a felicidade com que ele ficou ao perceber que eu não me importaria dele querer ter olhos coloridos, dourados principalmente, desde que ele tivesse maturidade pra manter aquilo tudo limpo e em ordem. E a felicidade suprema ao conseguir me convencer a fazer pircings na orelha, eu não tinha como dizer não uma vez que além dos dois remanescentes no topo da minha orelha direita com marcas de cicatrizações de cima abaixo dos nove que tinha ali quando era mais nova e mais os oito na orelha esquerda. Eu tinha ainda um pircing no umbigo e um no mamilo, mas esse último ele não tinha conhecimento.

– Sem grandes emoções como sempre, diferente do seu dia que me parece vir com novidades. – Disse quase ignorando os olhinhos vermelhos e inchados de choro, era outra coisa sobre saber agir como mãe e pai de um garoto de dezesseis anos, não pressionar.

Deixe-o falar, mesmo que demore ele vai querer desabafar. Então dê um tempo pra cabecinha confusa na sua frente e aprenda a apenas escutar.

– Ahh mãe – Ele suspirou – Eu não quero falar sobre isso agora não. – Encolheu-se mais sobre o colchão.

– Eu estava me referindo à música que o senhor deixou alto o suficiente para despertar minha curiosidade. Essas são novas, não? – Táticas de mãe ok, não me julgue, deu certo, ele riu e me olhou de novo.

– O Akira me emprestou, este álbum é realmente raro nem na net eu achei. Posso ripar pra você se gostou mãe. – Disse com um risinho triste nos lábios pequeninhos.

Ah Akira. Havia bem uns dois meses que esse nome começou a sair da boca de Takanori. E era sempre assim, o nome surgia ou entre um olhar perdido e um sorriso maior do que o próprio chibi ou olhinhos completamente caídos e sorrisinhos tristes e forçados.

Eu sabia por experiência própria também que o estilo de Takanori era constantemente seguido pelo afastamento da maioria das pessoas. A maioria das mães acharia isso preocupante, mas eu achava bom, pois achava que a maioria das pessoas não passava de criaturas fúteis e superficiais. Este estilo atraía tanto preconceito que era constantemente associado à rebeldia, homossexualismo ou uso de drogas.

Meu filho não era um rebelde, tinha sim sua personalidade forte e um gênio difícil pra burro, mas era um doce de menino. E era um bom menino, sabia passar longe das encrencas. Eu mesma o mataria antes mesmo de passar o efeito de qualquer porcaria que ele ousasse experimentar. Mas quanto ao homossexualismo, sim meu menino sempre foi bem diferente da maioria dos meninos da sua idade.

Ele não é afeminado além dos traços delicados em seu rosto. Corria, brincava, jogava bola, na verdade Takanori sempre fez todas as atividades que sua curiosidade lhe pediu. Sobre sua infância eu tinha certeza que podia dizer com orgulho que ele foi integralmente uma criança ativa e curiosa, cuidadosa e tímida, mas uma criança que brincou e se divertiu como todas as crianças deveriam brincar e se divertir.

Mas eu o conhecia como a mim mesmo e eu via nos detalhes quase imperceptíveis o que nem mesmo o meu chibi com dezesseis anos de idade parecia ter percebido ainda. Afinal essa era uma das coisas que não dava pra eu ensinar a ele, teria que esperar pelo dia em que ele descobrisse isso sozinho.

Eu temia esta face de seu futuro. Em um mundo cheio de preconceitos e sem que possa estar ao seu lado para o defender de todo o mal que as pessoas costumam ocultar tão bem. Temia também o fato de não conhecer este tal de Akira, não saber que tipo de pessoa ele podia ser, mas não era como se os olhos perdidos em um mundo paralelo de Takanori ao falar deste garoto não conseguisse amenizar este temor.

O que nos leva de volta a Akira certo, como eu estava dizendo Taka não era do tipo super social, Yutaka era o seu único amigo. Eles fizeram uma amizade na maternal que eu me arriscaria a dizer que era do tipo que nada neste mundo seria capaz de mudar.

Foi somente no comecinho deste ano, quando a família Takashima se mudou aqui para a casa da frente que um novo nome começara a ser dito aqui dentro da minha casa com Takanori, Yutaka e Kouyou, ou como agora se autodenominam, Ruki, Kai e Uruha correndo pra lá e pra cá, jogando vídeo game, comendo porcarias, jogando vídeo game, brigando pelo vídeo game, brigando pelos olhos roxos causados pela briga do vídeo game, resolvendo a briga com um revanche no vídeo game e gerando mais uma briga pelo vídeo game.

Mas nunca Akira ou qualquer outro nome. Depois de passar pelo jardim de infância não houve qualquer outro amigo trazido até minha casa senão Uruha. Isto me deixava claro que Akira e Ruki não pertenciam ao mesmo "grupinho de amizades"

Mas pera aí, como é que tem um CD desse garoto com o Ruki?

– Akira? – Fiz-me de surpresa buscando os olhinhos da minha cria.

– É. Aquele garoto que é do terceiro ano, mas que está no mesmo módulo de idiomas que eu, o Kai e o Uruha. Nós fizemos um trabalho em grupo, ele acabou ficando no meu. Ele tinha emprestado esse CD pro Yuu – Vi ele fazer uma careta carrancuda ao dizer o nome.

Yuu, esse eu conhecia. Chegou a ser amigo do Taka por um tempo na época da pré-escola, mas logo conseguiu entrar na turma adequada para sua idade e aparentemente deixaram de ser amigos. Yuu mora no fim da rua, chegou a vir na minha casa e Ruki na dele quando eram crianças.

Mas Yuu e Taka pareciam ter crescido em caminhos opostos. Voltei a ter notícias deste menino no meu trabalho quando sua mãe adoeceu no ano passado. Neste mesmo ano o nome dele passou a ser tópico nas reuniões e coisas da escola. Acabou repetindo o segundo ano e por este motivo voltou a ser colega de Taka, mas isto não o recolocou na lista de amigos dele.

– Quando eu reconheci a capa não pude me conter. – Nesse momento ele sorriu daquele jeito radiante, acho que lembrou da conversa que teve com o tal Akira.

– Bom pelo menos parece que bom gosto pra música esse garoto tem... – Disse apenas.

Eu sabia muito bem que nem mesmo o pequeno tinha consciência de que Akira preenchia tanto sua mente. Na grande maioria das vezes ele parecia nem perceber que dizia o nome de um garoto com quem nunca tinha falado pelo menos umas quinze vezes para a mesma conversa.

– Nós ficamos conversando a aula toda. Eu nunca tinha falado com ele. – Seus olhos desviaram ficando um pouco fora de foco, mas ainda assim com um brilho bem diferente daquelas lágrimas que lavavam seu rosto quando cheguei ali. Como é lindo estar apaixonado pela primeira vez. – Mãe, nossos gostos são tão parecidos e aí no fim ele até me emprestou o CD.

E ele foi articular com as mãos e foi aí que eu vi um pequeno pedaço de pano branco que ele mantinha apertado entre seus dedinhos e a lembrança de Akira o fazia alisar entre suas mãos inconscientemente. Não sei que porcaria de pano de cortina é aquela, mas não sou tão anta pra não perceber que tinha uma relação direta com esse garoto misterioso que mexia com meu filho.

– Então você fez um novo amigo hoje... – Disse animada, embalada pela animação dele e nunca imaginei que com aquela frasesinha tão inocente eu pudesse fazer o brilho sumir e ele voltou a se espremer contra o próprio corpo.

– É.. – Ele disse vencido – Quem sabe. – Suspirou e fechou aquela faixinha de tecido entre as palmas de suas mãos e estas foram colocadas assim fechadinhas e espremidas entre suas pernas enquanto ele se deitava de lado no colchão, ainda espremidinho em posição fetal.

Meu sensor de mãe tá falhando por acaso? Como assim, que parte da história eu deixei passar mesmo?

Ele estava chorando provavelmente pensando em Akira e então ele fica rindo feito um bobo lembrando desse mesmo garoto, mas aí quando dou espaço pra ele continuar a falar fica assim de novo. Estava quase sucumbindo ao desespero pelo estado em que minha cria estava e louca para forçá-lo a falar porque estava assim triste quando a vozinha ecoou um tanto incerta.

– Okaa-san? – Aquele tom era usado muito normalmente quando ele estava com medo de pedir alguma coisa ou algo do tipo.

– Hum? – Infiltrei meus dedos pelas mechas tingidas num carinho que o deixasse mais calmo para falar o que fosse.

– Quando você conheceu o meu pai, como foi que você soube que... – Ele parou de súbito, mas sorri vendo onde ele queria chegar. E feliz por perceber que ele não estava triste, mas apenas confuso.

– Como soube que estava apaixonada? – Continuei vendo-o corar, oh que graça igual ao pai.

Como pude ser tão relapsa? Era tão obvio para mim que ele estava apaixonado que acabei me esquecendo que ele mesmo ainda não tinha se dado de conta. Ok talvez eu fosse mesmo mente aberta demais e esqueci que talvez fosse mesmo somente agora que ele percebeu que além de estar apaixonado, isso estava acontecendo com outro garoto.

É um fato já sabido por todos que nenhum pai ou mãe consegue aceitar bem a ideia de que seu filho está despertando a sexualidade. Tão certo quanto o fato dos filhos não conseguirem imaginar seus pais fazendo sexo.

Ainda assim era uma nova etapa da vida que estava começando ali para aquela criatura em desenvolvimento em minha frente. Como eu iria guiá-lo nessa, eu não fazia a menor ideia.

A única coisa que eu sei é que tenho mais experiência que meu chibi completamente confuso e é meu dever prepará-lo para tudo, certo. O foda é como olhar pro seu filho e dizer 'acorda pra vida moleque, ser gay é tão normal quanto pintar o cabelo de beterraba'.

A primeira coisa com certeza seria a mais difícil, faze-lo dizer com todas as palavras aquilo que o estava reprimindo e fazendo-o chorar mais cedo. Putz alguém sabe me dizer por que a negação é a primeira reação? Como ninguém percebe que negar faz a pessoa chorar e aceitar geralmente faz a pessoa goz.. er.. esquece, meu filho me fez uma pergunta e tenho que responde-la.

– É mãe, como foi? – Ele parecia um pouco mais animado, falar do pai que ele não teve tempo de conhecer sempre o animava de alguma forma.

– Você quer uma versão fantasia ou a versão sem cortes? – Olhei-o divertida.

– Po mãe, fala sério!

– OK. O seu pai me intrigava demais. Ele era absurdamente quieto, tanto que no começo cheguei a cogitar a possibilidade dele ser mudo ou que falar fosse algo que causasse dor. É sério, ele estava sempre lá no meio da galera, mas sempre calado o máximo que ele fazia era sorrir de vez em quando. Aí eu comecei a fazer coisas de todo o tipo pra ver se ele reagia nem que fosse pra gritar comigo ou coisa assim, mas nada o máximo que eu conseguia era um 'sim' ou 'não' como resposta. Na verdade a maioria era 'pode ser'. Mas no fim das contas eu acabei mesmo foi ficando cada vez mais próxima dele a ponto de aprender a entender o silêncio, você me conhece, eu sou uma criatura que não para de falar nunca. No fim ele era quieto, mas gostava de me ouvir e eu falava tanto que falava por nós dois. É mais bonito quando mesmo no silêncio sabe-se que as palavras que surgem na mente tanto de um quanto do outro são as mesmas. E basicamente foi isso meu filho, no silêncio, sem ninguém chegar em ninguém, sem nenhuma palavra dita, a falta delas foi trocada por beijos e carinhos. Éramos opostos, ele o mais quieto e eu a mais falante, ele o certinho e eu a punkizinha, ele o tímido e eu a líder do grêmio, ele o esportista e eu uma baterista... simplesmente um tinha exatamente aquilo que faltava no outro.

– Você se apaixonou pelo cara por que ele te intrigava? – Me olhou confuso.

– É. Por me intrigar tanto atraiu cem por cento da minha atenção, na verdade conseguiu me manter obsessivamente focada nele. Esperava o que?

– Ué que ele fosse o cara mais bonito que você já tinha visto, ou super popular com as garotas, ou ainda que fosse super inteligente, sexy sei lá, mas não por ele ser mudo e isso te deixar bolada. – Takanori estava indignado, esse era o meu garoto de verdade. Eu ri.

– Masahito tinha tudo o que me atraía se é isso que você quer saber. Eu não olhei para ele e vi um 'garoto estranho'. Simplesmente chegou um dia o novo estudante da escola, eu olhei na sua direção e o que vi foi um par de lábios grandes e bem cheios, ombros muito bem desenhados e olhinhos pequenos lindos de chorar. Entenda que faltava apenas eu ouvir o som da sua voz pra poder dizer que ele tinha sido feitinho pra mim. Graças aos céus ele considerava cantar e falar duas coisas bem diferentes então ouvi sua voz e é claro que o fato de ter gostado tanto dela facilitou ainda mais para que aquele silêncio todo me incomodasse.

– Então você gostou dele desde o primeiro momento...

– Esteticamente sim. Mas faltava o principal que conhecê-lo de verdade. Eu não queria e não ia andar por aí com um idiota qualquer por mais bonito que ele fosse. E também você falou sobre popularidade e afins, eu nunca me importei em como ele era com as outras pessoas ou como as outras pessoas veriam o nosso relacionamento, eu só ligava pro que era importante pra ele e no que era importante pra mim.

– Falando assim parece que você não deixava nada do mundo ao seu redor atingir vocês.

– Fala sério, não te ensinei nada não guri? É claro que devemos sim no importar com as pessoas a nossa volta, mas você sempre deve ser o mais importante pra você. Eu ouvi tanta merda quando assumi um relacionamento sério e ainda mais quando anunciamos que queríamos no casar. E nos casamos. Quando disse que estava grávida então... Informação que não acrescenta nada de útil é puro blábláblá.

– Você disse que o papai era esportista, mas disse que na banda que vocês tinham ele cantava e era guitarrista.

– Uhum. Pera aí, deita direito aí. – Disse dando pseudo tapinhas em seu ombro enquanto muito a contra gosto ele se virou de barriga pra cima. – Relaxa e fecha os olhos. – Pedi começando uma massagem bem leve em suas têmporas e testa.

– Mãe eu não quero nunca ir embora de casa. – Disse debochado em referencia ao carinho. Sim eu o deixei super mimado, e daí?

– Shh relaxa, respira fundo e tenta esvaziar a mente. Concentra-te só na tua respiração, em como podes sentir o ar entrando e passando pelo corpo até penetrar fundo os pulmões... – Dizia calma dando início a uma longa lista de tarefas que daria a ele.

Passo a passo de um caminho longo e que devia se feito com toda calma do mundo, afinal era esse o único objetivo daquele carinho com instruções que desviavam toda sua tensão para tarefas que exigiam sua total atenção. Imaginando cores e formas que eu lhe ditava numa ordem única até que ele acabasse se vendo dentro de um mundo inteiramente seu criado por sua imaginação.

As pessoas não sabem o quanto podem pensar com clareza com alguns exercícios de relaxamento. Por hoje basta faze-lo encontrar uma resposta concreta, independente do que fosse desde que fosse algo concreto e que eu sabia, quando ele achasse viria logo me contar e buscar uma confirmação de que aquilo era o certo.

Ele já estava quase dormindo quando lhe dei a última e primordial tarefa.

– Lembre-se meu filho que no seu mundo as regras são criadas por você, vagueie por ele sem receio. Não se esqueça de que você está procurando por algo que não é uma pessoa e não tem um rosto, está procurando pelo sentimento que fez você criar seu mundo dessa forma. – Instintivamente ele apertou mais aquela porcaria de pedaço de toalha de mesa daquela faixinha entre seus dedos.

Fiquei quieta apenas alisando os fios de cabelo que estavam um tanto compridos até que ele caísse de vez no sono, entrando no mesmo por aqueles pensamentos. Esperei apenas até ter certeza que poderia me levantar dali sem o acordar e sumi. Depois de cobri-lo com o cobertor, desligar o som e apagar a luz, é claro.