CAPÍTULO 1
A morte à espreita
Londres, agosto de 2022.
Meia-noite. Na rua escura deslocava-se a figura de um homem encapuzado. Usava uma longa capa preta e em seus olhos refulgiam o medo e o terror. Encaminhou-se até a torre no final da estradinha íngreme e rochosa. Subiu silenciosamente as escadas, com passos leves, como um lince negro em busca de alimento. Parou na concavidade do portal, que dava para a sacada mestra da torre. Não tinha mais sangue em suas veias, mas sim, em sua boca. Sua pele pálida como a lua amedrontava até o escuro que envolvia aquela noite. Mas a criatura não sabia que estava no controle, tinha apenas a conciência de que era poderoso, que estava sendo procurado. Havia morado com o perfumista, sem medo de exibir-se, mas agora, tinha uma missão. Estava chegando ao fim, sabia. Logo nasceria o sol e então, padeceria à sua luz. Pensou nas pessoas que morreram para estar onde ele estava, de quem eram as misturas de sangues diferentes, secos em sua boca, escorrendo-lhe pelo pescoço branco.
-Por aqui. - Uma voz veio ecoando pelas escadas. O medo tomou conta da criatura.
-Senhor, não é muito arriscado...
-Calem a boca, apenas me sigam. Potter está por aqui, ele sempre vem enfrentar o perigo sozinho... Esse é o mal dele. - O homem ruivo apareceu no pé da escada. Seu rosto estava lívido de fúria. - Fiquem aqui. Vocês não precisam ver isso. Esse assunto é particular.
-Sim, senhor. - Três vozes responderam entediadas.
O homem ruivo passou pelo seu fugitivo pálido escondido na escuridão densa sem notá-lo, mesmo com sua varinha emitindo uma forte luz branca.
-Harry. - O homem ruivo avistou, debruçado na sacada, outro homem. Seus cabelos eram negros, eriçados no topo da cabeça, estava usando óculos. O moreno virou-se rapidamente.
-Por que diabos você veio? - Harry olhou-o com olhar cansado e sem forças. - Que droga! Por que você tem que sempre aparecer, Rony?
-Ah, ótimo. Quem te vê agora não reconheceria o modesto Potter. - Rony imitou-o num falsete exagerado.
-Seu desgraçado! Não é nada disso! Estou assim por sua causa! Por que você aparece nos momentos mais delicados, como um furacão e destrói tudo! - Harry gritava alto agora, estava pouco se importando com qualquer um que escutasse.
-Harry. Já discutimos muito sobre isso. Não quero sofrer mais. Devemos sair daqui o quanto antes, sabe que essa é a morada do... - Rony estava pensando seriamente em ir embora e deixar Harry procurar a criatura fora da lei sozinho.
-Por que você me deixou, Rony? Por que tem que ser assim? - Harry interrompeu-o em tom de súplica. A criatura que ouvia a tudo silenciosamente, sentiu uma pontada de remorso brotar-lhe no coração morto.
-Ah, claro. É que você não tem mulher nem filhos não é? E eu também não tenho mulher nem filhos. - Rony falou sarcasticamente. - Temos uma família, idiota!
-Mas já te disse que largo tudo pra ficar com você. Tudo. - Harry aproximou-se de Rony. A criatura respirou fundo. Tinha chegado a hora.
-Tudo bem. E se isso fosse verdade... - Rony fitou-o profundamente - Não seria justo com sua família. Devia ter se decidido antes.
-Quer dizer que você não me ama mais? Depois de todas nossas aventuras ao longo destes vinte e poucos anos? - Harry desafiou-o.
-Amo. Amo como sempre amei. Mas é aí que está o problema. Não sei dizer se o que senti por ti a vida inteira foi amor. Como já lhe falei, nada está igual como antes, estamos em circunstâncias diferentes. - Rony deixou uma lágrima cair antes que passasse rapidamente o braço pelo rosto, escondendo-a.
-Como foi que deixamos chegar a este ponto? - Harry balançou a cabeça e virou-se para ver o céu.
Um movimento. Um segundo que pareceu uma eternidade passou diante dos olhos rápidos de Harry. Não pode fazer nada por que a criatura foi mais rápida que ele. Olhou aterrorizado para Rony, enquanto aquele rosto pálido e assassino que tanto atormentara o Ministério e eles, os aurores, nestes últimos meses, deslocou-se velozmente por trás de Rony e logo, suas mãos pálidas haviam envolvido a boca do ruivo. Rony cambaleou.
Com o ruivo estatelado no chão, o vampiro assassino não teve tempo de partir em retirada. Harry acertou-o com uma maldição da morte no meio das costas. O vampiro caiu morto, o veneno escondido nas suas mãos espatifou-se no chão e evaporou.
Rony arqueou o corpo. Harry atirou-se ao seu lado. Não podia acreditar na cena à sua frente. Rony, tão forte, tão invulnerável, estava roxo e não respirava. Harry fez de tudo, mas sabia que era o fim de Rony. Chorando desesperadamente agarrou o amigo e acariciou convulso, seus cabelos.
-Não morra. Não morra. - Harry sentia a vida do amigo escorrer-lhe pelos dedos, como fumaça. O veneno do vampiro havia tirado o amor de seus braços. - Rony. Por favor. - Rony arrancou uma fina corrente de ouro com um pingente esférico de seu pescoço e, com as mãos trêmulas, entregou-a a Harry.
O coração de Harry doía como se tivesse sido retalhado. Não tinha mais chão. Não podia suportar aquela perda, aquela dor. Havia perdido tantas pessoas importantes em sua vida, na verdade, a maioria delas. Precisava de Rony. Rony era uma necessidade básica em sua vida. Seus ouvidos ouviram o último suspiro. Seus olhos viram o último pingo de vida sair dos olhos azuis do ruivo. Tudo estava perdido. Era impossível continuar.
Socou Rony com toda força, precisava revivê-lo. Mas não lhe foi permitido ficar ali, morrendo de dor aos poucos junto ao corpo de Rony, logo os outros recrutas subiram as escadas e tentaram controlar Harry com feitiços. Não se importava com o que pensariam se o vissem beijando o corpo de Rony ainda quente. Queria morrer também.
