Disclaimer: Naruto não é meu

Sim, eu me lembro...

...da pureza da sua amizade...

Meus olhos ardiam devido ao cansaço. Bocejei mais uma vez e no mesmo segundo decidi encerrar o expediente. Amava com todas as minhas forças ser o Kazegake de Suna, mas o trabalho era extremamente cansativo. Toda aquela leitura e interpretação. Ocasionalmente eu sentia falta de ser um ninja comum, da ação e adrenalina, em dia como estes eu geralmente tirava uma folga daqueles relatórios e fugia para treinar.

Pelo menos estava em casa naquela noite, Temari havia me convencido a retornar mais cedo. Ultimamente eu não estava me alimentando e nem dormindo corretamente, haviam novas informação sobre a Akatsuki e eu procurava me manter ciente de tudo o que estava acontecendo, o que gerava horas de trabalho extra. Eu não me importava, principalmente quando a segurança de Naruto estava em risco, mas Temari havia gastado cerca de vinte minutos discursando sobre a minha saúde. Ela acabou me convencendo, mas eu havia levado trabalho para a casa, obviamente.

Além disso, estávamos com uma visita inusitada em nossa casa. A menina Haruno estava em uma missão em Suna e meus irmãos haviam organizado sua estadia em nosso lar. Eramos, nós três, muito gratos a ela, afinal, se não fosse por ela, Kankuro não estaria vivo, e eu sabia que ela também havia ajudado em meu resgate. Eu sentia um apreço pela rosada, mas, provavelmente, ela não fazia a menor ideia disso.

Após o jantar, subi para terminar minha leitura e ao ultrapassar o último degrau ouvi Sakura chegando. Quando decidi sair do quarto, horas mais tarde, percebi que, provavelmente, todos já estavam dormindo. A casa estava extremamente silenciosa, a não ser por um pequeno e irritante barulho, a janela da sala estava levemente aberta, apenas o suficiente para a brisa do deserto serpenteasse por ela, causando um zumbido estridente.
Caminhei sem pressa em direção a janela e, ao erguer minha mão para fecha-la, ouvi um grunhido logo atrás de mim.

Era Sakura.

Ela estava sentada, com as pernas encolhidas, no sofá diante da janela. Seus olhos estavam vermelhos e marejados, entretanto, ao olhar para mim, eles endureceram. Foi nesse mesmo instante que desviei o meu olhar. Não éramos íntimos, mas eu não esperava que uma pessoa tão próxima ao Naruto ainda fosse capaz de me olhar daquela forma. Ela testemunhou as minhas mudanças, mas assim como outros, era de se esperar que ainda restasse a desconfiança. Me lembrei que, em algum dia do nosso passado, eu a feri. E foi justamente por isso que não a culpei.

Dei um passo em sua direção e ela fez menção de que iria se levantar, entretanto, acenei com a mão para indicar que não era necessário. Tentei não olhar em seus olhos, pois temia encontrar aquele olhar de medo e rejeição. Lembrei de quando pensava sobre o quão grato eu era pelas ações daquela menina, e senti meu estômago afundar. Sentir apreço por ela enquanto ela sentia medo parecia idiotice, me causava algo parecido com um forte desapontamento.

Encarei meus pés e decidi que aquela situação constrangedora já havia durado tempo o suficiente. Coloquei minhas mãos no bolso, tentando escondê-las da moça à minha frente e, controlando ao máximo o tom da minha voz, decidi me pronunciar.

- Fique a vontade, Haruno. - Ainda sem levantar meus olhos, comecei a me retirar da sala.

- Oh, céus! Eu fui extremamente mal educada, não é mesmo? Me desculpe, Kazegake-sama. - Ela disso rindo de repente e antes que eu percebesse já a olhava, intrigado.

Não saberia dizer, ao certo, por quanto tempo fiquei olhando-a, sem responder, analisado o seu sorriso repentino, mas saberia descrever perfeitamente a maneira como seu olhar inundou-se de algum sentimento que eu desconhecia e, logo, afastou-se do meu. Analisei todos seus movimentos, ignorando completamente as regras sociais. Eu sabia que ela estava desconfortável com meu olhar, mas estava, de certa forma, hipnotizado. Todo resquício de riso desapareceu do seus lábios e, em seguida, ela os mordeu. Elevou as pernas até o peito e as abraçou, novamente. Suas mãos estavam tremendo e novamente meu estômago afundou. Eu provocava tanto medo a ponto de fazê-la tremer?

Engoli seco antes de respondê-la.

- Não se preocupe, eu já estava de saída.

- Não, Kazegake-sama. A casa é sua, não se incomode. - Sorriu novamente. Quem estava incomodada era ela. Aquela inconstância me confundia.

- Estava chorando? - Cuspi aquelas duas palavras sem ao menos pensar.

- Não... Bem... Sim. - Sussurrou e olhou, receosa, bem no fundo dos meus olhos, como se estivesse tentando adivinhar meus próximos passos, mas não demorou-se. - Mas, por favor, não se incomode com isso.

Pensei em fazer como ela, desviar o olhar, ou lançar-lhe o mesmo olhar frio, mas alguma coisa no olhos daquela menina me fez querer mudar aquela situação. Há muito tempo que o objetivo da minha vida havia mudado da água para o vinho. Derrubar os muros ao meu redor e mostrar para as pessoas que eu não era um risco, que o medo não era necessário era o maior desejo do meu coração. Após o ataque da Akatsuki as coisas haviam mudado consideravelmente, eu era bem recebido pela pessoas da vila, - as mesmas pessoas que me odiaram um dia - mas como alguém como ela, alguém que presenciou minha luta com Naruto, alguém que lutou pela minha vida e que estava agora sob o meu teto, como ela podia sentir medo de mim? Principalmente sabendo de tudo o que aconteceu. Por quê? Ela viu. Ela testemunhou. Então por quê? Todo meu esforço...

- Está sentindo-se bem, Kazegake - sama? - Percebi que havia permanecido tempo demais em silêncio. Ela me olhava e notei um lampejo de preocupação em seus olhos. Os olhos mais confusos que já havia encontrado durante toda minha vida. Transparentes, mas confusos. Eu lia perfeitamente suas emoções, mas não entendia a inconstância que a acompanhava.

Andei em sua direção, evitando seus olhos, mas sabia que ela me observava atentamente. Sentei devagar ao seu lado, controlando meus movimentos, tentando não assustá-la ainda mais. Quando nos olhos finalmente se encontraram, em silêncio, ela encolheu-se ainda mais. Definitivamente eu odiava aquilo, aquela reação, afastar-se de mim de maneira tão instintiva. Queria mudar aquilo com todas às minhas forças.

- Sakura- Ela piscou e ergueu a cabeça um pouco mais, para demonstrar que me ouvia - Você não tem a menor obrigação de acreditar no que eu digo, mas eu mudei, verdadeiramente. - Ela franziu as sobrancelhas - Eu não vou te machucar, nunca mais. Por favor, não sinta med-

- Medo?! Você acha que estou com medo de você? - Seus olhos endureceram novamente, mas estavam diferentes, havia algo como uma determinação. Ela largou suas pernas e esticou-se na minha direção - Não, Gaara. Definitivamente, não. - Ela tocou minha perna e mesmo quando olhei para sua mão, ela não a retirou - Eu confio em você com a minha vida. - Dessa vez fui eu quem a olhou confuso.

- Oh, céus - Ela riu, novamente - Minhas atitudes, elas confundiram você, não é mesmo? - Sua mão subiu lentamente e ela tocou meu rosto e seus olhos mudaram novamente, preencheram-se de doçura - Sinto muito, Gaara. Não queria ter provocado esse sentimento em você. Assisti as pessoas sentirem medo e repulsa do Naruto por tantos anos… A última coisa que eu gostaria é fazer você se sentir desta forma também. - Minha respiração falhou.

- Por quê...?

- Eu… Eu estava constrangida… - Constrangimento? - Por você ter me visto chorando... Achei que eu era a única acordada. Fiquei com vergonha e por isso estava agindo daquele jeito. - Ela disse tirando a mão do meu rosto e olhando para baixo - Me desculpe.

- Constrangida? - Conseguir dizer após um breve minuto em silêncio.

- É, sim… - Senti o mais puro alívio ao constatar os fatos. Ela não sentia medo, ela estava me tocando e, principalmente, ela se importava com meus sentimentos. - Me desculpe pela minha falta de modos também… Você é o Kazegake e eu estou agindo como se fossemos amigos a anos, te chamando de Gaara e-

- Você pode me chamar de Gaara sempre que quiser. - Declarei a voz firme, fazendo-a se virar para me olhar, esperando que ela entendesse que… sim, éramos amigos.

- Bem... Obrigada.

Não respondi. Apenas fiquei observando-a. Reparei nas suas mãos, nas suas roupas - pijamas sem estampa - , no rosa do seu cabelo, na sua boca sorridente e nos seus olhos, desta vez livres de qualquer sentimento frígido. E ela permitiu cada olhar, cada segundo em silêncio, como se soubesse e entendesse perfeitamente como minha mente desacostumada à interações funcionasse. Ela permaneceu parada, sorrindo, esperando até que eu estivesse pronto. Sem dúvidas, uma das pessoas mais encantadoras que eu já havia conhecido.

- Porque estava chorando? - Queria que ela sentisse a brecha, que se aproximasse. Minha vontade da certeza de que todos os resquícios de medo e desconfiança haviam ido embora era tremenda. Eu queria que ela sentisse e nos permitisse.

- Ah, isso não tem a menor importância. - Falou agitando as mãos como se me dissesse para esquecer aquilo.

- Você pode confiar em mim… - Esperava que ela não entendesse aquilo como um desespero afobado, minha intenção era deixar tudo claro como cristal entre nós.

- Eu tenho certeza disso, Gaara. - Ela disse sorrindo e entoando ao dizer meu nome. - Mas juro que não tem a menor importância.

- Gostaria de um pedaço de torta de maçã? Eu trouxe para o jantar, mas você não estava conosco. - Sakura disse quando eu esperava que o silêncio dominasse mais uma vez.

- Eu nunca comi torta de maçã.

- Meu Deus, vamos corrigir esse desastre, rápido. - Ela riu, levantando-se com um pulo, em seguida virou-se e ofereceu a sua mão para me ajudar a me levantar também.

Vendo aquela mão ali estendida para mim, e somente para mim, aquele sorriso aberto e seus olhos brilhantes descarregados eu simplesmente segurei sua mão e me deixei levar. Naquele momento eu percebi que não precisava me esforçar ou me preocupar, ela já havia me aceitado e me guardado. E foi exatamente a mesma coisa que eu fiz.