Análise de um sorriso

Ele abriu a boca.
Eram dentes muito brancos e retos, como teriam sido os de Hermione se ela me deixasse arrumá-los com um aparelho.
- Quer dizer então que vocês arrumam cáries com feitiços? Como é isso?
- Eoaoeiieoeeaoaaaiaaoxeeaoée.
- Certo... Não, não feche, calma...
A anestesia. Só uma picadinha, Ron. Seus pés se mexeram subitamente, mas só. Ele não reclamou - nem mesmo com os olhos, como os pacientes costumam fazer.
- O que exatamente o seu pai faz no Ministério?
Mais um punhado de vogais sem sentido, enquanto eu encaixava uma gase na sua boca.
- Muito interessante. E você vai trabalhar lá também?
- Ahá – o "sim" que as pessoas conseguem pronunciar enquanto olham espantadas a britadeira dental que eu preparo. O espanto de Ron era contido. Ele tentava transmitir tranquilidade, mas eu via o medo em seus olhos.
Perguntei-me se o medo era pelo procedimento médico ou se pelo procedimento social que se seguiria àquilo. Porque eu sabia o que ele queria, desde o momento em que solicitou uma visita para conversar comigo.
O barulho alto da britadeira, o olho esquerdo de Ron apertando-se levemente.
Fui eu que propus fazermos a obturação com técnicas trouxas. Não havia forma melhor de conhecer uma pessoa do que vendo seus dentes.
O ar, a água, pode cuspir.
A forma como ele sentava na cadeira, um pouco rígida, era engraçada. Curiosamente, lembrava a forma como se sentara ao lado de Hermione na mesa, na primeira vez em que o convidamos para jantar. Eu não sabia se a causa do nervosismo era o ambiente trouxa ou a minha presença.
A obturação. Limpa, modela, aperta, espera.
Eram dentes retos, muito retos. Eu os vinha observando ultimamente. Ele os mostrava timidamente quando os seus olhos brilhavam em direção a Hermione. O sorriso dela não era tão contido.
O ar, a água, pode cuspir.
Tirei as luvas, ele se levantou.
- Doeu?
- Não. Sr. Granger... – ele esforçou-se para dizer, apressado, ainda com a boca mole.
Eu esperei, ele não disse. Suas orelhas ficaram muito vermelhas e sua boca apertou-se, talvez para compensar o tempo que passara aberta.
Silêncio.
- Que data escolheram? – perguntei, para ajudá-lo.
Ele não ergueu os olhos.
- Na primavera.
Claro, a primavera. Era sempre a data favorita.
Silêncio. A tensão aumentou. Ainda mais.
Eu sorri e acenei com a cabeça.
- Vocês têm a minha benção.