Capítulo 1 - Perfection
Perfeição.
Esta era a palavra que definia a vida de Harleen Frances Quinzel, ela não poderia ser nada menos que perfeita, era isso que todos esperavam dela desde que podia se lembrar…
Ela era filha de dois membros ilustres de Gotham City. O pai era Charles Quinzel, afiliado as indústrias Wayne, um magnata que mantinha negócios em comum com Thomas Wayne; ambos amigos de longa data e jovens tornaram-se sócios, quando Thomas abriu sua empresa anos mais tarde, pedindo a ajuda de Charles financeiramente, este o ajudou sem hesitar, esta associação tornou-se muito propícia desde seu início.
Quinzel, com seu faro investidor, apostou na ideia de seu amigo, isso lhe rendera bons frutos, fazendo com que o seu investimento aumentasse mais do que o esperado, dobrando sua já tão extensa fortuna que havia herdado de seu falecido pai, dando a sua mulher e filha alto status, contribuindo com que sua esposa Jocelyn tivesse tudo que desejasse. Esta não tinha de realizar nenhum trabalho além de ser esposa e mãe para a pequena Harleen.
A jovem herdara a beleza de sua mãe, com suas feições harmônicas, pele clara, olhos azuis cristalinos e cabelos loiros e sedosos que sempre estavam presos em um coque perfeito no alto da cabeça.
— Isto que você chama de dança, Srta. Quinzel? — chamou-lhe a atenção sua professora de dança, no meio de um ensaio para a seleção de bailarina principal para uma grande apresentação que ocorreria dali a poucos meses, no grande teatro de Gotham, para toda a cidade.
— Desculpe-me, senhorita Porter, mas eu tenho certeza que executei todos os movimentos perfeitamente, não vejo onde possa ter errado.
— Se você acha mesmo que irá chegar a algum lugar com esses passos desengonçados e mal executados, está completamente enganada. Você é de longe nossa pior aquisição, não se engane, querida, você é péssima, mas, por favor, não seja uma completa perda do meu tempo. Faça novamente, só que dessa vez faça com mais dedicação. Entendeu? Aqui queremos a perfeição.
— É claro, senhorita Porter. — disse a moça, abaixando a cabeça perante aos olhos avelãs da coreógrafa.
Aquela não era a primeira vez que Cassandra Porter interrompia sua aula para chamar a atenção da jovem, sempre, desde que entrara naquela sala aos seis anos de idade, há quase dez anos, havia ficado claro que sua professora mostrava descontentamento com a mesma, continuamente Harleen era o alvo das críticas da mulher mais velha:
"Não é dessa forma, você é patética, não seja tão sem graça, tenha postura, assim nunca chegará a lugar nenhum, garotinha sem talento."
Estas eram algumas das observações regadas de ironia que Cassandra dirigia à moça, que jamais entendeu a perseguição que sofria, afinal, como ela poderia saber que no passado a sua atual professora havia perdido o homem que amava, Charles, para a mãe de Harleen?
Como uma forma de afetar a loira, referia-se a ela da pior forma possível, fazendo a auto estima da garota ser cada vez mais baixa; mesmo que ela não tivesse nada a ver com o que ocorrera no passado, a professora sentia-se muito bem em vê-la sentindo-se frustrada.
Era natural da humanidade, não? Rebaixar os outros para sentirem-se superiores, matar as esperanças daqueles que eles sentem inveja e causar dor quando se sentem acuados, como animais que atacam para se proteger. Mas o animal ensandecido e racional que é o ser humano, é diferente; ele age com mais irracionalidade dos que outros animais, sempre levados por suas tais "verdades e justiças" tortas.
Novamente Harleen executou o movimento perfeitamente, fazendo com que a professora revirasse os olhos para a moça, dando continuidade em sua aula. Por mais que a loira soubesse que tinha feito corretamente da primeira vez, refez novamente. Fazia balé clássico desde pequena, era um desejo de sua mãe.
A princípio sentia-se muito empolgada com a dança, mas com o decorrer dos anos fazia isso somente para o agrado de sua progenitora, que se sentia satisfeita em ver a filha no palco. Sempre sonhara em ter uma filha bailarina, sob os holofotes... Por mais que a filha fizesse isso somente para sua aprovação e agrado. Não que ela sequer notasse isso, estava ocupada demais sendo a esposa de um grande magnata e considerada a mulher mais perfeita de Gotham para prestar a atenção na garota, contanto que passassem para todos a imagem de família feliz, isso não importava.
Harleen treinava seis horas por dia, intercalava a dança com os estudos na escola, sendo uma aluna média A+ em todas as matérias, era uma garota exemplar e muito dedicada, queria mostrar a todos que podia ser alguém notável.
Ao fim de mais um longo dia, finalmente, a jovem de quinze anos chegou na mansão que morava, sendo levada até lá pelo motorista particular que o pai havia contratado. Chegando na extensa propriedade sentiu-se leve, sentindo o cheiro de grama e terra recém molhada, era algo acolhedor após um dia longo.
Era um sábado a tarde, passava das cinco, e depois de ter tido suas aulas de equitação e balé, tinha enfim um tempo para desfrutar como quisesse. Ledo engano, pois assim que chegou ao seu quarto viu que sua mãe estava em pé perto de uma poltrona, com um copo de bebida na mão. Ela estava muito bem vestida, trajando um vestido creme, que caía como uma luva em seu corpo perfeito, um pouco abaixo dos joelhos. Em seus pés sapatos de salto quinze de uma cor um pouco mais clara que o vestido, e algumas poucas joias.
Ela era extremamente elegante, bela e jovial para os seus trinta e cinco anos, Harleen sonhava em ser como a mesma quando tivesse a sua idade. Acima de sua cama havia um vestido em tom pastel, e um sapato com salto compunha um visual belo, mas ainda sim algo que a jovem não usaria caso escolhesse, mas nada que usava era de sua escolha e sim de sua mãe.
— Hoje iremos a um jantar na casa dos Wayne, esteja pronta as seis e meia em ponto.
Ela comunicou a menina, saindo do cômodo, deixando os sons do sapato de grife batendo sobre o piso de carvalho. Nem sequer havia perguntado a sua filha se queria ir a tal evento, somente a avisou; isto era algo corriqueiro para a jovem loira, ninguém perguntava sua opinião sobre algo somente diziam-na o que deveria, ou não, fazer, tinha sua vida totalmente regrada, por todos a sua volta.
O seu quarto era decorado com tons pastéis, móveis claros contrastando com a coloração monocromática. No meio do quarto havia uma cama grande de casal com um dossel e um tapete branco felpudo; o closet era abarrotado de roupas, que demarcavam o estilo marcante e elegante de sua progenitora. Ela abriu a janela que dava para sacada, tendo a vista do jardim de rosas brancas, grama verde... Queria estar ali, mas tinha deveres a cumprir, deixou a janela aberta, fazendo com que a luz do sol entrasse no cômodo. Na mesa de estudos tinha um notebook com flores desenhadas por todo ele.
Foi até a segunda porta, que era a do banheiro, havia uma grande banheira, o lavabo, como toda a casa, era extremamente luxuoso e espaçoso; ela retirou as roupas, as depositando no cesto, se dirigindo a banheira, colocando-a para encher e depositou alguns sais de banho. Logo ela entrou, sendo recebida pela água quente em contato com a pele e agradeceu por isso, era muito bom depois de um treino exaustivo de balé.
Enquanto estava ali, imersa na água quente, pensava em todo o seu dia; sua maior vontade era de contestar as ordens que eram dadas a ela sem escolhas. Queria ter sua voz finalmente ouvida, estava cansada de ter sua vida comandada por outros. Por Deus, nem mesmo seu próprio quarto era do jeito que imaginava. Se pudesse tê-lo da forma que quisesse ele teria em seu espaço muito mais cor, mais vida.
Sua existência era um marasmo sem cor, se pudesse defini-la a colocaria em tons cinza sem nenhuma graça, era entediante e patético, afinal. Era curioso o fato de ter tudo a seu dispor, claro, de coisas matérias, mas suas vontade e anseios jamais eram levados em conta, nem mesmo a presença dos pais ela tinha.
Seu pai vivia sempre muito ocupado trabalhando, queria sempre dar tudo a sua família, esquecendo-se do principal, sua presença. Mas quando estava ali demonstrava ser um homem muito carinhoso com sua mulher e filha.
Já Jocelyn tinha bastante tempo disponível, porém quase não ficava na presença da filha, alegando ter coisas mais interessantes e que demandavam sua presença, isto era normal e Harleen entendia. Por mais que gostasse de dividir o tempo com a mulher que considerava seu modelo a ser seguido, só queria que ela fosse mais amável consigo, mas, infelizmente, isto não estava a seu dispor.
Queria tanto ter coragem, queria tanto que a voz em seu interior fosse ouvida... Mas colocou todas as suas vontades dentro de uma caixa e as esqueceu, escolha era um luxo do qual ela não podia ter. Como a boa menina que era, cumpriria a ordem de todos ao redor, para fazê-los felizes enquanto ela permanecia infeliz. Pelo menos isto lhe trazia algum tipo de conforto.
Com esses pensamentos, ela desceu do carro junto de seus pais para um jantar na casa dos Wayne, para mais uma entediante e longa noite sendo novamente a garota perfeita, como as demais noites, como todas as outras de sua vida.
