CAPITULO UM
- Eu pensei que poderia sugerir isso somente a dois piratas: o Capitão Gancho ou para o senhor. – Andreas levanta o queixo de forma desafiadora. – O que sabemos do paradeiro do Capitão? E as más línguas diziam que o senhor havia sido morto por ele. Mas como isso não procede, conto apenas com sua coragem sem concorrência.
- Estou vivo! Fui atirado pela prancha, mas uma sereia salvou-me a vida. Numa brincadeira do destino, o velho Gancho veio negociar comigo, tempos depois. Deu-me esta maravilha de navio encantado e levou um feijão mágico, para conseguir sair deste reino em busca de um amor.
- Oh, muito romântico! Mas o que me trouxe aqui foi outro assunto que o senhor está fazendo o possível para fugir dele.
Barba Negra retira o chapéu e passa a mão pela cabeleira.
- A minha resposta é não.
Andreas sorri desdenhoso.
- Não estou pedindo que o senhor suba ao deque. Apenas peço que me leve o mais próximo que conseguir, daquele navio. Seguirei o restante a nado ou num bote.
- Isso deve alguma brincadeira, garoto. Você não está falando sério. Muitos homens morreram ao tentar roubar o carregamento daquele navio assombrado.
Mordendo o lábio inferior e suspirando impaciente, o rapaz tenta sorrir.
- Eu conheço o histórico do navio Sonhos da Rainha. Tudo o que quero é que me aproxime dele. Eu lhe pagarei bem por isso.
- Andreas ou Colombo como queira ser chamado, eu sei que de onde você tirou este ouro, poderá tirar muito e muito mais. Entretanto, todo o ouro que me oferecer será pouco diante do risco em que colocarei minha tripulação.
Os olhos do rapaz voltam-se para o mar imenso, agora sereno, mas imponente.
- Eu não vou insistir porque não quero aumentar o seu medo. – ele gesticula e os homens que o acompanhavam começam a descer do navio.
- Não diga aos ventos que tive medo de levá-lo ao navio fantasma.
Andreas nega com um movimento do indicador. O pirata percebe a resposta desdenhosa do jovem. Sabe que o Colombo iria incumbir seus "pássaros", como eram chamados seus companheiros de roubo, de espalharem a lenda da covardia do pirata Barba Negra.
- Colombo, espere! – o pirata aproxima da beirada do navio e faz um gesto convidando o ladrão a subir a bordo.
Era uma tarde nublada e pouco amistosa, quando o Jolly Rogers, agora sob o comando do pirata Barba Negra atira a âncora ao mar. Ao longe, todos avistam o pomposo navio em tom terra, conhecido com Sonho da Rainha e temido pela história do desaparecimento de sua tripulação.
Segundo rezava a lenda, o navio levava um carregamento de melado, rum, ópio e ouro, quando foi atingido por algum mistério vindo do mar. Algo aterrorizante envolveu o navio e levou embora toda forma de vida, deixando para trás os objetos inanimados intactos. Desde então, o navio tinha vagado pelos mares e atracado, saindo do porto logo nas primeiras horas do dia, mesmo sem ser guiado. Vários mercenários e piratas tentavam pilhar seu carregamento, mas não eram exitosos e o navio continuava seu rumo aleatório.
- A partir daqui é por sua conta e risco. O bote já está apostos e tomei o cuidado de deixar mantimento e água doce para a sua fuga para uma ilha próxima daqui.
- Não fugirei, Barba.
Andreas ajeita a capa e asserta com um movimento de cabeça. Sem demonstrar emoção alguma, desce do navio e vai para o bote. Sem hesitar afasta-se do navio sob os olhares curiosos e temerosos dos piratas.
Cerca de uma hora depois, o rapaz está parado no deque no navio. Impressionante e limpo, para ser um local abandonado. Sem receio, Andreas começa a andar pelo espaço e a admirar o cuidado na decoração daquele lugar.
Para diante do timão e perde-se em devaneio, ficando ali parado por vários minutos, encantado com os desenhos esculpidos na madeira. Afasta-se e vai conhecer o interior daquela maravilha em forma de navio. Visita todos os compartimentos, aposentos, mas é na sala do capitão que sua alma permite nascer amor e desejo.
Com movimentos lentos e respeitosos, ele toca a capa de cada um dos livros daquelas prateleiras, amando a sensação de ter sob os dedos a frialdade daquele material. Ah, livros! Como seria bom se soubesse lê-los!
- Está admirado ou é mais um querendo roubar?
O som da voz faz com que Andreas quase saia de sua pele. Fecha os olhos para buscar controle, antes de virar-se para saber quem era seu anfitrião.
- Admirando algo que jamais conseguirei possuir. Ele diz para a figura pequena e magra que o olhava sem expressão.
- Por que jamais conseguirá?
- Eu não sei ler e nem escrever. Consigo fazer cálculos, definir mapas, mas nem meu nome, sei desenhar. – Andreas inspira profundamente. Dá alguns passos para frente e estende a mão. – Sou Andreas Verbenas, ao seu dispor!
A jovem estende sua mão enluvada e segura a mão forte do homem.
- O que veio fazer em meu navio?
Ele aponta para as prateleiras.
- Os últimos que conseguiram fugir daqui com vida, contaram sobre a maravilha que é esta coleção de livros, sobretudo, os cartográficos. Minha curiosidade foi aguçada.
- Você veio atrás do carregamento que tenho em meus porões.
Um sorriso largo emoldura a boca pequena do rapaz.
- Por que eu me interessaria por essas porcarias? Quando quero ouro ou ópio, eu simplesmente os roubo. Sou dono de muitas terras e controlo três aldeias do reino. O que eu faria com melado e rum?
A jovem sorri e solta a mão do intruso.
- Eu sou Charlize. Este navio é de meus pais e vivo aqui.
- Vive? – Andreas cruza os braços diante do peito e emoldura o rosto com uma careta engraçada.
A menina dá de ombros.
- Modo de dizer. Eu fico pelos cômodos do navio e o conduzo quando quero ver terra firme.
Com movimentos suaves, Andreas volta-se para as prateleiras e finge estar controlado.
- Todos esses livros...certamente você sabe ler e escrever.
Charlize aproxima-sedo homem e inspira seu aroma cítrico. Cheirava bem, aquele dali!
- Você poderia ser meu aluno, caso queira aprender a ler. Tenho todo o tempo do mundo.
- Acredito que sim. – ele toca um dos livros e o tira da prateleira. – Eu sempre admirei quem consegue ler. Gosto de ouvir os religiosos lendo histórias para as crianças de minhas aldeias. Mas tenho vergonha de admitir que não saiba ler.
Ela estende a mão e retira o livro do controle do homem. Caminha até uma mesa e acomoda-se ali, olhando timidamente para o intruso.
- Seja meu convidado, Andreas Verbenas. Eu o ensinarei o que quiser aprender.
Dois meses inteiros se passam e o navio Sonho da Rainha vagueia por vários lugares, atracando e assombrando quem se aproximava das docas. Andreas saía furtivamente durante a noite e conseguia suprimentos e água doce para o seu sustento, retornando imediatamente ao convívio com a jovem tímida de olhar assustador.
Charlize enche seu coração de amor pelo passageiro, acreditando que a eternidade seria pouco tempo para a convivência com aquele belo homem de cabelos negros e revoltosos. Inflada por este sentimento, a criatura marca-o para a proibição de outros toques em seu corpo. Andreas estava selado para contatos com outras peles.
Naquela noite, o imenso navio aporta numa parte das docas de um vilarejo. Obviamente que a grandiosidade e a fama do navio provocam comoção nas pessoas que frequentavam o local e rapidamente a notícia de sua chegada, é conhecida por todos, inclusive os governantes dali. Mas para a surpresa de todos, horas depois do navio aportar, a figura esguia de um homem é vista preparando a prancha para ligação até a plataforma de desembarque.
Andreas não demonstra alteração alguma. Apenas ajeita sua mochila a tiracolo e começa a descer do navio. Lá embaixo, vários trabalhadores olhavam com espanto e terror. Um fantasma ou um ser humano? Bonito demais para ser qualquer um dos dois.
Durante todo o dia, o visitante permanece naquele vilarejo em busca de suprimentos e o que atraindo a atenção para suas atividades. Lá pelas tantas, Andreas retoma seu rumo para o navio,quando é abordado por um grupo de soldados fortemente armados, trazendo um convite do governante local, para um jantar. Sem hesitar ou temer, o ladrão acompanha sua escolta até a maior casa da região.
- Então, este é o fantasma que aportou em nossas terras?
Andreas alarga um sorriso cínico e despreocupado.
- Estou em boa forma para ser um fantasma, não acha?
- O seu navio é assombrado. Está aterrorizando meus aldeões.
- O navio é real, sou real e meu tempo é real. O que você quer de mim?
O governante apenas esboça um sorriso ainda temeroso.
- O que quer em nossas terras?
- Vim comprar mantimentos e tenho de partir ao cair a noite. Caso eu não retorne, então o navio se tornará mesmo assombrado.
Num gesto do governante, uma jovem surge carregando uma bandeja com duas tocas de bronze, cheias com vinho. Andreas recebe uma e observa o governante segurar a outra.
- Sua descrição é tão conhecida quanto à descrição do navio. Sei quem é você.
- Estou em desvantagem. Não sei quem é você.
- Governo a região e meu nome é Athos. Apenas fiquei preocupado e curioso com a chegada do navio assombrado. Mas quando me disseram que estava sendo comandado por um homem com a descrição do Colombo, cheguei a duvidar da sanidade dos meus informantes. Você se apossou do navio de da carga? Muito morreram por menos que isso!
Uma risada irônica é a resposta do ladrão.
- Tenho interesse no carregamento do navio. Qual é seu preço?
Andreas emoldura uma careta desdenhosa e cruel em seu rosto bonito. Torna-se assombroso com aquele olhar predatório.
- Venha para o navio comigo e terei prazer em entregar a mercadoria, mediante a um bom pagamento.
Athos sente-se guloso. A fama daquele carregamento, sobretudo de ópio e ouro enche sua alma de ganância. Iria blefar, afinal, Andreas estava sozinho e não reagiria contra um grupo de soldados armados.
- Apenas quero que me espere apanhar alguns diamantes.
- Alguns? O valor da mercadoria é imenso e você fala de alguns diamantes? O preço é alto. Está disposto a pagar?
O governante sorri constrangido e maneia a cabeça afirmativamente, entendo o conteúdo da pergunta do ladrão.
Naquela mesma madrugada, o Sonho da Rainha parte em meio ao mar escuro. Nas docas, Andreas sorri maliciosamente e ajeita o capuz sobre a cabeça. Bate levemente no alforje repleto de moedas de ouro e diamantes. Olha o navio afastando-se e levando outro passageiro que oportunamente servira como moeda de troca para sua liberdade. Athos teria acesso a todo carregamento guardado nos porões do navio. Era o seu desejo como governante, então iria fazer ótimo proveito.
