—Amad! Amad! Ele chegou!
Anna estranhou os gritos de Darin, porque Thorin não costumava voltar para casa no meio da tarde. As demais crianças, de quem Anna cuidava durante a tarde, também acharam estranho alguém chegar à creche inesperadamente. Anna indagou:
— Quem chegou, meu filho?
O menino estava entusiasmado:
— Mithrandir, amad! E Bilbo!
As crianças se entreolharam, cochichando:
— Quem?
Anna arregalou os olhos:
— Gandalf...?
Araminta Brandybuck, irmã da pequena Prímula, a amiga mais fiel de Darin, indagou:
— Esse Gandalf é o velho mago, que solta fogos de artifício nas festas de verão?
— Ele mesmo! — confirmou Darin, animado. — Minha mãe o conhece há muito tempo!
Anna indagou:
— E eles estão vindo para cá?
— Estão, Dona Anna! — disse o pequeno Hidelbrand Took, que tinha corrido até a porta. — Seu Bilbo e um homem velho de chapéu pontudo.
Darin concluiu:
— Esse é o Gandalf!
Anna convocou:
— Pessoal, que tal nós nos juntarmos para dar as boas-vindas ao Sr. Bilbo e seu amigo Gandalf? — A sugestão foi recebida com entusiasmo, e ela organizou: — Então vamos todos sentar. E quando eu tocar o apito, vamos dizer bem alto: "Bem-vindo, Sr. Gandalf! Bem-vindo, Sr. Bilbo". Está bem?
— Tá, Dona Anna!
— Então todos se arrumem. Prontos? Esperem o apito.
A porta se abriu, e Anna tocou o apito. Um coro desarmônico, mas entusiasmado, saudou Bilbo e Gandalf. O mago abriu um grande sorriso e respondeu:
— Boa tarde, crianças! Obrigada pela maravilhosa recepção. Vim falar com minha amiga, Anna.
Ela o abraçou:
— Gandalf, que prazer em vê-lo. Quanto tempo, meu amigo!
Ele sorriu:
— Sim, muito tempo. O pequeno Darin era um bebê.
O referido Darin correu até ele:
— Eu me lembro do senhor, Sr. Gandalf! Eu gostava de mexer em sua barba!
Anna exclamou:
— Darin!...
O mago riu-se gostosamente:
— Isso é verdade, rapazinho. É espantoso que se lembre disso.
Darin continuou, excitado:
— E aí fez muito frio, e todos ficaram na casa de tio Bilbo! Pri ficou doente, a mamãe dela também! Amad cuidou de todo mundo. A gente dormia no chão!
Prímula indagou:
— Eu fiquei doente, Dona Anna?
— Foi, sim — confirmou Anna. — Mas logo você ficou boa.
Gandalf disse, sorrindo:
— Eu me lembro de alguns rostos.
O pequeno Ferumbras Took pediu:
— Pode nos contar uma história, Sr. Mago?
— E que história gostaria de ouvir?
Houve uma confusão de vozes, e Anna teve que usar o apito. Quando as crianças se acalmaram, ela pediu:
— Por favor, Gandalf, conte-nos uma história dos Valar. Ildegram, por favor, pegue duas cadeiras para nossos convidados.
Os dois se acomodaram nas cadeiras e o vozeirão de Gandalf logo se ouviu:
— Ah, vocês querem ouvir histórias dos Valar? Oh, eles têm muitas. Vou contar um das minhas preferidas. Vocês sabem como eles povoaram a Terra Média?
— Não.
— Então eu vou lhes contar. Mas essa história é muito antiga. É mais velha que seus tios, seus avós e os avós deles. Na verdade, ela é mais velha do que eu, e isso é uma façanha.
Anna viu os olhinhos grudados no mago e soube que a audiência estava cativa. Ela supervisionou para que todos estivessem confortáveis e prestando atenção enquanto Gandalf explicava como as diferentes raças haviam acordado na Terra Média. Darin ficou no colo de Bilbo.
— Os elfos e homens são chamados filhos de Eru. Aulë criou os anões e deixou-os escondidos debaixo da terra. Sua mulher Yavanna, senhora das plantas e de tudo que cresce na terra, criou os hobbits. Por isso hobbits plantam, criam, cozinham e apreciam tanto a natureza. Yavanna, a Senhora Verde, cuida de todas as plantas e colheitas, e também protege todos os hobbits. Entenderam?
Os pequenos estavam fascinados, e Anna pensou que Gandalf podia ser bem charmoso quando queria. Ela chamou atenção da turma.
— Então vamos agradecer ao Sr. Gandalf pela linda história?
Foi aí que um coro muito entusiasmado e desarmonioso se fez:
— Obrigado, Sr. Gandalf!
O mago sorriu:
— Ora, foi um prazer!
Anna organizou as crianças para voltarem às suas casas, pois a tarde começava a cair e os pais não gostavam que os filhos estivessem fora de casa quando estivesse escuro. Depois que todas se foram, dando adeus e agradecendo a Gandalf e Bilbo, Anna convidou:
— Venham à nossa casa. Quero mostrar Clearwater a Gandalf.
— Clearwater? — repetiu o mago. — O que é isso?
— É nossa casa.
— Vou gostar muito de conhecer. Thorin está trabalhando, suponho.
— Sim, ele fica até um pouco mais tarde enquanto faço o jantar.
Bilbo interveio:
— Hoje o jantar é por minha conta. Gandalf está hospedado em Bag End, e eu gostaria que viessem num jantar de boas-vindas a nosso amigo.
Anna disse:
— Oh, é claro que vamos. Mas gostaria que Gandalf tomasse um chá lá em casa num dia desses.
Gandalf sorriu para ela:
— Adoraria, minha cara.
Bilbo chamou:
— Então é melhor irmos logo tratar do jantar. Vemos vocês mais tarde. Tchau, Darin!
— Tchau, tio Bilbo!
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A noite foi agradável e divertida. Gandalf trouxe notícias de Lórien, Rivendell e Erebor. O rei Fíli inaugurara uma era de prosperidade e paz. Havia muito ainda a reconstruir na montanha, mas Erebor esperava mais uma vez se tornar o impulso motor de progresso e riquezas, incluindo Nova Dale, a reconstruída cidade dos homens. As relações com os elfos silvestres haviam melhorado muito, ao menos a julgar pelo entusiasmo compartilhado entre os dois capitães da guarda, Kíli e Tauriel. Thorin pareceu desconfortável com a informação, mas Anna lançou-lhe um olhar e o ex-rei se absteve de fazer comentários.
— E você, meu jovem? — O mago dirigiu-se a Darin. — Ouvi dizer que sua última visita causou um alvoroço e tanto na casa de Lord Elrond.
Darin sorriu e assentiu com a cabeça, tímido. Anna incentivou:
— Lembra, meu filho? Você estava diferente.
Os olhinhos dele brilharam, e ele completou:
— É, eu estava diferente! Mas aí o tio Elrond soltou uma luzinha e eu não fiquei mais diferente.
Gandalf indagou:
— Você ficou com medo, Darin?
— Um pouquinho — disse ele. — Mas aí a mamãe falou comigo dentro da minha cabeça, e foi tão legal!
O mago cinzento virou-se para Anna, que deu de ombros:
— Foi uma coisa de momento. Não fazemos isso sempre porque papai não consegue ouvir, Bilbo também não.
O pequeno se lembrou:
— Eu vi meu amigo, o menino. E Atiel também.
— Que menino?
Anna respondeu:
— Estel.
Darin concordou:
— É, o 'Stel!
Anna comentou:
— Darin sempre teve verdadeira fascinação por Estel.
O mago comentou:
— Oh, acredito que esse nome não signifique mais nada para ele. Desde que entrou para os Rangers, ele é conhecido como Strider.
Thorin comentou:
— Sempre achei curioso ver um menino da raça dos homens entre os elfos. Imagino que haja uma história e tanto aí.
Gandalf encarou Anna ao responder:
— Oh, sim, é uma história e tanto. Mas não cabe a mim contá-la...
Anna entendeu o recado de Gandalf e virou-se para Darin, disfarçando:
— Filhinho, quer mais um pouco de brócoli?
Bilbo indagou:
— Quem quer mais vinho?
Gandalf aceitou mais um pouco e comentou:
— Oh, isso me faz lembrar: Anna, trago uma encomenda de Lady Galadriel. Ela mandou uma ânfora de água para você e o pequeno Darin. Lord Elrond disse para usar da maneira que já conhece: um copo antes de dormir.
— Aguinha! — exclamou Darin, animado. — Eu me lembro da aguinha!
Gandalf sorriu, dizendo:
— É claro, meu garoto.
Anna comentou:
— Bilbo, seu assado está excelente, como sempre. Obrigada.
— Oh, é um prazer. Não é sempre que cozinho para mais gente.
— Oh, bem — sorriu Gandalf, antes de bebericar seu vinho. — Então agora estão vivendo a vida de maneira simples e quieta. Como tem se adaptado, Thorin?
O ex-rei sob a montanha deu um largo sorriso e trocou um olhar com Anna antes de responder:
— Eu me adaptei muito bem, com a graça de Mahal. A vida é boa.
O mago provocou:
— Nada mais de aventuras, não é?
Anna retorquiu:
— Que quer dizer? Agora é que estamos vivendo as maiores aventuras: criar uma criança.
— Falou bem — admitiu Gandalf. — Aceito a correção, diante de um argumento tão contundente.
Bilbo disse:
— Estou pensando em me dedicar a escrever sobre as nossas aventuras. Poderia incluir mapas e figuras, como ilustração.
— Que bela ideia, Bilbo — disse Anna. — Aposto como será um livro memorável.
Gandalf observou:
— Você teve mesmo uma ideia magnífica. E fazer mapas será útil.
— Talvez você possa me ajudar, Thorin — disse o hobbit. — Afinal, você conhece bem os caminhos da Estrada Verde a partir das Montanhas Azuis.
— Será um prazer.
Darin reclamou:
— Amad, tenho sono.
— Tem razão, meu amor — disse Anna, beijando o topo de sua cabeça. — Já está na sua hora de dormir. Dê boa-noite a Bilbo e ao Sr. Gandalf.
O menino disse:
— Boa-noite, Bilbo. Boa noite, Sr. Gandalf.
— Durma bem, Darin.
Anna também se despediu, erguendo-se:
— Vou colocar esse rapazinho na cama e depois também vou me recolher. Thorin, por que não desfruta de um cachimbo com nossos amigos?
— Você não se importa de ir sozinha para casa?
— Claro que não. Há uma lua bonita: o caminho está iluminado. E amanhã espero você, Gandalf, para o lanche da tarde.
— Irei com muito prazer. Pedirei a Thorin que leve a ânfora com a água de Lórien — disse o mago. — Boa noite a vocês dois, e espero ansioso por nosso lanche de amanhã.
Anna levou Darin e pôs-se a planejar o que fazer para o lanche do dia seguinte. Mal sabia ela que comida seria a última de suas preocupações.
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O dia seguinte foi cheio de atividades. Sem batedeira, liquidificador ou fogão a gás, Anna teve trabalho, mas fez um lindo bolo de nozes e biscoitinhos de gengibre, além de pãezinhos de batata. Ela já tinha feito essas coisas antes, claro, mas toda vez que se metia na cozinha batia saudade de aparelhos eletrodomésticos de seu mundo de origem. Na hora do almoço, depois de avisar às crianças e seus pais que não haveria seu encontro costumeiro, ela foi à forja levar o almoço de Thorin e lembrá-lo de terminar suas atividades mais cedo para o lanche.
— Olá, meu amor — saudou ela. — Trouxe almoço.
Thorin parou de aplainar uma tábua de madeira e indagou:
— Você deixou Darin sozinho em casa?
— Não — respondeu Anna, desfazendo a trouxinha. — Deixei que ele passasse o dia na casa de Mirabella Brandybuck. Você sabe como ele é fascinado pelas crianças dela. E eu precisava me concentrar para preparar os quitutes para o lanche.
O anão lavou-se no barril separado para este fim, dizendo:
— Isso é verdade.
Anna reparou:
— A forja está fria. Você decidiu não trabalhar hoje?
— Não com o fogo aceso, já que teria de terminar mais cedo. Achei melhor trabalhar na estrutura da forja e reforçar algumas tábuas das mesas para o trabalho.
— Isso quer dizer que tem mais tempo para almoçar? Porque eu vim almoçar com você, meu amor.
Ele sorriu para a esposa, abraçando-a:
— E o almoço pode ficar ainda mais saboroso...
Anna sentiu as mãos do marido a percorrerem seu corpo e indagou:
— Marido... Está pensando o que eu acho que está pensando?
— E por que não? — indagou ele, cheio de insinuações. — Qual foi a última vez que estivemos tranquilos para nos desfrutar sem nos preocuparmos com o pequeno?
Anna lembrou, divertida:
— Ontem à noite você não parecia preocupado com Darin. Quer voltar para a casa?
Thorin a apertou contra si, pregando-lhe uma série de beijos no pescoço, respondendo:
— E por que não aqui mesmo?
Anna arregalou os olhos:
— Aqui?! Thorin, estamos praticamente em público!...
Ele apenas sorriu:
— Não fica bem mais excitante?
A verdade é que os carinhos de Thorin faziam Anna perder rapidamente a capacidade de raciocínio. Ela respondia aos beijos e abraços, ainda tentando fazê-lo ver a razão - mas sem muita convicção:
— Que loucura...! Alguém pode nos ver...!
Num gesto brusco, Thorin se interrompeu e olhou-a nos olhos, sério e profundo como só ele sabia ser:
— Ghivashel, eu jamais farei qualquer coisa contra sua vontade. Quer que eu pare o que estou fazendo?
Sem pestanejar, Anna respondeu:
— É claro que não, amor de minha vida...
Thorin a apertou em seus braços e deu-lhe um beijo profundo e apaixonado que aumentou ainda mais a temperatura dos dois, incendiando os procedimentos. Anna sentia seu corpo arder de desejo pelo marido, que sabia como deixá-la ainda mais excitada.
Quando suas mãos se puseram a afastar as roupas dele, procurando liberar mais pele, ele a puxou:
— Venha, aqui é mais escondido.
Durante muitos minutos, porém, a atenção de Anna estava ocupada em uma série de outras coisas que não eram a exposição pública de suas atividades. Ao que tudo indicava, os habitantes da região se ocupavam de sua refeição - e comida sempre era uma das prioridades de qualquer hobbit que se prezasse.
Mais tarde, o casal (já recomposto) pôde desfrutar de seu almoço e fazer uma pausa em seguida. Ambos estavam deitados na sombra de uma nogueira, abraçados na tarde quente. Thorin sorria de maneira positivamente indecente quando comentou:
— Parece que a nova tábua é resistente a mais peso do que eu imaginava.
Anna enrubesceu ao dizer:
— Ainda bem, ou Darin iria perguntar como nós dois conseguimos nos machucar ao mesmo tempo. — Thorin deu uma risada e Anna completou: — Mas teria valido a pena. Foi inesperado e libidinoso, mas muito prazeroso, marido. Obrigada.
O ferreiro maroto deu de ombros, numa falsa modéstia despretensiosa.
— Qualquer coisa para deixar minha ghivasha contente.
Ela riu, escandalizada:
— Seu devasso...!
— Sim, sou devasso, mas sou totalmente seu. Nunca senti por ninguém o que sinto por você, ukurduh. Nunca vou parar de agradecer Mahal por ter colocado você no meu caminho.
Anna o encarou, fitando os olhos azuis que tanto amava. Havia neles uma emoção profunda, uma capaz de se igualar ao grande amor que sentia pelo marido. Confessou:
— Tem muitas ocasiões em que ainda não acredito ser sua mulher ou ter uma família com você. Muitos meses imaginei que meu futuro seria solitário. Por isso é que agradeço a todos os deuses de Arda pela vida que temos, pelo nosso filho, por ter você a meu lado. Erebor perdeu um grande rei, mas eu tenho meu amor a meu lado, um privilégio o qual ainda não sei por onde fiz por merecer. Eu amo você e Darin mais do que a mim mesma.
Thorin beijou-a profundamente, antes de dizer:
— Durante o tempo em que eu acreditava vocês dois mortos, eu também sentia que apenas metade de mim vivia. Eu nunca imaginei haver uma desgraça pior do que ser expulso de sua própria casa por um dragão que cospe fogo, mas a realidade provou o quanto eu estava errado. Quando você apareceu, mostrando estar viva (*), eu sabia que não poderia viver em outro lugar que não a seu lado, ämralimë.
Anna descansou a cabeça no peito do marido, lembrando os tempos difíceis que passou longe do seu grande amor:
— Eu voei até Erebor por não poder mais suportar a dor que sua ausência me causava, uzbaduh. Não sei como imaginei que pudesse viver longe de você. Eu também não imaginava que você renunciasse a seu lar. Eu nunca quis impôr a você uma escolha entre mim e seu reino.
— Não havia escolha, ghivashel. Já expliquei que eu não reinava, não vivia. Agora estou vivo, estou feliz. — Thorin beijou a mão dela. — Estou com você.
Anna confessou:
— Gandalf levantou um assunto que me preocupa: você sente falta de aventuras e emoções? Essa nossa vidinha caseira é aborrecida para você?
Thorin garantiu:
— Não menti para o mago: a vida é boa. Tenho uma casa, uma família, um trabalho que gosto... Deve parar de se preocupar com isso, minha esposa. Eu estou feliz.
Anna o beijou, antes de dizer:
— Desculpe se me preocupo, marido. Só quero sua felicidade. Por isso, eu pensei em lhe fazer uma proposta.
— Proposta?
— Agora que Darin já está mais velho, podíamos pensar em visitar Erebor. Você deve estar com saudades da família: eu também estou.
Thorin a encarou:
— Fala sério?
— É claro que sim. Iríamos de águia e poderíamos parar no caminho, ver os amigos: Beorn, Lord Gwaihir...
— Mas como apareceríamos na montanha? Todos pensam que você morreu.
— Talvez seja melhor que saibam a verdade. Não gosto de mentir. — Ela se levantou. — De qualquer modo, podemos discutir isso depois. Agora é melhor nos prepararmos para o lanche com Gandalf. Aquele mago é louco por doces.
(*) Ver "Vida em Erebor"
Palavras em Khuzdul
Amad = mãe
Ghivasha = tesouro
Ghivashel = tesouro de todos os tesouros
ukurduh = meu coração
Uzbaduh = meu rei
ämralimë = meu amor
