Disclaimer: A palavra "fanfiction" tem "fan" nela por um muito bom motivo.
Notas: (terceira versão desta fic) Eu sei que há ou vai sair o filme da saga de Zeus, mas nesta fic, esses delírios é como se não existissem. Isto começa logo a seguir ao final da saga de Hades. Outra coisa: qualquer semelhança com a Mitologia grega que aqui encontrem é (quase) pura coincidência. Só peguei nos nomes e fiz o que me deu na telha com eles. Acho que é tudo... espero que gostem!



A TORRE DOS VENTOS
Memórias Sem Tempo

Naquele dia cinzento, caía uma torrente de água, que fustigava as construções de mármore como que castigando-as por ocuparem território que não era seu. Longas e violentas, as gotas tudo faziam para quebrar as colunas e mosaicos de pedra no seu caminho, pois os céus eram o domínio das nuvens, ventos, chuvas e relâmpagos, e intrusões não seriam admitidas. Por seu turno, as rochas, brancas e polidas até exaustiva perfeição, não faziam frente às águas, conscientes que nada podiam fazer contra elas, e vingavam-se portanto em quem estava ao seu alcance.

Sentado no chão e encostado a uma coluna particularmente grossa, um jovem encolhia-se, procurando abrigo da chuva implacável sem grande sucesso. As suas roupas eram cinzentas e ralas, gastas pelo uso e idade, e pouco faziam para o aquecer. Antes pelo contrário, a água ensopava-se e entranhava-se. Dos seus cabelos, distinguia-se apenas uma massa revolta de azul outrora cristalino, suja e emaranhada. Segurava as pernas dobradas à frente do peito, protegendo-se do frio como podia, e escondia a face por detrás dos joelhos. Era magro, mas podiam distinguir-se claramente os músculos trabalhados nos braços descobertos.

Um tremor percorreu o adolescente da cabeça aos pés, e ele levantou a cabeça para inspirar uma lufada do ar com dificuldade. O frio e a humidade arranhavam-lhe a garganta, mas ele não se importava. Uma rabanada de vento afastou-lhe os cabelos da cara, tornando visível a expressão de angústia nela inscrita. Rosto tornado castanho pela poeira, duas faixas que desciam dos olhos ao queixo deixavam ver que na realidade ele era bastante pálido. O azul níveo dos olhos, pronto a falar de tudo a que tinha assistido, também se encontrava manchado de vermelho pelos vasos sanguíneos dilatados, dando a entender que há já algum tempo que estava a chorar sozinho. Voltou a enterrar a cabeça nos braços e ali ficou à espera, sentado, sem saber do quê.

Durante muito tempo, os seus soluços perderam-se na tempestade que caía cada vez com mais violência por cima dele e o choro não dava indicações de alguma vez parar. Antes pelo contrário, quanto mais o vento uivava e a chuva bradava, mais ele se intensificava.

Dias passaram-se e deram lugar a noites, que retomavam o ciclo pouco depois. De cada vez que o Sol iluminava a terra, a paisagem descoberta não se alterava; a tempestade não passara e o jovem não se movera do seu precário abrigo, ensopado e enregelado até aos ossos.

Até que um dia o Sol se pôs e não se levantou.

Muito tempo passou, até que o lamentoso se desse conta da mudança, mas pouco a pouco a curiosidade tomou conta dele e o mau tempo foi-se abatendo. Quando por fim ergueu a cabeça, a chuva tinha parado e a Lua brilhava gentil do seu lugar junto às estrelas. A sua luz morna reflectia-se nas poças de água que enchiam o lugar. Viu que uma mulher o observava a alguma distância por detrás de uma cortina de longos cabelos negros. Vestida inteiramente de preto e sorrindo docemente, estendia-lhe uma mão banhada de luar em convite.

Ele conhecia-a, já a tinha visto muitas vezes antes, mas nunca de semelhante forma. Lembrava-se dela como sendo arisca e fria, não como carinhosa ou preocupada, e teve subitamente medo que ela o fosse magoar ainda mais, piorar o que os outros tinham feito. Mas o sorriso dela não tinha réstia de malícia, e ele sentiu uma súbita urgência em se lançar aos braços dela e esquecer tudo o que sabia. Fora escorraçado por todos e a solidão estava a matá-lo a pouco e pouco, mas conteve-se, temendo o que poderia acontecer se seguisse o impulso.

Afinal, ela era amiga dos outros. Porque haveria de ser diferente deles?

Muito lentamente, o rapaz esticou as pernas à sua frente e desencostou-se da coluna que nada tinha feito para o proteger dos elementos. Em seguida, varreu os cabelos da frente dos olhos, revelando um olhar penetrante mas cauteloso, fixo na mulher. Levantou-se e, com passos incertos, aproximou-se dela. Parou antes de chegar perto demais para estar ao seu alcance.

— Tanta miséria, tanta incerteza... porquê, filho da Montanha? — perguntou ela num tom sussurrado. Nada nela fazia crer que momentos antes uma tempestade clamara ódio ao mundo naquele mesmo sítio. A sua expressão era serena e transmitia apenas tristeza e preocupação por o que o jovem tinha passado. Os sentimentos dele, porém, estavam longe disso.

— "Porquê", perguntas tu...? — O seu discurso era ríspido e amargo como o temporal, mas isso não a desterrou. — Devias saber, ou será o meu caso tão insignificante que não é merecedor da tua atenção?

— Ódio, raiva; são sentimentos poderosos, mas não conduzem a nada. Os seus caminhos são becos sem saída e sem retorno. — Ela deu um passo em frente, mas ele prontamente recuou e restaurou a distância.

— Não preciso das tuas lições vazias, pois finalmente sei a verdade! E a verdade é que vocês pouco se importam com o que acontece fora dos vossos templos e palácios! Estão tão centrados em vós mesmos que se esqueceram que existe um mundo lá fora, que tem uma vontade própria e que não se resigna a ser manipulado!

— Falas como se não pertencesses ao nosso mundo e no entanto...

— E não pertenço! Recuso-me! Renego-o!

O silêncio estendeu-se, repercutindo as exclamações vigorosas do jovem. Até há momentos atrás, nada fizera senão lamentar o castigo que lhe fora imposto por desafiar os seus superiores e agora, aqui estava ele, discutindo com esta mulher e dando-lhe a crer que nunca cederia na sua posição, que manteria corajosamente as suas convicções e que agiria segundo elas. "Quão cobarde és", pensou para si, "que só o és capaz de fazer quando nenhum dos Grandes está presente."

Uma brisa quente despenteou-lhe ainda mais os cabelos e ele escondeu a cabeça em vergonha, subitamente envergonhado por enfrentar a mulher que tinha vindo ao seu encontro.

— Quer queiras quer não, filho da Montanha, a verdade é que pertences. Agora mais que nunca — disse ela, dando um passo em frente e repousando a mão no ombro dele. Depois, continuou a falar lenta e melodiosamente. — Mas isso não quer dizer que tenhas de concordar com tudo o que aqui se passa. Muitos são os que se desafiam mutuamente e tu tens apenas que encontrar o teu lugar. Ficarás surpreendido em ver que há muitos que partilham a tua opinião.

— E de que me serve isso? — replicou rancorosamente. — Por acaso alguém me defendeu quando Zeus passou o seu castigo? Fui condenado a servir, a ser para sempre uma entidade obscura cuja palavra pouco ou nenhum peso tem nos assuntos dos deuses! – Um rio de frustração ameaçava transbordar daqueles olhos glaciares, mas por enquanto apenas algumas gotas escorreram. — Não foi esta a posição para que tanto lutei e sofri antes de aqui chegar!

— A tua luta não foi em vão, nem caiu o teu apelo em ouvidos surdos. E cegos são os que não reconhecem o teu valor e o da tua palavra, Aeolus! Perdoa-me por não ter estado presente quando de mim necessitaste...

Largando o ombro, ela abriu lhe os braços, em novo convite. Desta vez, ele não hesitou e perdeu-se em lágrimas desesperadas no negro profundo do seu vestido.

— Por acaso sabes a quem devo prestar contas de agora em diante, Nix? — Perguntou quando sentiu que a força o voltava a encher, agora que estava junto e pronto a aceitar a presença tranquilizadora e fortificante desta mulher.

— Cheguei a tempo de interferir nessa decisão. — Olhos esperançosos voltaram-se para ela, mas ela sorriu tristemente. — Não permitiram que eu tomasse esse lugar, não tenho poder suficiente para isso. Mas consegui fazer com que Hermes fosse o escolhido.

Esta declaração encontrou apenas dúvida da parte de Aeolus. Libertando-se do abraço, ele adoptou um olhar questionador. Que tinha Hermes de melhor que qualquer outro? Ela leu a pergunta, e respondeu-lhe convictamente.

— Hermes sempre foi meu amigo e sei que encontrarás nele um amigo e um aliado que sempre te dará bons conselhos. Acredita em mim quando te digo que este assunto está longe de terminado. A partir de agora é que a tua luta vai realmente começar e tu tens de te preparar para isso, filho da Montanha.

— Porque me chamas isso? — A única resposta que teve foi um sorriso misterioso e embora não tivesse respostas nem expectativas para o que o futuro traria, ele compreendeu pela primeira vez o verdadeiro significado dos mistérios em que Nix se envolvia. E isso deu-lhe mais conforto e segurança do que qualquer outra coisa. Encontrara uma aliada.


Próximo capítulo...
Prólogo