Autoria:Celi Barbosa [CeliYep]
Título: Controle Título do Capítulo: Observações
Tipo: POV / Short / Romance / Humor / Drama. Classificação: T
[20-03-12]


Aviso 1: Puramente POV; ou seja, segue um ponto de vista, no entanto, não de Winston como na obra original.
Aviso 2: Utilizei alguns trechos da obra original, assim sendo, contém revelações sobre o enredo (spoilers).


IMPORTANTE: Os nomes das personagens utilizadas nesta narrativa foram retirados do livro "1984", da autoria de George Orwel. Os fatos mencionados a seguir seguem um ponto de vista oposto a obra original, mas com a utilização das personagens e trechos;


Controle

Capítulo 01 - Observações

"Das profundezas do mar
Ao topo das árvores
A cadeira de um menino preguiçoso
"Olhando para uma tela prateada"

[7ª estrofe/ Idiot Box – Incubus]

Andara observando-o...

Tão recluso quanto os demais funcionários do Departamento de Registros, mas alguma coisa em seu olhar, ou mesmo em seus gestos, transpassava uma sensação peculiar, algo semelhante a um conflito interno... Uma luz de consciência que julgara inexistente àqueles que foram agregados ao partido.

Sempre fora curiosa. Muito antes de ingressar na escola ou nos espiões, já conseguia, ou ao menos tentava descobrir o que se passava em cada mente, isso de acordo com uma súbita mudança no globo ocular ou na respiração.

E ali estava... Sentada atrás dele durante "Dois Minutos de ódio"[1]; no colossal refeitório de paredes laminadas e cinzentas, repleto de mesas igualmente lúgubres e que mais pareciam latas estiradas e moldadas.

Enfatizava veementemente todas as injúrias coletivas proferidas para a teletela [2] que exibia o rosto deveras odiado de Goldstein[3], o rosto judaico, magro, com um grande halo de cabelo branco esgrouvinhado e um pequeno cavanhaque*; Não só proferira, mas também criara tantas outras sendo seguida com fervor pelos demais... Exceto por ele, que mantinha-se impassivo.

Lançara ferozmente contra a teletela um pesado dicionário de Novilíngua. Então, como se atento a seu ímpeto, ele desfez a impassividade e acompanhou os demais: gritando e batendo os calcanhares violentamente contra a travessa da cadeira.

Então "Dois Minutos de Ódio" alcançou seu ápice nos trinta segundos finais. A massa de funcionários do Ministério parecia estar na mesa sintonia de ódio, como empoados por um alucinógeno deveras eficaz.

Desejara projetar seu corpo para frente e com a própria faixa escarlate, que trazia a cintura, envolver ferozmente o pescoço alvo a sua frente. A seus olhos, tão incrivelmente atrativo e vulnerável... Uma figura miúda, frágil... Tendo a magreza realçada pelo macacão azul que era o uniforme do Partido. Mas mesmo no ápice de sua palidez era belo, o cabelo muito louro, a face com tons rubros, que mesmo não estando à vista por completo, evidenciava-se.

Sim... Ele era belo. E ansiava tomá-lo para si, fazê-lo seu, como nunca antes quis outro ser. E o odiava por assim não ser.

Observara-o atentamente até o momento em que o tinido estridente de clarins anunciara a aparição d'O Grande Irmão [4]. Goldstein se fora e com ele suas palavras vorazes.

A figura hostil, para alívio geral, deu lugar a face benevolente e incrivelmente apaziguadora d'O Grande Irmão, de cabelos e bigodes negros, cheio de força e de misteriosa calma, estendendo-a de forma enigmática aos demais. De fato, as palavras proferidas não foram ouvidas, eram meros incentivos, característicos do combate. Como fora sua aparição, o rosto largo d'O Grande Irmão sumiu e em seu lugar apareceram as três divisas d'O Partido, em maiúsculas, em negrito**:

GUERRA É PAZ

LIBERDADE É ESCRAVIDÃO

IGNORÂNCIA É FORÇA

Era necessário continuar a fingir, mesmo tendo em mente, injurias imensas, não relacionadas aos inimigos d'O Partido, mas diretamente ao Partido, tamanha sua contrariedade para com as imposições, em especial a da ignorância. No entanto, o fingimento era a garantia da sobrevivência, não ser descoberta pela Polícia do Pensamento e a não estadia no Ministério do Amor, onde sem dúvidas seria torturada até a morte, senão lhe acontece algo pior.

Lançou-se sobre o espaldar da cadeira e com uma voz embargada, para enfatizar sua emoção bradou suficiente audível "Meu salvador" dirigindo-se ao Grande Irmão.

"O Ódio" chegara ao fim, então o trabalho haveria de recomeçar. Ergue-se da cadeira e junto a outras moças dirigiu-se ao Departamento de Ficção, onde tinha por responsabilidade produzir novelas medíocres para os proles, a classe de trabalhadores desvinculadas ao Partido, e como os demais funcionário do Ministério da Verdade, alterar a realidade para àquilo que melhor aprouver aos interesses partidários. Deveras contraditório mas igualmente incontestável.

Vislumbrou a silhueta masculina esguia deslocar-se para o corredor do Departamento de Registros.

"Ele"... Procurar anteriormente e agora dispunha de conhecimento suficiente para saber seu nome e sua função no Ministério.

Smith era seu nome, Winston Smith. E tinha por função a reedição e alguns publicação nos exemplares do "Times", o jornal oficial da Oceania. Lera secretamente algumas de suas publicações e interessara-se ainda mais.

Não ousou segui-lo, levantaria suspeitas e ela mesma já estava sendo seguida pelas incontáveis Teletelas incrustadas às paredes. Seguiu então seu caminho até o prédio ficcional enquanto confabulava formas e fazer contato com Winston.

"TV, o que eu preciso?
Me diga no que acreditar
Qual a utilidade de autonomia
Quando um botão faz tudo?"
[2ª estrofe/ Idiota Box – Incubus]


[1] Dois Minutos de Ódio – Programa d'O Partido que tinha por função incitar os partidários ao ódio irrefreável para com Goldstein, o inimigo do povo. Utilizando as palavras do mesmo.

[2] Teletela – Palavra em Novilíngua referente a uma placa metálica retangular semelhante a um espelho fosco, embutido na parede de cada um dos funcionários do Partido. O aparelho além de emitir imagens e sons; vigiava (por meio da Polícia do Pensamento) constantemente os seus possuidores.

[3] Goldstein- Inimigo declarado "d'O Partido"; denunciava a ditadura imposta, exigia secar fogo e a declaração da paz, advogava a liberdade: da palavra, de imprensa, de reunião, de pensamento, enfim, sua linha de pensamento diferia da imposta.

[4] O Grande Irmão (The Big Brother) – chefe supremo d'O Partido. Vigiava os indivíduos, mantendo assim, um sistema de coesão interna, obtida não somente pela opressão, mas também pela construção de um idioma totalitário, a Noviííngua (idioma criado pelo Partido para, impedir qualquer opinião contrária a ideologia partidária.

* A descrição física de Goldstein consta na pág. 14, cap. 01, "1984 – George Orwell".

** A descrição física d'O Grande Irmão bem como alguns trechos, encontram-se na pág. 18, cap. 01, "1984 – George Orwell"


N/A: *Fechando os olhos, cruzando os dedos e entoando um "mantra"* Que não seja enfadonho, que não seja enfadonho...
Bem... esta historinha consumiu minha mente durante semanas, me vi num momento "e se o ponto de vista não fosse de Winston, como as coisas seriam?";
Eu realmente me assusto, realmente, toda vez que leio a tradução de uma música de Incubus; inicialmente gostei da banda pela sonoridade, e afins, no entanto, cada composição parece se adequar a algo que eu conheço, penso, leio, faço. Deus do céu.
Pois bem,aí saiu, né? haha.
Está prontinha, se não faltar a coragem será postada por completo até o final de semana, uhushus.

[20-03-12]