Capítulo 1 - Fuga

– Você não irá me machucar – afirmou Sansa. Sandor a olhava de forma terna e cansada.

– Não, passarinho, eu não irei te machucar – sussurrou, abaixando a cabeça e dando um longo suspiro.

Sandor andou até a porta do quarto de Sansa.

Sansa olhou para a boneca em suas mãos. Sandor havia lhe dado a chance de voltar para Winterfell. Disse que a levaria em segurança para casa e para sua família. Era a chance que tinha de sair daquele inferno que destruíra sua vida.

Mas e se desse mais problemas? Stannis não iria machucá-la. Ou iria? E se, por algum motivo, os Lannisters ganhassem a batalha? Se os Lannister perdessem, eles seriam mortos ou fugiriam. Eles não se importariam em levá-la junto. Mas e se levassem? E se fosse obrigada a ir para Rochedo Casterly?

Muitas perguntas se passavam na cabeça de Sansa e ela decidiu que o melhor era arriscar. Ela estava perdida em Porto Real e não faria diferença se perder na floresta com Sandor.

Antes que Sandor abrisse a porta para ir embora, ela foi até ele e tocou seu braço. O gigante olhou para o toque e depois para seus olhos.

Sansa voltou para pegar alguns pertences necessários. A boneca que o pai lhe dera já estava em suas mãos. Pegou todas as joias que havia e algumas roupas que gostava.

– Deixe os vestidos aí, Passarinho – disse Sandor, percebendo o que ela estava fazendo. – Leve somente as joias.

Sansa parou de arrumar seus vestidos. Pegou apenas sua capa, o embrulho com as joias e a boneca e virou-se para Sandor, olhando-o nos olhos, tentando mostrar que, naquele momento, ela confiava nele. Ele relaxou o semblante e abriu a porta, ainda olhando-a. Juntos, saíram do quarto e do castelo que era como uma prisão para Sansa.

Sandor ajudou Sansa a montar no cavalo e montou atrás dela. Ajeitou a menina na sela do animal, passando as mãos em torno dela para segurar as rédeas. Sansa estava tensa e Sandor percebeu. Ele não sabia como relaxá-la. E nem havia como. Iriam fugir no meio de uma batalha. Ele seria um desertor e ela seria, para sempre, a filha de um traidor. Eram motivos suficientes para terem as cabeças cortadas.

Sandor bateu as pernas para o cavalo andar. Logo, ele estavam correndo ao vento e fogo, Sandor com a espada nas mãos, pronto para qualquer conflito no caminho. Ele precisou golpear algumas pessoas para que pudessem passar. Matou dois guardas próximos ao portão do castelo que tentaram impedi-lo de fugir.

A batalha acontecia diante dos olhos de Sansa. O cheiro de sangue, morte e fogo subia-lhe as narinas. O esverdeado do fogo se misturava com os cavaleiros que se golpeavam. Ou atacavam ou morriam. Sansa, com seus 16 anos, nunca vira uma batalha tão de perto. Mas seus olhos nunca se esqueceriam dessa primeira vez. Ela sofria a cada sangue que espirrava, a cada espada enterrada, cada cabeça cortada, cada grito de horror e de dor. Tudo a fazia lembrar seu pai. Quase tão horripilante quanto ver seu pai morrer.

As cenas e o sacolejar do cavalo a enjoavam. Ela não podia desviar o olhar, as cenas estavam ao redor. Sandor golpeou um homem pelo pescoço e Sansa nem pôde desviar o olhar. Aconteceu tão próxima a ela que o sangue do homem espirrou em direção ao vestido e mãos de Sansa. Ela arregalou os olhos, em choque com o sangue em seu vestido.

Sandor percebeu o quão horrorizada a menina estava logo depois de golpear o rapaz. Tão jovem para ver tanto sofrimento. O sangue espirrou em sua armadura, mas o ferro não o deixava sentir. O vestido de Sansa estava manchado de sangue e ele sabia o quanto isso a tirava de seu mundo fantasioso. Com o braço que usava a espada, Sandor aproximou o corpo de Sansa para si e a fez encostar a cabeça em seu peito, o único lugar para onde ela podia desviar seus olhos.

Aproveitando a deixa, Sansa levantou o capuz da capa sobre o rosto e envolveu os braços ao redor do corpo de Sandor, apertando a armadura por cima das costas. Não podia ver o mundo afora, e ninguém poderia vê-la. Deixou que algumas lágrimas caíssem.

Partiram pela Estrada do Rei, mas logo se infiltraram pela floresta. Sandor queria fugir o mais distante de Porto Real e evitar o que pudesse levá-lo de volta àquele inferno. Cavalgar pela Estrada do Rei seria um erro e desviou de caminho, entrando na mata fechada.

Sansa sentia o cavalo correndo. Ainda se agarrava a Sandor, com o rosto na armadura dele e sabia que ele ainda mantinha a espada em mãos.

Mais de uma hora se passou. O cavalo ainda corria, Sandor ainda se sentia transtornado e disposto a partir o mais rápido e longe possível. Ele mantinha os olhos ao horizonte, tentando enxergar alguma coisa na mata fechada. Confiava no instinto de seu cavalo. O sangue na espada já secara e o suor corria de seu rosto.

Foi quando Sansa levantou a cabeça, afrouxando o abraço. Ela viu os olhos vidrados e arregalados de Sandor, percebendo o quanto ele estava perturbado. Ela sentiu um súbito medo do que poderia acontecer, mas não tinha para onde fugir. Sansa já fugia.

– Cão? – Sansa chamou baixinho, sua voz entrecortada e abafada pelos cascos do cavalo. Ele não respondeu. – Cão? – tentou mais alto, ainda sem resposta. O cavalo corria cada vez mais rápido e sentia-se como se nunca fosse parar. – SANDOR

Com o grito de Sansa, Sandor puxou as rédeas com força, o cavalo relinchou e parou bruscamente, fazendo Sansa bater com o rosto na armadura do cavaleiro. Sandor segurou Sansa para que não caísse. Olhou ao redor, os olhos ainda arregalados.

– Cão?

Foi quando seus olhos cruzaram os brilhantes olhos azuis de Sansa. Sandor, finalmente, percebeu onde estava, com quem estava e a razão de tudo aquilo. A lua era a única luminosidade na floresta e deixava pálido o rosto de Sansa. Seus cabelos ruivos estavam emaranhados e o rosto estava suado e com pingos secos de sangue. E apesar do suor, o corpo magro da menina tremia. E Sandor percebeu que ela tremia de medo.

É claro que ela tremia de medo. Ele sempre a assustara e mesmo assim, ela o confiou para levá-la para longe. Ele deveria passar toda a segurança para ele, mas lá estava Sandor com os olhos vidrados e temerosos, ainda desnorteado com todo o fogo que vivenciou momentos atrás. Sansa estava sozinha com o homem que sentia medo, no meio de uma floresta escura, vazia e, futuramente, fria.

Ele a afastou um pouco para que pudesse colocar a espada de volta a cintura. O movimento brusco fez com que Sansa tremesse, assustada com o que ele faria com a espada. Ela suspirou aliviada quando ele a guardou.

Sandor saiu do cavalo, e agarrou Sansa pela cintura, colocando-a no chão. Olhou em volta e aguçou os sentidos. Parecia seguro. A mata estava silenciosa. Não tinha por que fugirem novamente e o cavalo, provavelmente, estava cansado. Ele levou o cavalo até uma árvore e o amarrou.

– Vamos ficar aqui? – perguntou Sansa, olhando ao redor e para o chão, percebendo a terra que se misturava com a grama e imaginando se teria que dormir ali.

Sandor nada falava. Isso frustrava a menina.

– Não deveríamos voltar para a estrada, Sor? – perguntou Sansa.

– Não sou nenhum Sor – resmungou Sandor. Ele sentou-se e encostou em uma árvore – Durma, menina. Vamos voltar a cavalgar daqui a pouco.

Sansa permaneceu parada e novamente, olhou ao redor.

– Vamos dormir no chão? – perguntou Sansa com desdém.

Sandor esboçou um sorriso de deboche.

– Tem uma cama com colchão de penas dentro da bolsa pendurada no cavalo! – debochou Sandor. Sansa se irritou pela ironia e pelo desrespeito.

– Está frio! – retrucou – Deveríamos fazer uma fogueira!

Sandor suspirou e levantou-se.

– Ainda estamos perto de Porto Real - Ele arrancou o manto branco da Guarda Real de suas costas e esticou no chão – Fazer uma fogueira só nos denunciará. Deite-se.

A voz de Sandor se mantinha grossa e rude, o que assustava Sansa. Ela obedeceu o Cão e deitou-se em cima do manto, se encolhendo para afastar o frio do corpo. A capa não lhe era suficiente, já que estava acostumada ao conforto e quentura de uma cama.

Sandor voltou a se sentar e encostar numa árvore próxima. Decidiu limpar sua espada que estava com sangue semi seco. Ele reparou que Sansa não fechava os olhos e parecia apreensiva. Ele pensou que era uma atitude normal. Ela havia acabado de fugir do castelo onde era mantida como prisioneira do rei. Fugir, não. Ele a sequestrara. Sabia que, assim que dessem falta dos dois, eles seriam caçados a qualquer momento.

– Para onde iremos? – perguntou, enfim, Sansa.

Sandor não respondeu de imediato e apenas resmungou baixinho, enquanto limpava a espada.

– Provavelmente, para o Norte. É onde você pertence. – respondeu.

Sansa pensou por um instante. Quando fora para Porto Real com a comitiva do Rei e a comitiva de seu pai, a viagem demorara dias. Havia sido cansativa, por conta da duração, mas eles tiveram o conforto de cabanas e estalagens e comida farta e empregados. Não imaginava como seria a viagem até Winterfell apenas com um cavalo, um falso cavaleiro e uma reputação manchada.

– Levará muitos dias. Onde ficaremos no caminho? – perguntou, já sentindo-se sonolenta agora que o corpo começara a relaxar e esquentar.

– Não se preocupe com isso. Durma. – disse, por fim.

Sansa entendeu que aquelas seriam suas últimas palavras. E com isso, fechou os olhos e, aos poucos, caiu em um sono perturbado.

–-

Sansa acordou com ruídos irritantes. Ela abriu os olhos e percebeu a movimentação de um cavalo e um par de pés. Por um instante, seu coração gelou e ela despertou totalmente, com o desespero de que Sandor a estivesse deixando ali sozinha. Ela se aliviou ao se sentar e perceber que Sandor arrumava o cavalo para outra partida.

– Levante-se, menina – disse Sandor ao ver que Sansa acordara. - Já perdemos muito tempo por aqui.

Sansa se levantou, ainda tonta de sono. Ajeitou a capa e tirou a areia e grama que estavam grudados. Pegou o manto de Sandor e o entregou. O cavalo estava pronto para partir.

– Preciso... de um momento. – pediu Sansa. Ela sentia vontade de fazer xixi e não sabia como pedir como uma lady.

Sandor parecia ter entendido.

– Vá fazer suas necessidades, menina – desdenhou uma risada. – Mas não se afaste muito.

Sansa se afastou. A floresta ainda estava escura, mas não tanto quando partiram. Era possível ver a claridade invadindo e isso significava que estava amanhecendo. Ela se afastou o máximo que se permitia. Olhou para trás e viu apenas o cavalo, distante, mas Sandor não estava visível. Se escondeu atrás de uma árvore.

Sandor colocou seu manto de volta às costas. O cavalo estava pronto e ele estava nervoso. Precisavam sair dali o mais rápido possível. Não sabia o resultado da batalha e, independente disso, precisavam estar longe quando soubessem. Quanto mais tarde soubessem das notícias da batalha, mais longe estariam. Alguns minutos depois, Sansa estava de volta. Ele nem se dera ao trabalho de espioná-la. Mas se divertia com toda a delicadeza da menina e suas atitudes de lady. Isso daria trabalho pelo caminho e teria que mudá-la.

Sandor nem esperou Sansa dizer alguma coisa e andou em sua direção, alto e grandioso, deixando a menina encolhida. Pegou-a pela cintura e colocou-a sobre o cavalo. Subiu atrás dela e logo partiram de onde acamparam. Ele tirou uma maçã de uma das bolsas que o cavalo carregava e deu para Sansa. Era o que tinham para comer. E precisavam economizar até encontrarem comida.

– Obrigada – disse Sansa, sempre se lembrando de sua educação. Ela mordeu a maçã e, tímida, se ajeitou sobre o cavalo. Não queria ficar tão próxima de Sandor.

– Precisaremos caçar, se não encontrarmos comida. – avisou Sandor, e Sansa apenas assentiu.

O caminho foi longo, o dia amanheceu totalmente, e eles não se falaram por um bom tempo. Paravam para fazer as necessidades, de vez em quando, ou para comer outra maçã e beber água. O cantil com água de Sandor estava quase vazio e precisavam encontrar um riacho. Ele deixava o cantil com Sansa e apenas utilizava o cantil com vinho. Estava economizando o vinho também. Não sabiam quando iriam encontrar um lugar decente.

Logo, a tarde estava se afastando. Sansa sentia-se tonta pelo cavalo e estava cansada. Não queria pedir para parar e Sandor brigar. Não queria que ele pensasse que ela era fraca. Ela sentia fome. E também sentia-se fraca. Talvez, fosse a fome. Mas queria, desesperadamente, parar e descansar. Ela não se atrevia a encostar no peito de Sandor, por mais que necessitasse. Ela era uma lady. E ele, um homem. Um desertor.

Sandor ouviu um ruído. Esperava que fosse o que parecia. Ruído de água. Um riacho. Ele tentou seguir o barulho e sentiu-se aliviado quando encontraram um pequeno riacho iluminado pelo sol da tarde.

Eles pararam, e Sandor desceu. Foi quando reparou em Sansa. Ela estava pálida e com os olhos caindo. E antes que ele pensasse em pegá-la, Sansa cerrou os olhos e desmaiou.