Reflexões Num Espelho
OK, Shinji, pode sair!'', disse Ritsuko, através do sistema de comunicação.

Sim'', respondeu Shinji, cansado depois de mais uma daquelas sessões de testes da Dra. Akagi. Ele já nem tentava mais descobrir pra que serviam tantos testes... ela dizia que esses testes poderiam resultar em algo que pudesse aliviá-los do peso que era pilotar o Eva. Mas Shinji não conseguia entender como isso seria possível. Como mantê-los presos no entry plug o dia inteiro poderia ser útil para livrá-los do Eva?

Distraído pelo cansaço, Shinji não percebeu que Asuka ainda estava dentro do entry plug. Assim que saiu da gaiola do Eva-01, ele encontrou Ayanami Rei no corredor. A garota nunca mostrava emoções. De fato, Shinji tinha chegado a pensar que ela nem mesmo as tivesse. No entanto, as coisas tinham mudado um pouco de uns tempos para cá. Rei continuava a mesma com relação a todas as outras pessoas, exceto seu pai... e ele. Com Gendou, Ayanami Rei parecia ser outra pessoa. Parecia... uma menina normal''. Com Shinji, ela já tinha até mesmo travado conversação, algo inimaginável para qualquer outra pessoa que não fosse um dos Ikaris. Algo que o próprio Shinji tinha considerado inacreditável: Rei tinha puxado conversa sobre aviões de papel. Assim sendo, Shinji cumprimentou:

Olá, Rei.''

Olá, Shinji-kun'' respondeu Rei, com um leve sorriso na face. Shinji, mesmo já acostumado, ainda se sentia meio estranho quando a via sorrir assim. Era um sorriso sincero, quente, confortável. Quase... familiar. Shinji não podia saber o que era, mas alguma coisa em Rei lhe era muito, muito familiar. Shinji demorou-se no banho daquela vez. Precisava refrescar a cabeça um pouco. Queria fugir da perseguição de Asuka e, mesmo imaginando que ela ainda devia estar fazendo testes, o único lugar onde ele sabia que estaria realmente seguro era o vestiário masculino.

De repente, o telefone tocou. Estranho, Shinji se lembrava de ter desligado o aparelho antes de entrar no banho...

Alô?''

Nada do outro lado. Shinji olhou confuso para o telefone. Há dias vinha recebendo essas ligações estranhas. Que diabos era aquilo? Ou melhor, QUEM diabos estaria fazendo uma brincadeira tão idiota como aquela?

Shinji olhou o relógio na parede. Oito horas. Hora de ir embora. Shinji voltou para o banho, terminou de se lavar e, em minutos, estava saindo do vestiário. À medida que andava pelos corredores, Shinji ia se sentindo cada vez melhor. Não gostava nem um pouco daquele lugar. Sempre que estava ali ele lembrava de seu pai. E ele não gostava de lembrar de seu pai. Sempre havia aquela maldita lembrança dele o abandonando quando criança martelando a sua cabeça. Era um sentimento detestável. Aos poucos, Shinji tinha se acostumado com o Geofront, mas ainda assim não gostava dali. Finalmente saiu do quartel general. Deparou-se logo com a estação de trens, que ficava logo de frente à saída. Depois de quinze minutos, o trem das oito e meia chegou à estação.

Foi uma viagem tranqüila, sem maiores transtornos. Cerca de meia hora depois, Shinji estava em casa, preparando o jantar. Já passavam das onze horas quando Asuka e Misato chegaram, ambas exaustas. Shinji não ousou perguntar porque elas tinham demorado tanto. Mesmo que sua cabeça tivesse desenvolvido um galo maciço que já era capaz de suportar razoavelmente bem as pancadas de Asuka, ele preferia se prevenir. No entanto, Shinji errou na previsão de que Asuka iria acertá-lo. Asuka nunca estivera tão quieta como naquela noite. Shinji começou a pensar como todos estavam estranhos naquele dia. Misato não tinha berrado ao beber o seu primeiro gole de cerveja de manhã. Asuka não tinha batido nele no caminho da escola. Asuka não tinha batido nele na escola. Asuka não tinha batido nele no caminho da escola até o quartel-general da NERV. Asuka estava em silêncio absoluto. Não dava um pio sequer. Ele pensou no quanto a encheção de saco de Asuka já lhe fazia falta.

De repente Shinji percebeu como sua atenção estava voltada para Asuka. Porque? Porque ele se importava tanto com alguém que parecia não suportá-lo? Com alguém que o vivia xingando de idiota e de pervertido? Shinji estava realmente confuso...

Asuka estava se sentindo esgotada. Nunca tinha se sentido tão cansada em toda a sua vida. Se tivesse forças, teria matado Ritsuko por isso. Como ela ousava deixar o idiota do Shinji sair mais cedo junto com a Garota Maravilha enquanto a mantinha ali, presa dentro do entry plug? Ela adorava pilotar o Eva, mas aqueles testes pareciam estúpidos até mesmo para ela. E aquele idiota? Onde estava o jantar? Ela estava faminta! Não tinha nem almoçado direito, por causa daquele teste estúpido.

Ei, Baka-Shinji!! Cadê a minha comida?!''

D... desculpe! J... já vai!'' respondeu Shinji da cozinha.

Idiota!''

E então Shinji-kun, como foi o seu dia?'' perguntou Misato, tentando acalmar um pouco os ânimos.

Nada muito especial. Na escola, o professor continua a mesma ladainha sobre o Segundo Impacto... a única coisa diferente que acontece na aula dele é quando o pessoal da NERV vai lá buscar a gente pra esses testes malucos da Dra. Akagi...''

O que você quer dizer com isso?''

Ah, Misato, por favor! Não se faça de besta! Você sabe que o Shinji está falando de coisas estúpidas como o teste de hoje!'', interveio Asuka, percebendo a indireta disparada por Shinji.

Olha, eu não entendo nada dessa tecnologia toda do Eva, então não posso falar nada...''

Você está é tentando tirar o corpo fora!'' reclamou Asuka.

Nada disso! Simplesmente eu não posso interromper algo que a chefe da seção técnica da NERV diz que vai nos ajudar a combater os Anjos!''

Humpf!'' fez uma Asuka ainda mais emburrada. Ela sem perceber tinha tirado Shinji da conversa e tinha entabulado discussão com Misato - de novo.

Shinji finalmente trouxe a comida. Asuka deu graças aos céus por ter finalmente alguma coisa para comer depois de um dia tão cansativo. Sem perceber, ela tinha agradecido a Shinji com um sorriso:

Obrigada, baka-kun'', ela disse.

Shinji parecia um pimentão. Misato apenas levantou uma sobrancelha atrás da lata de cerveja. Asuka estava tão entretida com a comida que nem sequer percebeu o que tinha acabado de dizer.

Todos comeram em silêncio. Logo depois de devorar completamente a sua refeição, Asuka bocejou longamente e resolveu ir dormir.

Boa noite'', disse, fechando a porta do quarto atrás dela.

Misato foi logo em seguida. Shinji ficou lavando a louça. Às vezes ele imaginava como essas duas sobreviveriam se ele não morasse ali. Era ele quem fazia tudo: limpava a casa, fazia a comida, mantinha tudo arrumado... se ele se ausentasse por alguns dias, qualquer um que entrasse ali ia pensar que aquele era o campo de treinamento dos Evas, pra dizer o mínimo. Lembrou-se de quando chegou ali. Misato disse para ele não se importar, o apartamento estava um pouquinho'' bagunçado... bem, para ela. Na verdade, parecia que um furacão tinha passado ali.

Naquela noite Shinji custou a dormir, rolando na cama, pensando no que Asuka tinha dito. 'Obrigada, baka-kun'. O que aquilo queria dizer? Será que por trás de toda aquela pose arrogante Asuka afinal gostava dele? Será que... não, ele estava imaginando coisas. Ele tinha que estar imaginando coisas.

No dia seguinte, tudo parecia normal. Asuka estava esbravejando e reclamando que o café ainda não estava pronto. Não demorou muito para Shinji receber a sua habitual pancada na cabeça. Misato acordou quando eles já estavam quase saindo, indo direto até a geladeira pegar uma cerveja para berrar logo depois do primeiro gole.

No caminho para a escola, no entanto, Asuka estava um pouco diferente: ela não o estava arrastando como sempre, dessa vez ele até conseguia acompanhar o passo que Asuka impunha sem a necessidade de correr atrás dela. A aula foi a mesma coisa de sempre: o professor discursando sobre os últimos quinze anos desde o Segundo Impacto, Touji e Kensuke delirando com seus pensamentos sobre Misato, Hikari brigando com todo mundo, armada com a sua posição de representante de classe, Rei com o olhar ausente para fora da janela...

Assim que o sinal para o almoço tocou, a sala se esvaziou quase instantaneamente. Até mesmo aqueles que estavam dormindo acordaram, como se tivessem previsto que o sinal estava para tocar. Rei olhou para Shinji. Hora do almoço... a hora mais alegre do dia. As aulas eram completamente entediantes. Sua única distração era ficar olhando pela janela, prestando atenção no que acontecia do lado de fora da escola. Tudo que o professor dizia ela já conhecia provavelmente muito melhor que ninguém naquela sala, incluindo o próprio professor. Ela já sabia tudo aquilo há muito tempo. Sua atenção estava agora voltada para o mundo à sua volta. O filho do comandante. Shinji. Havia alguma coisa nele que chamava a sua atenção. Ela não conseguia distinguir o que era. Mas desde o Quinto ela estava se sentindo cada vez mais tentada a se aproximar dele. Alguma coisa dentro dela, alguma coisa realmente profunda clamava por isso. Rei queria conhecer Ikari Shinji mais de perto. Por isso tinha feito questão que ele adquirisse o hábito de almoçar com ela, não importando os protestos da Segunda.

Rei levantou-se e dirigiu-se até a mesa de Shinji.

Vamos almoçar?'', disse.

Er... vamos'', replicou Shinji, com um olho em Asuka, que ele pressentia estar fuzilando-o com o olhar. Rei percebeu que, conforme andava com Shinji até a árvore onde eles costumavam fazer suas refeições, Asuka os estava seguindo, vigiando de longe. Naquele momento, teve certeza de que a Segunda tinha sentimentos por Shinji que não eram como os dela. Eram sentimentos de certa forma... egoístas. Talvez a Segunda estivesse apaixonada por Shinji. Então porque não dizer isso para ele? Definitivamente, Rei não achava que entenderia a Segunda algum dia.

Assim que chegaram debaixo da enorme macieira que ficava plantada nos jardins da escola, Rei e Shinji sentaram-se e começaram a abrir os recipientes onde traziam seus almoços. Rei não sabia cozinhar, por isso sempre comprava o almoço da cantina da escola. Shinji, por sua vez, tinha alguma prática na cozinha, o que fazia dele o responsável pelo seu próprio almoço e pelo de Asuka. Rei entabulou uma conversa:

Você deveria me ensinar a cozinhar.''

Por quê?''

Porque eu não sei cozinhar. Se algum dia eu lhe convidar para jantar em minha casa, não poderei oferecer nada além de instantâneos'', disse Rei, alheia ao fato de Shinji estar corando como um pimentão.

Er... está bem'', disse Shinji, com um sorriso embaraçado.

Rei sorriu de volta. Aquele sorriso era incrível. Algo que era marca característica de Rei. E definitivamente era familiar a Shinji. Por mais que tentasse, ele não conseguia descobrir como ou porquê aquele sorriso lhe era tão conhecido, e ao mesmo tempo tão desconhecido...

Não demorou muito para a conversa chegar aos aviões de papel. Rei começou a divagar sobre como as asas deviam ser dobradas para que o avião fosse para a direita ou para a esquerda. Shinji gostava de vê-la falar disso, porque definitivamente era um assunto sobre o qual ela sentia prazer em falar. Só para provocar, Shinji tentou uma pergunta mais difícil.

E se eu quiser que ele dê um loop por exemplo?''

Bem, aí você precisa dobrar assim...'' Rei fez um esquema rápido com um pedaço do guardanapo. E aí você joga ele um pouco inclinado para baixo... e reza para ele não bater no chão!''

Os dois riram. Simplesmente riram. Rei estava rindo. Ela tinha feito uma piada. Ela não sabia que piadas podiam ser tão agradáveis. Era uma sensação inédita. As gargalhadas saíam soltas e sonoras, ainda que discretas, bem ao estilo de Rei. Ao mesmo tempo, Rei se perguntava porque o Comandante Ikari não sorria quando não estava falando com ela. Percebendo Asuka se escondendo nos arbustos, Rei resolveu entrar em um assunto um pouco mais sério.

Ikari-kun...''

Hmm...?'' respondeu Shinji, assentindo com a boca cheia.

Quais são os seus sentimentos com relação à Segunda?''

Shinji engasgou violentamente, surpreso com a pergunta.

Como assim?'', perguntou assim que conseguiu engolir.

Com relação a Souryu... quais são seus sentimentos? Você não percebe que ela os tem por você?''

Eu não sei... não dá pra saber. Eu tenho essa suspeita... mas do jeito que ela me trata, como eu posso ter certeza?''

Rei ia falar quando o sinal tocou novamente, indicando que era hora de voltar para a classe. Ela preferiu deixar o assunto para um momento mais oportuno. Por agora, era preciso voltar para a sala de aula. Preferiu reassumir o seu comportamento costumeiro de ausência de emoções. Pensou como essa história de demonstrar sentimentos podia ser complicada... não conseguia ver lógica naquilo... e nem mesmo no que tinha feito momentos antes. Uma piada... então aquela era a sensação de rir...

De volta à sala e com a aula recomeçada, Shinji pensou no que Rei tinha lhe dito durante o almoço. Será que Asuka podia mesmo nutrir algum sentimento desse por ele? Decidiu procurar pelo rosto da garota ruiva, que estava sentada algumas carteiras à direita e atrás dele. Teve a nítida impressão de vê-la virar o rosto assim que ele se voltou para ela, como se ela estivesse olhando para ele.

'Shinji...' estava pensando Asuka, enquanto olhava fixamente para ele, depois de voltarem do almoço. Ela sentiu a sua face ficando mais e mais vermelha, à medida que ela percebeu que ele iria se virar para olhar para ela. Num impulso instantâneo, Asuka virou o rosto, de modo a não permitir que Shinji a visse naquele estado. 'O que aquele idiota pode pensar se vir que eu fiquei corada?', ela pensou, tentando esconder o rosto. Há dias ela já não conseguia parar de pensar nele. Ele era um idiota, um pervertido, mas ela não conseguia mais desviar seus pensamentos dele desde quando ela tinha percebido que ele e Rei estavam ficando mais próximos. Mesmo assim, tentando mais uma vez afastar aqueles pensamentos da mente, Asuka tentou se concentrar na aula.

A aula transcorreu sem maiores acontecimentos. No entanto, ninguém percebeu nuvens negras se aproximando de Tokyo-3. Ao final da aula, como era de costume, Shinji e Asuka saíram juntos para ir para casa. Naquele dia, eles não tinham nenhum daqueles testes malucos da Ritsuko para fazer na NERV, então estavam dispensados. Misato, entretanto, como Major, sempre tinha - e muito - o que fazer no quartel general. Por isso, eles estavam - como quase sempre - por sua própria conta. Afinal, os dois homens da Seção 2 que estavam no carro parado na esquina jamais interviriam. Sua missão era apenas observar.

No meio do caminho, Shinji notou as nuvens que, a essa altura, já rodeavam totalmente a cidade.

Parece que vai chover...''

Hein...?'' respondeu Asuka.

Eu disse que vai chover''.

Ah... sim, parece...''

Asuka... está tudo bem?'' perguntou Shinji, preocupado.

Claro que está tudo bem! Você pensa que eu sou idiota como você que se deixa abalar por qualquer coisinha? Eu estou perfeitamente normal!'', xingou Asuka, tentando fazer parecer que tudo estava realmente normal. Mas ela sabia que não estava. Ela tinha visto o modo como Shinji e Rei tinham sentado juntos para almoçar. 'Ele me trocou por ela... justo ELA!' pensou, abalada. De repente, ela percebeu que seus olhos começavam a querer deixar as lágrimas rolarem. Ela rezou para que chovesse, pois assim a chuva disfarçaria as lágrimas, caso ela não conseguisse agüentar.

Tem certeza? Você tem estado estranha ultimamente... está tudo bem mesmo?''.

Não enche o saco, seu idiota!'' Asuka disse, apertando o passo.

Shinji tentou acompanhá-la. Percebendo a aproximação de Shinji, Asuka apertou mais ainda o passo. Os dois ficaram nessa perseguição por mais da metade do caminho, até perto de casa. Quando Shinji estava quase alcançando Asuka, de repente, uma chuva torrencial atingiu a cidade como o ataque de um Anjo. Imediatamente, guarda-chuvas começaram a ser abertos e uam boa parte deles saía voando devido ao vento forte que vinha trazendo a chuva. Shinji e Asuka mal conseguiam andar direito devido à resistência oferecida pelo vento. Asuka se sentia empurrando uma parede. As gotas de chuva pareciam navalhas atingindo todo o seu corpo, devido à velocidade com que caíam. De fato, uma parte dela queria desistir e cair nos braços de Shinji. No entanto, seu orgulho era forte demais e não permitia que isso acontecesse. De qualquer modo, Shinji conseguiu alcançá-la, já quase na frente do prédio onde eles moravam.

O que está acontecendo, Asuka?'' perguntou Shinji, com uma voz preocupada.

Asuka percebeu que Shinji realmente estava preocupado. Isso a incomodava ainda mais.

Você é idiota? Claro que eu estou bem!! Só estou um pouco... indisposta'', mentiu. Ela se sentiu aliviada pela chuva estar caindo tão forte, assim ele não teria como perceber as lágrimas rolando pelo seu rosto.

Então está bem'', ele disse, de certa forma aliviado pelo fato de que Asuka o tinha xingado. Isso era pelo menos um sinal de que não havia nada estranho.

De qualquer forma, nós temos que sair dessa chuva e trocar de roupa antes que a gente pegue um resfriado''.

É, eu acho que sim...'' disse Asuka, com a mente longe, muito longe daquela rua na qual ela se encontrava a sós com Shinji, debaixo daquela chuva violenta, que pegara Tokyo-3 de surpresa.

Eles foram para casa, indo cada um para o seu quarto trocar de roupa. Asuka se sentia estranha, alguma coisa dentro dela a estava empurrando para o quarto de Shinji. Mas ela não queria sair de seu quarto de jeito nenhum. Não enquanto ainda houvessem vestígios de lágrimas em seus olhos. Ela não conseguia saber o que era aquilo, mas ela odiava o sentimento. Ela sabia que o amava, mas ela odiava amá-lo. Ela nunca tinha precisado de ninguém, e de repente ela precisava tanto de Shinji que até doía. Ela não conseguia entender como aquilo poderia ter acontecido.

'Porquê ele?' ela perguntou a si mesma. 'Porquê um idiota como o Shinji? Aquele pervertido? Um dos três patetas... oh, mein Gott!! O que eu faço agora? Eu não posso simplesmente ignorá-lo, nós vivemos na mesma casa! E eu me sinto tão mal quando eu vejo ele com a Garota Maravilha...'

Quando a visão de Ayanami Rei junto com Shinji invadiu a mente de Asuka, ela não pôde mais agüentar. Caiu na sua cama, os soluços disparando, os olhos rasos d'água transformando-se em pequenas fontes de lágrimas molhando o travesseiro. Ela não agüentava mais aquilo. Ela se sentia torturada, e sabia que era o próprio carrasco. Mas ela não queria depender de mais ninguém, nunca mais. Ela tinha jurado isso para si mesma. Ela era independente, sabia cuidar de si mesma. Tentou se convencer de que aquilo não era verdade, de que era apenas uma ilusão que passaria com o tempo.

No entanto, com o passar das horas, aquilo ia martelando cada vez mais na sua cabeça. Ela ouvia o barulho que Shinji fazia na casa, indo ao banheiro e voltando, passando na cozinha, arrumando o quarto, escutando sempre aquela mesma fita. Asuka sentiu ódio de si mesma. Não tinha conseguido ser independente. Agora ela amava Shinji. Como ela odiava isso! Shinji era o culpado! A culpa só podia ser dele! Aquele idiota! Como ele tinha conseguido fazê-la se apaixonar por ele?!

Asuka de repente se sentiu cansada. Jogou-se na cama, para tentar afastar aqueles pensamentos desagradáveis da cabeça. Ela quase conseguiu. Apenas Shinji não saía de seus pensamentos. Por mais que ela tentasse, ele permanecia ali, sempre firme...

Shinji preparando o café. Shinji andando a seu lado (sendo arrastado por ela) para a escola. Sentado em sua carteira, tentando prestar atenção no professor que não sabia falar de outra coisa. Shinji almoçando com...

Ela, novamente.

Asuka foi à loucura. Não sabendo o que fazer, ela entrou em desespero. A Garota Maravilha estava levando o Shinji para longe dela! Aquilo representava não apenas o seu orgulho ferido, mas também que aquele que ela amava estava indo embora e ela seria abandonada novamente. Por mais que ela odiasse admitir, ela teria que lutar por Shinji. Souryu Asuka Langley engoliu o seu orgulho, e dirigiu-se para o quarto de Shinji.

Shinji estava tentando imaginar o que estava acontecendo com Asuka quando seu telefone tocou novamente.

'Droga!', ele pensou, 'de novo aquele engraçadinho!''

Alô!!'' ele disse asperamente, ao atender o telefone.

Alô?'' uma voz feminina respondeu do outro lado.

Quem é?'' disse Shinji, sem querer perder tempo.

Ah! Finalmente eu consegui!''

Conseguiu o quê?''

Shinji de repente viu o espelho do guarda-roupa começar a brilhar. Era uma luz tão intensa que ele mal conseguia manter os olhos abertos. Logo depois de um ápice que quase o cegou, a luz diminuiu, e ele pôde perceber alguma coisa no espelho... como se tivesse alguém ali querendo sair... e estivesse conseguindo! Shinji estava, a esta altura, caído no chão, apenas olhando a garota que saía flutuando do espelho e pairava sobre ele, sorrindo alegremente. A visão era tal que, a essa altura, Shinji já nem notava o intenso brilho do espelho.

Asuka hesitou por um momento, olhando para a porta do quarto de Shinji. Ela respirou fundo para tomar coragem, e, de repente, abriu a porta, para tentar surpreender Shinji. Ela jamais esqueceria esse momento: Shinji estava caído no chão, com uma garota flutuando em cima dele.

O QUE DIABOS É ISSO?'', teriam ouvido os vizinhos, se alguém mais morasse naquele andar.

A... Asuka?!''

Quem é ela, Keiichi-san?'', perguntou a garota que flutuava sobre ele.

K... Keiichi? Quem é Keiichi?!''

Não se preocupe, Keiichi-san. Eu sei que já faz algum temp o que não nos vemos, mas não precisa ficar assim. Sou eu, a sua Belldandy''.

Asuka ouviu aquilo. E não ficou nem um pouco feliz.

SUA... como você se atreve a se jogar assim pra cima do MEU Shinji?!?!?!''

Shinji, que tentava se levantar, estatelou-se no chão ao ouvir as palavras de Asuka.

E você, seu... BAKA!!!'' gritou Asuka, indo em direção a Shinji, preparada para desferir um tremendo golpe nele.

Você não vai ferir o Keiichi-san!'' gritou Belldandy.

Então vai ser você!'' berrou Asuka, pulando sobre Belldandy.

Para surpresa de Asuka, no entanto, Belldandy desviou, e ela tropeçou em Shinji, o que fez com que ela caísse em direção ao espelho. Ao contrário das expectativas dela própria e de Shinji, ela não quebrou o espelho, como usualmente teria acontecido; ela o atravessou, vendo Shinji e Belldandy olharem para ela com cara de espanto.

A última coisa de que Shinji se lembrava era o intenso brilho do espelho assim que Asuka caiu'' nele. Depois disso, ele caiu desmaiado, provavelmente algum efeito da intensa luz. Quando acordou, Shinji sentiu que alguém estava ali sentada ao seu lado, esperando que ele acordasse.

A... Asuka...?'', ele murmurou.

A garota de repente voltou-se para ele, alvoroçada por vê-lo acordar finalmente. Quando Shinji finalmente recobrou os sentidos, teve que se segurar para não berrar de susto. A garota que ele tinha diante de si não era ninguém que ele jamais teria imaginado conhecer. Ela estava vestida de um jeito meio estranho, com uma roupa muito vistosa, cheia de enfeites. Seu cabelo, castanho-claro, era longuíssimo, e se espalhava maravilhosamente bem sobre o seu corpo, quase como se flutuasse. Ela tinha três manchas no rosto, uma fina e alinhada verticalmente entre suas sobrancelhas, e as outras duas, parecendo triângulos, alinhadas, diametralmente opostas, um pouco abaixo de seus olhos e um pouco deslocadas para fora de seu rosto de feições meigas e suaves. Essas três manchas eram azuis. Seus olhos eram amendoados, e eternamente brilhantes. Ela tinha sempre um sorriso calmo e reconfortante, algo único, digno de ser visto e admirado. No entanto, Shinji estava completamente atordoado. Uma garota que ele não conhecia tinha atravessado o espelho e estava ali até agora... e Asuka tinha aparentemente trocado de lugar com ela, entrando no espelho... onde ela estaria agora?

Você está bem?'', disse Belldandy, cortando o pensamento de Shinji.

QUEM DIABOS É VOCÊ?!?!?!?!?!''