Carta de despedida

"E aqui, portanto, sem mais o que acrescentar, me despeço daqueles a quem amo e devo alguma satisfação, tal que as circunstâncias me forçam a me despedir também daqueles a quem não devo nada, porém me devem tudo. E sou eu o obrigado a me importar, a emendar um sorriso hipócrita nesse rosto tão cansado de tudo e de todos porque é o que exigem de mim. O senhor perfeição tem que compreender a dor de todos mas não pode corroer sua própria dor. Que se dane. Vou para um lugar onde poderei em paz me lamentar, e lá, Merlim queira, serei apenas um ser humano normal, com dores, lágrimas, necessidades básicas de vida e sentimentos. Estou indo embora. Esta é uma despedida.

Então... Adeus."

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Escrever uma carta não é fácil. Despedir-se, não é fácil. Escrever uma carta pra se despedir, não é nada fácil. Perdi horas e horas na frente do computador apenas para encontrar uma forma de começar... e ainda não achei. Porém meu tempo é curto. E meu dinheiro trouxa também. Tenho apenas mais alguns trocados que não permitem que gaste muito mais tempo nesta Lan House. Vou tentar ser rápido, então. Ou ao menos direto. Com certeza não delicado, e infelizmente, totalmente franco. Hoje é o último dia que eu tenho de vida e estou cansado de delicadeza, mentirinhas para aliviar uma verdade dolorosa. Sorrisos constrangidos como resposta a um comentário estúpido. Hoje serei apenas o Harry. Nada de salvador do mundo bruxo, ou o garoto que sobreviveu, ou o assassino de Lorde Voldemort. Serei "o Harry", e apenas "o Harry". E aproveitem essas palavras. Pois serão as primeiras e as últimas que "o Harry" dirá.

Estou cansado! Cansado demais! De tudo e de todos! Não agüento mais tanta hipocrisia, tanta amolação! Não agüento mais tanta falsidade! O ser humano é ridiculamente falso! Ridiculamente estúpido com suas artimanhas e ganâncias, dispostos a tudo para conseguirem o que desejam. Doa a quem doer, sofra quem sofrer. Ridículos. Todos eles.

Por muito tempo fui o alvo disso tudo. Um exemplo. O garoto propaganda do mundo bruxo. Tendo que desfilar em frente as pessoas me fazendo de feliz e suportar os interesseiros se aproximarem de mim, apertarem minha mão, dizerem que se orgulham de poderem citar um exemplo de honestidade e coragem para seus filhos. Ainda me pedem para visitá-los, passar um dia com suas crianças, para orientá-los, como se essa não fosse a obrigação deles, por Deus! Os poderosos querem minha influência, os inocentes querem jogar em minhas mãos a responsabilidade que não se julgam capazes de fazer. E eu... Quando por fim pensei que alcançaria a paz, alcancei o inferno.

E é pra lá que eu estou indo dentre em pouco, porque é pra lá que eu soube que vão as pessoas quando tiram sua própria vida.

Fico pensando como deve ser o inferno... Dizem que é muito ruim. Se dissessem que é muito, muito, muito ruim, eu teria ido para lá há muito tempo. Se dissessem que é a pior coisa que alguém pode desejar eu me desanimaria, porque, então, a conclusão seria de que não existe o inferno. Ou que ele se chama Terra. Agora, já que é ruim, eu estou louco para conhecê-lo; nada vai ser pior do que o que vivo aqui.

Estou exagerando? Sim, eu desconfiei que você acharia isso. E sabe qual é a melhor parte disso tudo? Eu não estou nem aí para o que você está pensando! Todos vocês! Na verdade eu quero que pensem o que quiserem, eu não ligo. Estou indo embora logo e me lixando para o que vão pensar. Até as pessoas mais próximas de mim estão exigindo mais do que sou capaz de fazer, estou começando a me confundir com o senhor-perfeição-salvador-do-mundo-bruxo, ao invés de me verem como o Harry Potter. Amigo. Aluno. Namorado.

Estou cansado.

Cansado de tudo isso.

E nada mais me prende neste mundo onde sentimentos não passam de ilusões e as ilusões são elevadas como sentimentos.

E aqui, portanto, sem mais o que acrescentar, me despeço daqueles a quem amo e devo alguma satisfação, tal que as circunstâncias me forçam a me despedir também daqueles a quem não devo nada, porém me devem tudo. E sou eu o obrigado a me importar, a emendar um sorriso hipócrita nesse rosto tão cansado de tudo e de todos porque é o que exigem de mim. O senhor perfeição tem que compreender a dor de todos mas não pode corroer sua própria dor. Que se dane. Vou para um lugar onde poderei em paz me lamentar, e lá, Merlim queira, serei apenas um ser humano normal, com dores, lágrimas, necessidades básicas de vida e sentimentos. Estou indo embora. Esta é uma despedida.

Então... Adeus.