GUERRA DOS MUNDOS

(War of the worlds)

Garota Inu

1. Lá e de volta outra vez

Minha pele é mais fria que o metal que visto, mas não sinto nenhum desconforto verdadeiro. Alguns dizem que é morte certa estar aqui fora à noite, longe das cidades. Eu viajei léguas demais por noites demais para sentir-me verdadeiramente preocupada. Eu deveria estar cansada demais para viver, mas não posso me forçar a morrer.

O vento agita nuvens negras sobre mim, gemendo como pagãos através dos vales sem luz. À milhas daqui, sem dúvida, estão rindo em quartos iluminados por tochas, batendo dedos com garras em batentes de pedra, sorvendo o néctar de gargantas dilaceradas.

Ali. O ponto de luz deve estar a léguas e léguas de distância, acima das colinas negras. Meus olhos mortos ainda me servem muito melhor do que já me fizeram enquanto eu ainda vivia. O gosto relembrado de sangue cresce atrás dos meus dentes, inunda meu cérebro. Eu saboreio o vento nos cabelos, e minha vontade leva meu coração a bater outra vez pelo simples prazer em fazê-lo.

Eu começo a correr.

OoOoOoOoOoOoO

Nunca, na minha vidinha humana, eu me vestiria daquele jeito... mas esta não é a minha vidinha humana. Esta é a minha existência. Existência na qual eu tinha que me vestir daquele jeito se quisesse alguma vítima. Passei lápis-de-olho, me enfiei em um vestido curto, leve e esvoaçante de seda e sandálias altas. Caçar não era tão difícil, tudo funcionava como uma normal caçada na temporada de gansos: o visual atraente era o apito que imitava o som dos gansos e meus dentes... os meus dentes era a arma. Precisa e letal.

Um suspiro atrás e mim me tirou dos pensamentos e eu olhei para Alice. "O que foi?"

Ela fez biquinho e olhou para mim emburrada. "Nada – só dói saber que não precisa mais de mim para se arrumar."

"Não é verdade", eu consolei. "Eu só fiz amizade com o lápis-de-olho – os demais não quiseram facilitar para mim."

Alice sorriu o seu sorriso prateado. "Bem, pelo menos ainda tenho a maquiagem."

Eu sorri para ela e comecei a andar rumo à garagem, Alice nos meus calcanhares enquanto descíamos a escada. "Vou indo – prometo não voltar tarde."

"Onde desta vez?"

Eu gemi mentalmente pelo tom dela. Eu sabia o que estava por vir. "Seattle."

Alice se mexeu desconfortável do meu lado. "Tem certeza que não há como se adaptar?"

"Eu queria poder, Alice, mas não dá e você sabe por que. – Não como se fosse por minha escolha caçar humanos." Eu realmente queria que existisse outra forma, mas já havíamos tentado e era impossível.

Ela assentiu enquanto eu me sentava em frente ao volante do meu New Beattle última geração (presente de Esme). "Só uma pergunta: por que só homens?"

Eu ri e então torci os lábios. "A idéia de morder pescoço de mulheres me faz me sentir meio lésbica." Eu dei a partida e acelerei tudo, rindo quando ouvi a risada de Alice atrás de mim.

Corri para Seattle pensando em como minha vida tinha mudado, desde que me mudei para Forks, como um genuíno flashback. Minha vida com Charlie, quando conheci os Cullen; apaixonei-me por Edward, ele por mim... o jogo de baseball... Laurent, James e Victória; minha tentativa de fuga de James para Phoenix... e, finalmente, a mordida de James que os Cullen não conseguiram impedir. Meu sangue era delicioso demais. Anormalmente delicioso até para Carlisle, que ficou inseguro se conseguiria ou não parar na hora certa. Então, para não arriscarem me matar, eles cuidaram de mim até que eu me tornasse uma vampira pronta, e eu aceitei sem reclamar, ou guardar rancor por não tentarem impedir.

Claro, isso porque não sabíamos que o veneno de James me corromperia.

Era venenoso demais para me permitir viver com uma dieta vegetariana.

E agora lá vou eu. Caminhando pelas ruas de Seattle, sentando num banco de um parque bastante movimentado por um festival, fingindo ler um livro. Não demoraria muito mais agora. Era questão de minutos até aparecer um nojento estuprador que não fará falta nenhuma no mundo. Se eu fui destinada a matar humanos, então, que morresse a escória e não um pai de família, ou um padre, ou um namorado de uma menina ilusoriamente apaixonada (mesmo não sendo amor, é ruim perder um garoto).

"Olha que pedaço de carne maravilhoso, Tom! – Não tem como perder uma dessas, cara!" Eu ouvi um murmúrio de um homem no meio do parque.

"Claro que não! Temos que pensar rápido, Ray, antes que ela vá embora." Tom respondeu. Ele parecia um tanto sexualmente desesperado julgando pela euforia de sua voz. "Devemos chamar os outros?", ele perguntou.

Que ótimo, será um coquetel, então.

"E ter que dividir mais?! – Já me dói ter que dividir ela com você!"

Oh. Bem, que pena. Eu poderia exterminar mais almas podres de uma só vez. Morder vários vermes com uma mordida só, adaptando o ditado popular. Isso quase me fazia um tipo de justiceira. Quase. Se tirasse o fato que eu matava.

Meus pensamentos me distraíram e agora eu não sabia mais onde eles estavam, mas não demorou muito até que galhos se quebrassem quase silenciosamente atrás de mim. Se eu fosse humana, jamais escutaria.

"O plano é: eu chego e tapo a boca dela e agarro os braços para arrastar ela pra cá – então trocamos depois que você acabar, ok?" Tom disse atrás de mim, num lugar onde o parque se tornava uma minúscula floresta.

"Beleza." Ray sussurrou. "Agora vamos."

Tolos.

"Vão aonde?" Eu perguntei no meio deles, enquanto olhava para onde eles olhavam com falsa curiosidade.

Eles gritaram assustados e eu sorri tão sádica que Hannibal não era nem competição pra mim. Eu precisava provocar medo para que o sangue deles fluísse mais depressa. Eu não queria me demorar. "Sabem...", eu disse. "Eu tenho que dar o crédito para vocês. – O plano era perfeito! Funcionaria com qualquer garota." Eu sorri, agora mostrando os dentes. "Mas eu não sou qualquer garota, sou?"

Ahh, Emmett ia amar me ver agora!

Tom e Ray não pareceram perceber o que estava acontecendo ali e o que estavam enfrentando, porque ambos rosnaram e se jogaram em cima de mim para me derrubarem no chão. Eu me deixei derrubar. Tom já estava me segurando enquanto Ray lutava para separar minhas pernas uma da outra e deixar caminho livre para ele.

Eu ri guturalmente uma vez e aquilo evoluiu para uma baixa gargalhada sinistra e sombria. "Tolos, não percebem?" Eu me desvencilhei deles em meio segundo e já estava atrás de Ray, segurando seu pescoço afastado e segurando-o imóvel. Olhei com raiva para Tom e assobiei "Corre. Agora."

Ele não precisou de um segundo aviso.

Eu não estava com raiva, em nenhum momento eu sorri sádica ou ri sinistramente, e muito menos fiquei curiosa. Tudo não passava de atuação para assustar. Eu nunca sentiria prazer em matar humanos, mesmo a escória.

Eu me virei para Ray e ele estava apavorado, tentando escapar do meu aperto. "Oh, querido, não se preocupe. – Farei isso rápido."

E foi o que fiz. Rápida e indolor. Bom, pelo menos pra mim. Limpei o canto da minha boca e deixei o que sobrou de Ray cair no chão com um som abafado. Eu olhei para onde as árvores se multiplicavam à distância. Eu sorri sem humor.

Agora... onde será que estava Tom?

OoOoOoOoOoOoO

Estacionei o New Beattle na garagem e rumei andando calmamente para a porta, mas o cheiro de Edward me rodeou e, de repente, ele estava bloqueando minha passagem.

"Agora cobram pedágio?" eu o olhei fria, sem expressão no rosto.

E o rosto dele era o espelho do meu. "Onde esteve?"

Eu o olhei de cima a baixo com uma cara de 'quem é você para me cobrar satisfação?' "Seattle."

"Fazendo?"

"Eu estou em um interrogatório e se esqueceram me avisar?", rosnei. "Poupe-me, Edward." Eu assobiei para ele, apertando os punhos. "Não lhe devo nada mais."

Edward cerrou os olhos. Ele sabia que eu estava certa. Depois que já estava claro que eu teria que caçar humanos para viver, ele não se conformou de eu não ter lutado para arranjar uma maneira e passou a agir assim. Frio, cheio de ódio por eu ter aceitado fácil meu destino e me tornar assassina.

"Você mata pessoas, Isabella." Edward chiou pra mim, querendo me atingir.

Ah, é. O 'Bella' também havia sumido para ele.

Eu rosnei enfurecida e apertei minha mandíbula, procurando me controlar. "Oh, perdão se nenhum de vocês, inclusive você, não foram capazes de me salvar do veneno de James e me deixaram assim." O sarcasmo transbordava na minha voz. "Não que eu não seja grata por isso." Eu acrescentei rapidamente.

O peito dele trovejou com um rosnado e eu disparei para o meu quarto, deixando Edward na porta, sozinho.

Eu troquei o vestido e as sandálias por uma blusinha de alcinhas que mostrava meu umbigo, um jeans e tênis – eu gostava do simples – e fui correndo para a sala matar saudade da minha família. Não a vira por dois anos desde que fui para o Brasil passar uns tempos na Ilha Esme para não reduzir drasticamente a população de Forks e arredores. E, agora que voltei (ontem à noite), não pretendia sumir tão cedo e iria aproveitar ao máximo da minha amada família.

Fiquei a noite inteira conversando com Carlisle e Esme; brincando com Emmett, jogando cartas com Jasper e Alice só nos assistia (não tinha graça jogar com alguém que sabia quais seriam nossas jogadas). Fiquei com eles até o sol aparecer e fazer-nos brilhar dentro da casa. Era o primeiro dia de aula na faculdade de engenharia de Forks, mas eu pretendia faltar, para andar pela cidade, correr até Port Angeles e, quem sabe, La Push também. Fazia uns três anos que não dava um mergulho naquela praia. Depois de morar dois anos na Ilha Esme, você começa a ficar meio fanático por praias.

Nem troquei de roupa, fui do jeito que estava. Emmett queria vir comigo, mas Rosalie não deixou, então deixamos para outro dia.

Eu andei por Forks, visitei meu pai no trabalho e prometi passar lá à noite, corri até Port Angeles, andei por lá, e mergulhei em La Push. Eu estava encharcada. Catei conchinhas na praia, arranquei um fio do meu cabelo – que era tão forte quanto qualquer correntinha frágil de cordão – e fiz um lindo colar de conchas. Ficou lindo, eu pensei, sorrindo satisfeita para o meu bom trabalho. Suspirei fundo, captando cheiro de dois esquilos, vários veados, três ursos e... um lobo? Eu não tinha certeza. Parecia ser lobo, mas tinha algo mais e eu não sabia que tinha lobos por aqui. Eu dei de ombros. A água salgada devia ter prejudicado meu olfato temporariamente, logo passa.

Querendo mais tempo comigo, eu me resignei a ir para casa andando humanamente, mas parei ao ver uma belíssima árvore enraizada ao pé do penhasco. Era um lindo salgueiro chorão.

Ah, ainda nem eram 15h00min. Eu tinha tempo ainda.

Corri num segundo até lá e me sentei, fechando os olhos e curtindo a brisa fresca que brincava com os meus cabelos fazendo-os dançar.

Meus pensamentos me traíram e tomaram o rumo que estava tentando evitar. Eu pensei em Edward e em como nossa linda história de amor havia se evaporado, como poeira no vento. Ele estava sempre agindo como um boneco de gelo egoísta, que não pensava no meu lado. Quando ele agia assim, era sempre a mesma coisa desde que me tornei o que sou hoje: ele me perguntava onde eu estive, o que estava fazendo, me chamava de assassina e eu o deixava falando sozinho.

Às vezes, eu me perguntava o por que de não mais estar ignorando os erros dele como fazia quando era humana. Algumas vezes, eu brinco com a idéia de ser porque eu me tornei vampira e a intensidade do que eu sentia diminuíra. Mas não era porque logo uma recém-nascida nós caçávamos juntos e eu me sentia da mesma forma quando humana. Então, minha única resposta para 'Porque não ignoro mais os erros de Edward?' era pura e simplesmente porque, no passado, quando eu ignorava, eu sabia que eram as circunstâncias que o levava a cometer erros, sem ele querer. E agora, eu repudiava e desprezava seus erros porque era ele quem estava errando desta vez. E isso me cansou.

Eu suspirei, sorrindo a brisa. Era tão bom um lugar daqueles: brisa fresca e estar sozinha, isso ajudava a relaxar, mesmo pensando em coisas ruins, que faziam meu coração inerte se apertar. Era bom tirar um tempo para você e ficar sozinha.

Creck.

Ou... não tão sozinha assim.

Olhei para trás para ver quem havia quebrado o galho. Bem, teria feito isso se pudesse me mexer. Eu tentei de novo, mas nada do meu funcionava apenas os olhos e o hábito inútil de respirar era o que eu ainda podia fazer. Eu comecei a temer por mim.

Uma risada baixa ecoou atrás de mim e notei que não conhecia aquela voz. "Olá, morcega.", a voz disse. "Posso perguntar o que a fez ousar vir até La Push? – Oh, é, não posso. Você está paralisada." Ele riu.

Ouvi passos e logo o estranho entrou no meu campo de visão... Eu reconhecia algo familiar nele... Oh, sim, um dos caras que matei na noite passada parecia bastante com este aqui. Eles pareciam índios. Porém, mesmo já tendo visto coisa parecida antes, este aqui tem um jeito único de ser lindo, eu tinha que admitir, mesmo sendo ele um inimigo. Ele era um inimigo, eu não me atrairia por ele, mesmo com sua beleza única.

Sua voz era grave e rouca; seu cabelo era curto e meio bagunçado para cima com pontas macias, mas de um jeito estiloso e bonito; seus olhos eram de um negro tão intenso e profundo que fazia eu me sentir estranha. Sua pele era morena, levemente avermelhada, de uma textura super macia. E seu porte físico deixaria algum super-herói com inveja.

Acho que ele deve ter percebido minha especulação corporal, porque ele disse logo em seguida "Acho que quer que eu me apresente – Meu nome é Jacob Black, Lobo Alpha dos Lobisomens Quileutes e você acaba de invadir minhas terras."

Eu o encarei com um olhar de 'E daí?'

E ele entendeu meu olhar. "Daí que agora que entrou não irá mais sair."

OoOoOoOoOoOoO

O que se passou depois disso eu não podia dizer em detalhes, porque aquele lobo arrogante me vendou os olhos. Mas eu podia dizer, pelo menos, que ele me jogou por cima dos ombros como se eu fosse um saco de batatas e correu pelo que eu imaginei ser a floresta até chegar em um lugar que cheirava quase inteiramente a ele, mas tinha o cheiro de outro homem também; e, pela extensão do cheiro, era uma pequena choupana. Depois, fui jogada de novo nos ombros dele e ele correu pela floresta novamente e eu senti o cheiro de praia.

E foi aí que ele me desvendou e me pôs numa canoa. Agora, nós dois estávamos rodeados por mar em todos os lados fazia pouco mais de meia-hora e eu não fazia idéia de onde eu estava e nem para onde estava indo. Droga, eu não conseguia nem mais ver La Push! Eu queria perguntar para onde ele estava me levando, mas eu não queria falar com ele. Tinha um tempo que já que ele me fazia perguntas como 'qual seu nome' mas eu não respondia apenas o encarava. Eu já tinha recuperado o movimento da boca, mas estava disposta a ignorá-lo.

E foi numa dessas ignoradas que eu dei que ele se enfureceu e acabou perdendo um dos remos na água. Suspirei exasperada e estressada. Agora, como se já não bastasse, eu estava imobilizada e presa no meio do oceano. Eu só não perguntava se podia ficar pior porque sabia que podia.

O lobo praguejou e começou a atirar a blusa e os sapatos antes de mergulhar. O que ele estava fazendo? Ele nunca encontraria aquele remo, não com aqueles olhos humanos e pouca respiração.

Não demorou nem três minutos e ele estava de volta, clamando e sugando todo o oxigênio que lhe era de direito. Eu sacudi a cabeça, simpatizada, quando na verdade deveria sentir o inverso. Eu era louca? Provavelmente. Ele mergulhou de novo e eu dei de ombros. Não importava, eu não era uma pessoa ruim, afinal. E eu sabia que ia escapar dessa viva. Eu diria a verdade: que eu não sabia que agora havia lobisomens em La Push, me desculparia e prometeria nunca mais pisar lá de novo.

E depois disso, esperançosamente, mataria minha família por não terem me avisado.

Jacob emergiu de novo. "Mas que merda!", ele exasperou. "Estúpido remo."

"Eu posso pegá-lo se você quiser." Eu disse, sem olhar para ele.

Ele riu zombeteiro. "Tenho cara de quem nasci ontem, certo?"

"Dou a minha palavra de que não vou fugir. Eu vou pegar o remo, dá-lo a você e você poderá me paralisar de novo, se preferir. – Eu prometo."

Jacob ficou sério e irritadiço. Ele me encarou. "Desculpa, moça, mas a palavra de alguém como você, pra mim, vale menos que nada."

"Então sua vida vale menos ainda, não é? – Claro, porque se prefere ficar aqui e desperdiçá-la a confiar em mim, só pode." Eu argumentei. Ele pareceu pensar por um instante e eu aproveitei aquela deixa. "Acredite, eu prefiro que você recupere o seu remo do que ficar presa aqui no mar, porque mesmo que eu pudesse me mexer, eu não faço idéia de onde estou."

"Você pode farejar."

Eu neguei com a cabeça. "A água salgada me confunde."

Depois de vários segundos de hesitação, Jacob suspirou enquanto subia na canoa. "Ok – Eu vou te achar de novo, se fugir."

Eu sorri com a idéia de me mexer de novo. Meu corpo com certeza estava rígido e precisava daquilo. "Como faço para voltar a me mexer?"

Ele encolheu os ombros e fez uma careta. "Acredite, eu não vou gostar mais disso do que você."

Jacob lambeu o polegar e fez uns desenhos na minha testa. "Ugh."

"Eu sei.", ele rosnou, mas se eu não estava enganada, eu podia dizer que tinha uma pontada de riso na voz dele. "É coisa de índios Quileutes." Ele disse e então torceu os lábios, incomodado. "Perdoe por isso."

"Isso o quê?"

Ele lambeu novamente o polegar e fez um outro desenho , só que desta vez... não foi na testa. Eu ofeguei indignada quando ele desenhou algo bem no lugar onde ficava meu coração. Um lugar não muito decente no exterior. Eu rilhei os dentes. "Eu vou te matar."

Jacob enrijeceu e eu percebi que suas mãos começaram a tremer anormalmente forte. Já que ele era um lobismem, não era difícil adivinhar o que estava havendo. "Oh! – Oh! – Calma, Jacob! Eu só falei metaforicamente!" eu me apressei a dizer. Se ele fosse lutar comigo agora, eu estaria morta. Eu não sabia lutar nem com vampiros quem dirá lobisomens! "Eu não vou te matar." Eu desviei meus olhos dos dele por um segundo e mordi o lábio. "Eu não sou assim."

Ele me deu um olhar cético. "Claro que não – Você apenas matou dois homens ontem porque estava bêbada." Ele disse com sarcasmo evidente na voz.

A realidade me chocou como um soco no estômago. Então era por isso que ele me queria, ele achava que eu tinha matado os amigos dele... eu engoli em seco. O que eu estava pensando? Eu tinha matado os amigos dele. Minha garganta se apertou com o remorso. O que foi que eu fiz...?

"Como você...?" Eu não consegui terminar.

"Tom estava demorando demais para voltar para a tribo, eu resolvi procurá-lo e ele estava morto, obviamente por um vampiro. –" Ele gesticulou para o próprio pescoço, meu ponto de ataque. "– Seu cheiro estava por toda a parte. Não foi difícil rastreá-la." Jacob sorriu presunçoso por um segundo e depois voltou à expressão ácida habitual. "Por mim, eu não vingaria aquele bastardo, mas o conselho ordenou, porque – bastardo ou não – ele ainda é um Quileute."

Eu ofeguei, pensando rápido em como sair daquela encrenca e me virando com meu remorso ao mesmo tempo. Eu olhei para Jacob quase implorativa. "Perdão por aquilo – Eu juro que nunca mato pessoas inocentes." Eu disse. "Eu nunca ataco, Jacob... eu espero me atacarem..."

Ele arqueou uma sombracelha. "Está dizendo que Tom tentou te agarrar?", ele perguntou. Eu assenti e Jacob olhou para mim por um tempo longe de vários segundos e então fez uma carranca, desviando o olhar para a água. "Eu não acredito em você...", ele murmurou, mas não parecia muito convencido de sua afirmação.

Eu tinha que ganhar a confiança dele, fazê-lo ver que eu dizia a verdade e fugir agora era uma péssima idéia para isso. Eu o olhei. Um sorriso fraco nascendo no canto dos meus lábios. "Vou buscar o remo." E então, pulei na água.

Não foi difícil achar o remo, não para mim. Não me admira que ele não conseguira achar, a correnteza lá embaixo o havia arrastado para longe. Jacob nunca acharia.

Do nada, uma idéia me veio à mente, uma deliciosa idéia. Larguei o remo de novo, nadei até a traseira do bote, cravei minhas unhas na madeira e bati minhas pernas em uma velocidade que fazia da canoa o mesmo que um Jet Ski.

Jacob pulou de susto e eu segurei uma risada. "O que raios você está fazendo?!" Ele gritou para que eu pudesse ouvir através do barulho da água e do vento.

"Substituindo o remo!" Eu gritei de volta. "Assim é mais rápido e você já estava num tom de verde preocupante!" E era verdade, ele estava mesmo.

Jacob olhou para mim de uma maneira estranha e concentrada por alguns segundos de novo e depois me deu as costas. Eu não o culpava por me olhar e talvez achar que eu sou uma completa louca... afinal, quem é que se preocuparia em chegar mais rápido para a sua cena de morte?

"A propósito!" Eu gritei e ele olhou curioso para mim por cima dos ombros. Eu sorri. "Meu nome é Bella!"

Jacob suprimiu um sorriso.

OoOoOoOoOoOoO

Não demorou muito para ver ao longe – mesmo com uma visão turva por causa da água – uma bela e grande ilha, que mais parecia um oásis com tantas árvores que tinha. Me surpreendeu um pouco quando Jacob olhou para mim sobre os ombros com uma estranha expressão confusa e meio relutante e disse "É ali."

Eu olhei para a ilha de novo, sem parar de bater as pernas e voltei a olhar para as costas dele com uma careta divertida. "Vai me executar em uma ilha? – Que clichê."

Eu vi as costas de Jacob se enrijecer e ele lentamente virou sua cabeça para me olhar, tenso. Quando viu minha expressão divertida, ele relaxou visivelmente e sorriu condescendente, mas havia humor ali. "Só seria clichê se estivessem te esperando com tochas e um saco cheio de alho."

Eu ri. É sério, eu ri. "Eu assumiria que estariam me esperando para uma churrascada."

Os lábios de Jacob se curvaram para cima, mas ele não se permitiu rir ou sorrir.

Eu empurrei a canoa até a areia e Jacob desceu. Eu saí da água e torci meu cabelo, suspirando. Era tão bom se mexer depois de ser paralisada... não que isso acontecesse com freqüência. Eu olhei ao redor e ofeguei com o lugar, maravilhada.

A ilha era linda demais.

Foi aí reparei que as águas próximas à margem da ilha eram claras e transparentes, eu até podia ver claramente o fundo raso como se não houvesse água nenhuma; a areia era branca e fina, macia e bem fofinha; depois de alguns metros de areia, começava um emaranhado belamente decorado de palmeiras, coqueiros, vários tipos de árvores, que se estendia até onde eu não podia mais ver. E, bem no meio de todo esse verde, eu vi uma fina linha de fumaça branca que subia, tentando alcançar o céu, e imaginei se seria ali que me executariam.

Querendo fazer Jacob sorrir de novo – tentar é uma palavra mais correta –, eu assobiei em tom de admiração. "Lugar legal para se morrer." Eu disse com uma pequena risada. "Fico pensando onde vão jogar o presunto depois."

Ele estava de costas para mim, mas eu pude ouvir bem um som arranhado sair de sua garganta. Jacob virou para me olhar sério, mas eu vi que ele forçava os lábios para baixo, evitando que eles sorrissem. Eu o compreendia... ele não queria me dar esperanças de que eu fosse viver. "Você fala como se quisesse morrer. – Ou como se não fosse morrer." Ele já não estava mais querendo sorrir quando terminou.

Eu dei de ombros, minimizando meu sorriso para uma singela curva nos lábios. "Eu não vou fugir. – Por mais desprezíveis e más fossem as intenções de seu amigo sobre mim, eu ainda o matei... Eu não sou inocente, mas eu acho que isso tem o mesmo peso que um ato de legítima defesa. Eu pretendo argumentar quando me julgarem." Eu disse. "Mas, se não aceitarem a minha tese, então fugirei."

"Por que simplesmente não mata logo os executores e sai nadando?", ele me perguntou.

Eu torci o nariz. "Eu não sou assim, e acho que você já deve ter percebido isso. Eu não mato inocentes."

Um brilho estranho e diferente dos que eu já vira nele brilhou nos olhos de Jacob. Eu não soube reconhecer o que era e isso me frustrou. Ele sorriu acidamente e eu me perguntei duas coisas:

Primeira: Como será o sorriso verdadeiro e espontâneo de Jacob Black? Seria bonito? Seria igual ao que ele estava sorrindo agora, um sorriso que desconforta e quase ofende? Ou um sorriso largo e arrebatador, que emana paz e calmaria pelos ares?

Segunda: Eu viveria para ver esse sorriso? Algum dia eu sorriria para ele e, por puro reflexo e espontaneamente, ele esticaria seus lábios para cima e me mostraria a branquidão dos seus dentes em um belíssimo sorriso?

Eu não sabia. O que eu sabia era que estas duas simples perguntas me fizeram ter uma louca e estranha vontade de ver aquele sorriso, quase como de qualquer jeito. Eu sacudi a cabeça. Eu era uma tola.

Eu suspirei e tentei chegar até Jacob para segui-lo, mas minhas pernas tornaram-se rebeldes e não me obedeceram. Nem mãos, braços, nem nada. Eu estava paralisada de novo. Eu comecei a cair para a areia e já estava sofrendo por antecipação dos séculos que levaria para tirar toda a areia do meu cabelo e nariz quando Jacob me pegou e eu caí contra o peito nu dele (sua camisa tinha voado do barco com a minha velocidade). Deus, aquilo era duro... e quente. Muito quente. Eu estremeci com a batalha de temperaturas obviamente diferentes entre nós. Éramos fogo e gelo, vulcão e iceberg...

... Vampira e Lobisomen.

"Me esfolariam vivo se soubessem que te deixei solta aqui." Jacob me disse com um muito, mas muito ligeiro tom de desculpas.

Eu esperei ele me jogar nos ombros como na primeira vez e foi por isso que ofeguei surpresa quando ele me ergueu na famosa posição de noiva e começou a entrar na pequena mata.

De onde eu estava – com a cabeça encostada em seu ombro esquerdo – eu podia ter uma bela vista do perfil daquele lobo e me aproveitei disso para estudar o rosto de um híbrido.

A testa franzida dele em uma careta frustrada e indecisa por algum motivo fazia sombra em seus olhos; as maçãs do rosto erma rígidas e altas embaixo de seus olhos negros, o que me fez imaginar que ele provavelmente tinha uns vinte e cinco anos; os lábios eram carnudos e atraentes com sua maciez, tanto quanto a pele amorenada e corada de vermelho ao mesmo tempo, como chocolate com essência de morango... Divino... será que todos os lobisomens eram assim?

Eu sorri maliciosamente no meu interior. Se todos os lobisomens verdadeiramente fossem iguais a Jacob, então eu estava numa ilha afrodisíaca!

"Por favor –" Jacob falou de repente. "– Não dê nenhum pio, agora." Ele sussurrou para mim, tão baixo que se eu fosse humana, não ouviria.

Espera, eu podia falar??

"Hey, Jared, Jacob voltou com a sugadora de sangue! Pode pagando!" Eu ouvi um garoto gritar e olharia se pudesse mover minha cabeça.

"Parem de palhaçada, é claro que eu a trouxe." Ele revirou os olhos. "Onde está Billy? Preciso vê-lo agora." A urgência na voz dele me deixou alerta. Por que toda aquela emergência?

"Ele está no salão com Sam, só esperando você chegar."

Jacob enrijeceu de repente e ele trocou o peso dos pés. "Ei, Embry, er... quando planejam... finalizar o serviço?"

Oh... bem, eu não precisava ser um gênio para saber de que serviço ele estava falando... Eu me arrepiei. E Jacob pareceu perceber, porque ele olhou frustrado para mim.

Embry bufou. "O mais rápido possível. – Amanhã de manhã."

Só mais quinze horas de existência?! Eu choraminguei sem querer e todos me olharam presunçosos e satisfeitos com o meu medo... exceto Jacob. Ele me olhava espantado com seus olhos confusos arregalados. Eu o entendia, também estava surpresa por ter choramingado de medo.

Ele sacudiu a cabeça e olhou para os outros. "Vou levá-la para um quarto e depois verei meu pai." Ele pausou. "E se eu desconfiar, se eu apenas sentir o cheiro de alguém que não seja o dela ou o meu perto daquele lugar, vão rolar algumas cabeças por aqui, ouviram??"

Eu ouvi três gargantas engolirem em seco.

Uma era a minha.