-Vamos logo, Rin! - a garota usando um longo rabo-de-cavalo gritou pela terceira vez em cinco minutos.- Tá todo mundo pronto, só falta você.

Apesar de Sango ser normalmente exagerada, dessa vez ela tinha razão. As duas amigas já estavam impecavelmente arrumadas, sentadas no sofá da sala, esperando a caçula descer as escadas afobada.

-Pronto! -ela falou sem fôlego pela corrida- Achei o celular!

As meninas riram, deixando a pequena Rin confusa.

-O que houve?- ela olhou para si mesma pra verificar se tinha colocado um sapato de cada cor, ou tinha esquecido de colocar as calças. Parecia estar tudo no lugar.

-Não que você não esteja uma gracinha...-Sango comentou ainda rindo.- Mas acho que usar a franja amarrada pro alto com um elástico, não combina muito com seu look.

Rin correu para o pequeno espelho no corredor, e envergonhada viu que tinha se esquecido completamente de soltar a franjinha depois de terminar a maquiagem. Ajeitou como pode as mechas no lugar, enquanto dizia sua checklist em voz alta.

- Celular... Bolsa... Carteira... Ingressos...?

- Em cima da mesinha de centro na sala.- Kagome apontou para o pequeno amontoado de objetos a sua frente.- Não tá faltando nada, Rin.

-Só falta Kikyo chegar do salão.-Sango olhou para o pequeno relógio de pulso que usava.- Ainda falta umas duas horas então vai dar tempo para pegarmos bons lugares.

-O queeee?- Rin protestou indignada. - Você ficou me gritando o dia todo, achei que estávamos atrasadas!

- Se eu não gritasse AÍ SIM estaríamos atrasadas.- Sango rolou os olhos.- Você é muito distraída, até mais que a Kagome.

-Ei!- as duas exclamaram em coro e Kagome, que estava sentada ao seu lado no sofá atirou um das almofadas na cara da amiga.

-Desculpe, mas a Sango tem toda razão.

As garotas pararam a eminente guerra de travesseiro, para olhar para a pessoa que acabara de chegar. E não puderam conter a supresa ao encontrar Kikyo tão transformada. Sua pele naturalmente alva, parecia ser feita da mais pura porcelana, seus olhos brilhavam sob cílios espessos e escuros, seu cabelo escuro e longo normalmente liso, caia em ondas perfeitas.

-Kikyo, você está linda!- Sango elogiou arrancando um sorriso gracioso da amiga.

-Isso com certeza é porque ela vai encontrar o Inuyasha hoje!- Rin comentou rindo.

O sorriso que estava nos lábios de Kagome, diminuiu para uma linha fina no instante que o nome do namorado de Kikyo foi citado. Sango pareceu ser a única a reparar, e com um suspiro resinado fingiu que nada tinha visto e desconversou dizendo que era hora delas partirem.
Kikyo com cuidado pegou as chaves do carro de cima da mesinha, sendo tiradas da sua mão segundos depois.

-Nada disso, maninha.-Kagome falou já saindo em direção ao banco do motorista.- Não vai estragar suas unhas, eu dirijo hoje.

Kikyo levantou uma das sobrancelhas, mas sentou sem questionar no banco do carona.

-Kagome está cheia de responsabilidade hoje!-Rin brincou se jogando no banco de trás com a Sango.- Motorista e portadora da Shikon no Tama.

A garota riu, tocando na pequena bolinha rosa que carregava em um cordão no pescoço. Aquilo não tinha nada de valioso financeiramente para ser chamado de jóia, era apenas um cordão de nylon com algumas contas, e uma pedrinha de quartzo rosa. Mesmo assim, para as quatro amigas naquele carro, era mais precioso do que qualquer diamante. Representava seu carinho um pela outra, era a prova de que elas podiam superar qualquer coisa. Quatro amigas, quatro almas juntas para sempre. Kagome riu com as lembranças, e ligou o carro.

Mas sua alegria não durou muito. O celular de Kikyo tocou, e ela atendeu em seguida. Era ele.
A única nuvem negra no céu azul de Kagome, a única manchinha ruim em seu coração. Inuyasha. Ela tentou focar os olhos na estrada, mas não conseguia desviar a atenção do telefone. Se corroía para saber o que eles estavam conversando, mas sabia amargamente que isso não importava. Sua imaginação sabia ser cruel o bastante. E ela imaginava, o ciúme crescendo como uma represa que foi durante muito contida, a deixando surda para as palavras que eram realmente ditas. Ela imaginava, as juras de amor, os sussurros, conseguia ver o sorriso solto do garoto em sua mente, feliz só por ouvir a voz da amada. Kagome brigou contra o nó que se formava em sua garganta. Kikyo não havia lhe dito nada, mas ela viu na noite anterior à irmã mais velha mostrando toda animada o anel que havia ganhado para a mãe. Era definitivo, inevitável. Eles, Kikyo e Inuyasha estavam noivos. Ela sentiu uma lágrima escorrer pelo canto dos seus olhos, numa trilha quente e solitária pelo seu rosto. Como era burra, pensava. Tinha que ter ligado para o Kouga. Pedido para ele levá-la a qualquer lugar. Como por um instante passou pela sua cabeça que seria forte o bastante para ir a essa competição? Ainda podia, pensou automaticamente tirando uma das mãos do volante para tocar no celular em seu bolso. Era só arrumar uma desculpa, estacionar o carro e em poucos minutos estaria sentada na moto do Kouga. Fugindo da verdade, como a covarde que sempre foi.

Entretanto, uma vozinha gritava no fundo do seu peito. Ela queria. Não, ela precisava vê-lo uma última vez. Precisava, mesmo que por poucos minutos, olhar no fundo dos seus olhos dourados, sem culpa. Então trancaria esse amor bem fundo no peito. Só assim conseguiria encontrar forças para estar na primeira fileira no casamento da irmã, verdadeiramente feliz por ela. Por isso estava ali, naquele carro. Por isso se forçou durante todo dia a se arrumar e ajudar a irmã mais velha a escolher o que vestir. Iria vê-lo lutar, sorriria como se o inferno não estivesse a queimando por dentro. E o esqueceria, de um jeito ou de outro, para sempre.

Como uma corrente elétrica passando pelo seu corpo, gritos desesperados a fizeram voltar para a realidade. Um carro fez uma ultrapassagem e vinha na direção do veículo das garotas. Kagome girou o volante para a direita na manobra mais rápida que pode, mas ainda sim o carro colidiu na lateral do seu, o fazendo girar descontroladamente na pista.

-FREIA! FREIA! -Sango gritou desesperada.

-EU NÃO CONSIGO! AGARROU! - Kagome respondeu tentando inutilmente afundar o pé no pedal.

-MEU DEUS DO CÉU!- Rin gritou quando o carro finalmente parou de rodar como um pião.

Apenas a pequena Rin soube o que as atingiu. Pois antes que meninas pudessem respirar aliviadas, antes que pudesse ligar o carro novamente, antes que pudessem olhar para frente e gritar, um caminhão de carga acertou em cheio o veículo amassado, numa pancada tão violenta, que o fez rolar para fora da estrada, capotando várias vezes pela grande ribanceira e parando só quando atingiu o rio.

-Ai meu Deus, a culpa é minha! A culpa é minha! -Kagome se desesperou chorando copiosamente.

-Kagome... KAGOMEE!- Kikyo gritou tirando a irmã do estado de choque. A água estava subindo, e os ferros contorcidos do que sobrou do carro afundavam rapidamente.

A garota olhou para a irmã mais velha. Mesmo num momento tão crítico, estando com o rosto todo cortado pelo vidro quebrado do pára-brisas, Kikyo transparecia calma, e sem a voz falhar uma única vez perguntou:- Consegue abrir a sua porta?

Depois de algumas tentativas desesperadas, Kagome desistiu.

-Não! Mas acho que conseguimos passar pela janela!

-Certo. Então vai na frente.

-Não!- a garota gritou. - Eu não saio daqui sem você!

-Sua boba!- Kikyo sorriu como se estivessem na sala de casa, e não quase sendo afogadas. -Se você não passar primeiro, eu não consigo sair.

-Mas...

-Vai logo! - a água já estava na altura do pescoço das duas. - Nada rápido! Eu vou estar logo atrás de você!

Sem ter outra escolha, Kagome pulou a janela nadando em braçadas rápidas para sair do caminho da irmã. Quando levantou a cabeça, viu dois corpos largados em pontos distintos do desfiladeiro em que despencaram. Um grito de horror saiu de sua garganta. Aquelas duas pessoas, duas mulheres mesmo com as roupas rasgadas eram inconfundíveis: Sango e Rin, suas amigas de toda uma vida estavam largadas, com os corpos meio retorcidos pelo acidente, o sangue escorrendo formando poças negras na grama.
Para o alívio da jovem, pessoas desciam dos seus carros, e se movimentavam para tentar ajudar. Alguns corajosos, tentavam descer a ribanceira para ajudá-las.

- O socorro está chegando, Kikyo! Vamos até a margem e...

A garota olhou para trás e o medo engoliu sua voz. Kikyo não estava atrás dela. Nem em lugar nenhum. Ela gritou despertada o nome da irmã. Não havia sinal nem dela ou do carro.
Ela nadou por mais alguns metros, afundando várias vezes inutilmente para ver se conseguia enxergar na água escura e barrenta. Foi quando um arrepio mais gelado que rio, subiu pela sua espinha, lhe atingindo mais forte que um soco no estômago. O caos do momento a vez esquecer de um detalhe, um pequeno detalhe que tornava Kikyo a maior mentirosa de todas.
Ela não viria atrás dela, não poderia nem mesmo se quisesse. Pois Kikyo, diferente de Kagome, não sabia nadar.

Com lágrimas de desespero rolando pelo seu rosto, Kagome continuou gritando e nadando.
Usando toda sua força, para ir cada vez mais fundo e mais longe no rio. Ignorando os pulmões queimando por ar, ela lutou até o fim do seu fôlego. Sua mente conturbada pela falta de oxigênio, pode jurar que viu sua irmã linda como antes de começarem a viagem, sorrindo e lhe esperando com os braços abertos. Mas não teve tanta sorte, mal seus dedos tocaram na imagem, braços a puxaram para longe. Tirando lhe contra vontade das águas, separando-as para sempre.