CAPÍTULO 01 – TEMPO DE PAZ
Mansão dos Kido. Chove. Sem conseguir dormir, Ikki levanta-se da cama e desce as escadas em busca de água. Na verdade, ele vai até a cozinha em busca de seu sono. Enquanto atravessa a sala, em plena escuridão, pensamentos invadem sua cabeça.
"Até parece que sou uma pessoa normal" – pensa enquanto para em frente à janela para admirar a chuva que caía – "Achei que nunca mais teria tempo para isso."
Cinco anos após o término da batalha de Hades, o mundo passa por uma fase de relativa paz. Conseqüentemente, os cavaleiros de Athena também.
Para retribuir aqueles que já deram a vida para ela tantas vezes, Saori deu a cada um dos 05 cavaleiros de bronze uma casa, nas imediações de Tóquio. Depois que certificou-se que não haveria perigo próximo, apesar da resistência deles, Saori lhes proporcionou merecidas férias, onde quisessem, com tudo pago. Ao retornarem, das férias, ela deu a cada um uma ocupação, uma profissão para que se sentissem úteis, enquanto não houvesse lutas. Eles aceitaram de bom grado, uma vez que jamais deixariam que a deusa os sustentasse.
Os pensamentos de Ikki são interrompidos quando ele escuta um barulho na cozinha. Caminha lentamente, preparando-se para atacar. Aproxima-se do interruptor e, quando acende a luz, dá de cara com uma preocupada Saori.
Parabéns! Se fosse há uns anos atrás você teria quebrado tudo com seus golpes sem nem se certificar de quem estava aqui. – ela diz, com sorriso fraco nos lábios.
Não sabia que deusas enxergavam no escuro. – Ikki retrucou.
... entretanto seu mau humor continua o mesmo. – ela diz e suspira, um longo suspiro de preocupação.
O que faz aqui? No escuro? – Ikki pergunta.
Vim tomar água para ver se ao retornar para o meu quarto consigo dormir.
É... vim fazer a mesma coisa.
Espero que consiga dormir e descansar. Amanhã temos muito o que fazer. Boa noite!
Boa noite... – Ikki responde mais para si mesmo do que para Saori, enquanto a assiste subir as escadas de volta ao quarto.
"Sei que ela está preocupada com alguma coisa, embora não vá me dizer o que é".
Ikki resolve não pensar mais naquilo, então desiste de tomar água e volta a seu quarto. Ele tem que levantar cedo.
- x – x – x – x – x –
O dia amanhece, lindo. É como se a chuva da noite tivesse limpado tudo.
Ikki está sentado à mesa, tomando seu café, enquanto pensa. Se dá conta que o que mais tem feito ultimamente é pensar. Após o término das batalhas, suas preocupações reduziram-se consideravelmente. Às vezes, ele pensava que seria bom ter alguém com quem dividir esse vazio; essa sensação de que faltava alguma coisa. Mas logo as cenas da perda de Pandora lhe voltavam à mente, e ele prometia a si mesmo que jamais se apaixonaria por alguém de novo. Os outros os consideravam amargo por conta disso. Mas ele já estava decidido a não sofrer novamente por amor.
Bom dia! – Saori lhe interrompe os pensamentos, novamente.
Bom dia...
Conseguiu dormir?
É... um pouco...
Sei. Parece que quem dormiu demais foi o Seiya, né? Vocês não tinham combinado de se encontrar aqui?
Tínhamos. Mas pra variar um pouco, ele se atrasou. – Ikki dá um último gole em sua xícara de café, levantando-se da mesa – Vou ver se encontro ele no meio do caminho, pra não atrasar ainda mais...
Até logo, Ikki! Se precisar de algo, me ligue.
Ta bom, ta bom... Tchau. – Ikki responde enquanto pega o celular para ligar para Seiya.
Sai apressado, em direção ao carro estacionado na garagem da mansão.
"Droga! Só dá caixa postal." – resmunga enquanto tenta rediscar para Seiya – "Para que celular se não liga essa porcaria?"
- x – x – x – x – x –
Há alguns metros dali, Seiya corre apressado em direção à mansão.
Ai, ai, ai... Perdi a hora bonito hoje! Seiya busca o pulso, procurando o relógio, e então se dá conta de que o esqueceu. Então, pega o celular para verificar a hora. Desligado. Na pressa de sair, nem se lembrou de liga-lo.
"Melhor assim – pensou – assim não ouço encheção de ninguém."
Seiya chegou à conclusão, então, que esse devia ser um daqueles dias em que é melhor não sair da cama. Tinha ido a uma festa com Mino, na noite anterior e dormiu no orfanato, onde ela ainda trabalhava e morava. Chegou tarde e acabou acordando atrasado.
Já fazia três anos que eles estavam juntos, entre idas e vindas. Mino nunca escondeu seu amor por Seiya. Dele, no entanto, não podia se dizer a mesma coisa. Digamos que ele não era bem o namorado perfeito. Volta e meia ela o pegava dando em cima de outra, isso quando ele não dava uns perdidos nela para sair com essas outras. Parecia novela: ela descobria, eles brigavam, separavam, ele se desculpava, ela aceitava e eles voltavam. Era sempre assim. Ele nem sabia mais se gostava dela, se é que algum dia chegou a gostar de verdade, não queria era ficar sozinho. Mas no momento, tudo o que ele queria mesmo era chegar logo para enfrentar de uma vez o mau humor do Ikki.
Estava sem carro porque tinha se envolvido num acidente e ainda esperava o conserto. Tinha pego um táxi, mas pegou trânsito também. Então, quando já estava perto, resolveu fazer o resto do trajeto a pé.
Não sei por que cargas d' água a Saori me pôs trabalhar logo com o Ikki. Não à toa, né, ela não é e nem poderia ser a deusa da sabedoria e...
BIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII!
Como se fosse um castigo da deusa, um carro pára a um dedo de distância do Seiya.
Ta maluco? Não enxerga não? Esse mundo está mesmo perdido! Hoje em dia dão habilitação para qualquer imbecil...
Seiya já ia dizer um monte de desaforos quando o irritado motorista põe a cabeça do lado para fora e diz:
Que eu saiba, o único cego imbecil é você. Está vendo alguma faixa? Aqui não é lugar de atravessar não, seu louco!
Ikki?
Não, chapeuzinho vermelho.
Você está mais pra lobo mau que pra chapeuzinho vermelho.
Então entra logo se não quiser saber o porquê dos meus dentes serem tão grandes.
Ta, ta...
Ikki detestava esse irritante hábito do Seiya de fazer piadinhas com tudo e nos momentos mais inoportunos.
Você perdeu o celular, é?
Não, esqueci de ligar. – diz Seiya tirando o aparelho do bolso e ligando-o
É, eu percebi...
Você me ama tanto assim que agüenta nem ficar cinco minutos sem me ver, não é?
Cala a boca...
Ah, é verdade! Você estava morrendo de saudade, vai, confessa! Você até vibra, de tanta felicidade, olha só a sua calça.
Como você é idiota! É o meu celular. – diz Ikki, enquanto tenta atender o celular e manter a direção do carro ao mesmo tempo. – O que quer? – diz brusco ao telefone.
Nossa! Bom dia para você também, Ikki! – disse a voz do outro lado.
Ikkiiiiiiiiiiiiiiiiii... – dizia Seiya com voz irritante – eu não quero ser chato, mas você vai ser multadoooooooooo...
Fica quieto! – retrucou Ikki – Quem é?
Sou eu! – responde a voz no celular – O Shiryu!
Ah, é você...
Vejo que ficou feliz em falar comigo. - ironizou Shiryu – Onde você está? Está atrasado!
É, – disse Ikki fazendo força para ouvir – eu sei!
Vai ser multado, vai ser multado, vai ser multado... – Seiya cantarolava sem parar, o mais alto que podia.
Você consegue falar com o Seiya? Eu estou ligando no celular dele, mas só dá Caixa Postal...
O quê? – Ikki não escutava, porque Seiya não parava. Quanto mais vermelho de raiva ele ficava, mais o cavaleiro de Pégaso se divertia.
VAI SER MULTADO, VAI SER MULTADO...
Ikki? Ikki? Estou falando que não consigo... Ikki? Você está me ouvindo? Que barulheira é essa do seu lado? Você sabe do Seiya?
VAI SER MULTADO, VAI SER MULTADO...
Sei, Shiryu, sei... Ele é a barulheira que você está escutando.
Shiryu riu do outro lado da linha. Como Ikki tinha ficado quieto, ele podia escutar nitidamente a voz do Seiya brincando e podia imaginar o quão feliz Ikki estava. Até que de repente, Ikki gritou:
CALA A BOCA SEIYA! MAIS QUE INFERNO!
Você vai... você foi...
Vai o que? Foi o que?
... multado! – Seiya disse baixinho, apontando para o lado.
Olha Seiya, se você não parar eu juro que vou...
Ahn..
Ah? – Ikki olha para o lado e dá de cara com um guarda de trânsito, com uma bela multa na mão. – Seu guarda, eu...
Sabe que é proibido falar ao celular enquanto dirige?
Sei sim Sr., é que...
Olha, Seu Guarda, eu bem que avisei que ele ia ser multado – interrompeu Seiya – mas ele não quis me ouvir. – Ikki fulminou Seiya com os olhos.
Pelo visto você entende bem de leis de trânsito, não? – perguntou o guarda.
Claro que sim, Seu Guarda! - orgulhou-se Seiya.
Então entenderá o porquê de estar recebendo outra multa...
Ikki, rapidamente se manifestou:
Outra multa? Por quê?
Por quê? Onde está o cinto de segurança do passageiro?
É que... – disse Seiya – Bem, eu me esqueci.
Esqueceu? É, esqueceu... – o guarda virou-se então para Ikki – Só vai se esquecer de pagar a multa ou seu carro poderá ser apreendido. – destacou a multa e entregou-a a Ikki. – Tenham um bom dia.
Ikki baixou a cabeça no volante e Seiya colocou o cinto. Começou a abaixar-se e encolher-se no banco, como se quisesse sumir. Então, eles escutaram:
Alô? Ikki? O que está acontecendo? Você está me ouvindo? Está precisando de ajuda? Quer alguma coisa? Responde! – era Shiryu, aflito, ainda do outro lado da linha.
Preciso, Shiryu, preciso sim. Tira o Seiya daqui, por favor, ou eu mato ele, juro que mato!
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Enquanto isso, um pouco mais afastado dali, Shun levantava os portões da academia Kido. Ele olhava para aquilo e sentia orgulho. Mas não era orgulho da construção, era orgulho de si mesmo. Ficava contente em perceber como tinha amadurecido e mais ainda em ver que Saori confiava nele o bastante para gerenciar aquele pequeno império para ela. E o melhor de tudo: sem Ikki por perto. Ele amava o irmão, mas conseguir bons resultados sozinho era como provar para ele mesmo que era capaz de se virar sem Ikki.
É. Ele tinha crescido. Ao fazer essa auto-análise Shun foi mais fundo. Pensou em como sua vida tinha mudado desde que as batalhas terminaram. Até teve coragem de declarar-se à June! Quer dizer, mais ou menos... Eles já tinham ficado algumas vezes, mas não conseguiam firmar relacionamento. Ela o amava, disso ele sabia. Mas não sabia definir o que sentia por ela. Era como se faltasse alguma coisa. Mas mesmo com esse sentimento meio mal resolvido no campo amoroso, ou justamente por causa dele, Shun sentia-se uma pessoa completa, normal. Ficava pensando, se não eram justamente as batalhas que o travavam.
Shun? Bom dia, amigo!
Ah? Oi, Hyoga! Bom dia.
Estava dormindo acordado?
Não, estava pensando na vida...
Hyoga gerenciava a academia junto com Shun. Shun cuidava da parte burocrática, financeira e ele lidava com a parte mais prática, de instrução e seleção de profissionais. Dava aulas de natação também.
Saori queria que cada um deles cuidasse de alguma coisa que fosse útil para a Fundação, que combinasse com a personalidade de cada um, e que, na pior das hipóteses, fosse fácil para substituir, no caso de uma batalha. Justamente por causa disso é que cada um deles tinha um "vice", que poderia assumir no caso de algo mais grave. Assim, ela deu a Seiya, Shiryu e Ikki a segurança dos eventos que a Fundação promovia. Seiya e Ikki cuidavam da parte de seleção, treinamento e supervisão dos seguranças, e Shiryu, cuidava da papelada. Eram duas mentes explosivas mexendo com o físico e gastando as energias com um pacificador, que equilibrava os lados.
Shun e Hyoga eram mais tranqüilos, ficaram com a parte mais "light", que era a academia. Os dois se davam bem, eram parecidos no jeito de lidar com responsabilidade. Para que não perdessem a forma, Saori lhes dava a academia de graça. Afinal, um cavaleiro gordo não ia conseguir ajudar em nada caso algo acontecesse de repente.
E era exatamente isso que sempre ficava na cabeça de Saori. "E se... e se..." todas as frases que lhe vinham na cabeça tinham essas duas palavrinhas na frente.
De qualquer maneira, ela tinha a sensação de que tinha as coisas sob controle, que estaria preparada caso algo acontecesse.
Mas e se eu estiver errada? – lá vinha o " e se" de novo.
Ela era uma deusa, é verdade. Mas tinha um lado humano que a fazia duvidar. Um lado humano que tinha despertado totalmente após a pausa dos confrontos. Era como se ela tivesse tirado "férias" do cargo de deusa. E ela tinha mais características humanas dp que podia supor. Inclusive, a de sofrer por amor. E como ela sofria. Ela ainda o amava, sim, e muito. Mas não podia ficar com ele.
É, mas esse era o fardo que teria que carregar pelo resto de sua vida. Não podia dar-se ao luxo de amar alguém quando tinha a humanidade inteira para cuidar. Isso era um peso. Uma responsabilidade bem grande. Mas uma linda e divina responsabilidade, que ela amava mais que tudo na vida.
Saori ia para seu escritório quando sentiu um aperto no peito. E dessa vez não era aflição humana. Em seu cosmo ela podia sentir que alguém muito poderoso se aproximava.
Não queria admitir, mas já estava sentindo isso há algum tempo. Era um presságio ruim e ela preocupava-se com isso. E muito. Já perdera muitas noites de sono pensando nisso, embora não soubesse o que era.
Quem será? – pensou enquanto olhava a porta.
Como que adivinhando que a campainha tocaria, ela dirigiu-se até a porta e abriu-a:
Mestre ancião? O que faz aqui?
- x – x – x – x – x – CONTINUA - x – x – x – x – x –
