O Doutor estava correndo com Rose logo atrás dele. Estavam no Rio de Janeiro, Brasil, passando pelos corredores de um prédio abandonado. Os dois alcançaram a escada e dispararam descendo. Era um prédio alto, de uns 20 andares. O Doutor parou de repente para tomar fôlego e Rose seguiu seu exemplo.

- O que... você disse... que era aquilo? – questionou Rose.

- Parecia... um Brioom – respondeu o homem de sobretudo.

- E isso é? – disse Rose, já recuperada.

- Uma criatura do espaço profundo. Eu não me lembro bem, mas se não me engano Briooms vivem em Lyeet, não muito longe de Gallifrey – ele parou repentinamente e olhou para uma abertura no teto distante. – Ou onde costumava ser Gallifrey.

Rose pôs uma mão no ombro de seu amigo. Quando ele se lembrava de seu planeta natal, destruído na Última Guerra do Tempo entre os Daleks e os Senhores do Tempo, do não havia muito o que pudesse fazer.

Então, com a mesma velocidade com que tinha se entristecido, o Doutor ergueu os olhos radiantes.

- Então allons-y, Rose Tyler! Temos um Brioom para cuidar!

Como se houvesse sido combinado, um urro veio do alto do prédio. Sem mais palavras, a dupla voou pelos degraus restantes. Ao chegar no térreo, foram para as portas duplas. Estava trancada. O Doutor pegou a sua chave de fenda sônica e trabalhou na fechadura que, apesar de velha, resistia bem. Então ela cedeu e os dois se lançaram para fora.

- Vamos fechar isso! – gritou Rose enquanto puxava as duas portas para a posição inicial.

- Isso! – disse o Doutor. – Feche-as – e ele passou a chave de fenda para trancá-la.

Ela obedeceu, e o outro veio com pedaços de madeira e outras coisas que estavam jogadas ali. Provavelmente haviam tentado reformar o local, mas tinham parado. Colocou tudo na frente da porta. Se levantou e olhou para Rose.

- Vamos lá, você também! - Ela entendeu o recado e correu para pegar entulhos. Ele agarrou uma corda grossa. Depois correu para um guindaste com uma bola de demolição na corda e a posicionou de modo a ficar logo acima da porta.

Ele desceu da máquina e foi até a mulher:

– Tome, pegue a chave de fenda. Modo 24-E e aponte para o guindaste quando o Brioom se atrapalhar na porta com os escombros – E olhou para o céu. – Deus, o sol está fazendo um bom trabalho nessa parte do planeta – E correu para um portão pequeno.

- Espere, está indo para onde? Ele está para o outro lado!

- Preste atenção na porta! – e saiu, o sobretudo esvoaçando logo atrás.

Rose se posicionou e ficou esperando. Logo ouviu alguns barulhos dentro do prédio. Ouviu uma fungada alta, e soube que o bicho havia captado seu cheiro. Ele tentou empurrar a porta, mas estava fechada. Então ele começou a se jogar contra ela. As dobradiças gemeram. Houve um estalo e o Brioom estava solto.

Tinha dois metros de altura, fácil, e possuía uma pele brilhante, como a de um sapo. Andava sobre duas patas e andava como um homem, mas tinha a cabeça de serpente, que se ligava a um corpo forte vestido com armadura.

Ele tropeçou nos escombros e tombou no chão. Rose hesitou só um momento antes de apertar o botão da chave de fenda já ajustada. Porém a bola de demolição não caiu, mas começou a girar loucamente. Por sorte, o canteiro onde estava o prédio era grande, então havia espaço, mas ainda assim era perigoso.

O Brioom se ergueu e rugiu para a máquina. Quando ela não demonstrou se intimidar, o monstro começou a bater nela com seus punhos enormes. O metal começou a se deformar, porém o braço continuava girando com aquela esfera gigante.

- Rose! – gritou o Doutor, de algum lugar atrás dela, bem ao longe.

O monstro se virou na direção da voz e viu Rose. Deve ter recapturado o cheiro também, pois suas narinas mão muito agradáveis de serem descritas se dilataram com vigor. Rose jurou ter visto uma pedrinha voar para o interior do nariz do Brioom, mas ele não pareceu se importar. E se lançou para a garota. Rose ergueu a chave de fenda sônica por reflexo e esperou a dor que sabia que viria.

Por sorte, seu dedo pressionou o botão, que acionou a função da chave de fenda. Não surtiu nenhum efeito letal no monstro, mas acendeu a famosa luzinha azul.

Os Briooms tem um fascínio incrível por coisas brilhosas. Eles evoluíram de pequenas células trazidas em um meteoro, que caiu na terra que viria a ser Lyeet. Elas só sobreviveram porque os diamantes d'água, que cresciam aos montes ali, se agruparam em torno do meteoro com velocidade e concentraram o pouco calor que havia no planeta nessas células, por acaso, e elas se desenvolveram. Daí seu amor por tudo o que, em sua concepção, lhes deram vida.

Quando a luz se acendeu, o Brioom parou para admirar o brilho daquilo que parecia um diamante d'água, de tão azul e radiante que era. Não foi muito, nem dava para pensar em correr, mas foi o suficiente para o Doutor chegar. Ele carregava a corda que tinha levado, e ela estava empapada com alguma coisa, que pingava copiosamente no chão do canteiro. Ele a girou acima da cabeça e lançou na direção do Brioom, que ainda olhava a ponta brilhosa da chave de fenda. Quando ergueu a cabeça, recebeu uma bela pancada de corda molhada.

Ele tombou, e Rose correu para perto do Senhor do Tempo, esperando o ser se erguer novamente, porém ele ficou no chão se retorcendo e gritando horrivelmente. O Doutor correu para o monstro, afastou a corda dele e começou a tirar seus sapatos. Como se a situação não fosse suficientemente insana.

- Rose, puxe cada um dos dedos do pé dele. Agora!

- Eu não vou tocar nessa coisa! Tem gosma! E verde!

- Você nasce da fusão de duas gosmas que se unem. Tecnicamente você é uma gosma crescida. Feliz? Agora puxe os dedos!

Os dois fizeram aquilo, cada um em um pé (que vale ressaltar, tinham oito dedos cada), enquanto o monstro se debatia e fumaça saia de onde a corda o tinha tocado. Então Rose puxou o dedinho do pé esquerdo (sim, ter oito dedos não quer dizer que você não possa ter um pequenino) e ele estalou. O Brioom se enrijeceu e depois relaxou os músculos, desmaiando.

- Agora estamos melhor – disse o Doutor. – Venha, me ajude a colocá-lo na sombra.

- O que havia na corda? Ácido? Gosma espacial?

- Água do mar.

- Ah, água... água do mar? O que isso pode fazer com um alien?

- Bom, contra este tudo. Ele tem uma constituição úmida, que não suporta o contato do sal com a pele. Pode ver como ela brilha contra o sol. Lembra que ele estava gritando como louco quando o achamos, no meio da rua? O calor dessa terra devia o estar matando, como está fazendo comigo nesse exato momento. Essas roupas são para o clima de Londres, pelo amor de Deus – terminou ele, rindo. Pegou a chave de fenda sônica, ajustou a função e parou a bola de demolição, que ainda girava.

- Então acabamos aqui? – disse Rose, rindo do gracejo.

- Sim, vou trazer a TARDIS aqui, e podemos ir.

Depois de a TARDIS chegar no canteiro e a dupla colocar o Brioom dentro da máquina, a porta da caixa azul se fechou e fez seu barulho característico, até desaparecer no tempo e espaço. Lá dentro, o Doutor e Rose conversavam.

- E agora? Para Lyeet? – questionou a mulher.

- Sim, sim. Estaremos lá em alguns minutos – disse ele, movendo os infinitos controles daquela máquina impossível.

A nave aportou num ponto isolado do planeta, frio e cheio de neve. O Doutor abriu a porta para ver se não havia ninguém. Quando confirmou isso, foi até o Brioom, ainda desacordado.

- Bom, em alguns dias ele não terá mais essas queimaduras. Com sorte, ele não se lembrará de mim. Sem sorte... bem... digamos que eu já esteja acostumado em não ser querido em mais um planeta.

Rose olhou para o homem de sobretudo. Provavelmente metade do universo o odiava. O Doutor era conhecido por preceder morte e destruição onde quer que passasse. Muitos desastres eram associados a ele. Mas nenhum deles conhecia o homem, ou melhor, alien com quem ela viajava. Era o mais bondoso e honroso de todos, que podia usar sua extrema sabedoria e poder para dominar as pessoas, mas as usava para impedir que seus iguais o fizessem. Sentiu um aperto no coração, Gostaria de gritar para cada ser existente que, se não fosse o Doutor, o universo teria entrado em colapso há muito tempo. Mas não havia como. E ele preferia assim.

Então, como uma espécie de compensação, ela foi até ele e lhe deu um abraço forte. O Doutor reagiu surpreso. Os dois ficaram ali por um bom tempo, e ela falou:

- Obrigada. Por tudo.

- Por nada, o que quer que seja – ele disse, e sorriu. – Vamos, estamos vulneráveis aqui.

Os dois pegaram o monstro e o jogaram na neve fofa.

- Não é perigoso para ele ficar assim, no frio? – questionou a mulher. – Sei que ele prefere isso a calor, mas tudo demais é veneno.

- Nah, quando chegamos aqui acionamos os radares deles. Soldados estão vindo agora. Ele estará a salvo. Esse som amigável de lasers sendo disparados parece ser a nossa deixa, Rose.

Uma tropa vinha montada em pôneis brancos como a neve embaixo de seus cascos, e seus cavaleiros traziam armas nas mãos e expressões nada amistosas nas faces.

- Concordo – ela disse, e os dois entraram na TARDIS. A porta se fechou e o Doutor correu para tirar os dois dali. Rose só se apoiou em uma estrutura de ferro e ficou vendo o Doutor trabalhar.

- Como ele pode ter saído de Lyeet para a Terra? – Rose falou.

- Um rasgo no espaço-tempo – disse o outro, sem olhar para ela. – Lyeet fica muito próxima do que restou de Gallifrey, e mesmo que faça tanto tempo, o poder residual dos Senhores do Tempo ainda está por ai. Uma concentração um pouco maior pode ter aberto um caminho e sugado o Brioom. Depois podemos investigar. Mas agora quero descanso. Ir para um lugar legal. Sugira-me um.

- Eu não sei nada do universo. Diga você.

- Tsc, tsc. Que decepção, srta. Tyler – disse ele, em tom de brincadeira. – Enfim, para isso serve o "aleatório" – ele abriu um sorriso rasgado.

- A TARDIS tem um botão de aleatório? Tipo, aperte aqui e me leve para o primeiro lugar que o sistema escolher?

- Um pouco mais complexo do que isso, mas em base sim – ele sorriu. – Se até iPhones têm, porque a maior máquina do tempo do espaço não pode ter? Allons-y, querida – e apertou o botão de aleatório.

A TARDIS deu seus solavancos costumeiros, fazendo seus passageiros balançarem como grãos num chocalho. Até ai tudo bem, mas então um ronronar estranho começou a vir dos motores. O Doutor correu para a mesa de controle, puxando alavancas e girando botões. Então a máquina do tempo ficou suspensa, por assim dizer, sem movimento algum. Um brilho dourado saiu do cano principal que transpassava a mesa e pulsou do lado de fora. Então a TARDIS voltou a voar com a sua velocidade normal. Aterrisou com força, fazendo o Doutor e Rose caírem no chão.

O homem foi o primeiro a se recuperar. Correu para a telinha da mesa e viu os dados que estavam sendo mostrados ali. Uma porção de bips eram dados, e a cada vez que soavam, a testa do Doutor ficava mais enrugada.

- O que foi, Doutor?

- Estranho...

- Onde estamos?

- Londres – disse ele com a mesma cara preocupada.

Rose respirou aliviada. Eles poderiam ter parado no fim do universo ou coisa no sentido, afinal.

- E o que há de mal nisso? – disse ela. – Vamos sair e dar uma volta. Esse território eu conheço – ela sorriu.

- O problema é que eu deveria conhecer também – disse o Doutor, erguendo os olhos nebulosos. – A TARDIS tem um sistema de mapeamento virtualmente inenganável.

- Inenganável? – Rose gargalhou.

- OK, realmente horrível. Nunca mais usarei essa palavra, se é que ela existe. Existe? Bom, esqueça. O fato é que a TARDIS nunca fez um registro dessa localidade. Nada tão grande assim, mas a tecnologia que conseguirá ocultar com sucesso algo do scanner só irá aparecer lá pelo Quarto Grande Império Humano.

- Ela pode ter chegado aqui de algum jeito?

- Dificilmente. Complicado demais trazê-la pelo espaço-tempo, e por nada. A Terra também não tem ameaças que exijam ocultamento tão avançado. E, acima de tudo, eu teria notado no começo. Um aparato desse se movendo por ai causa perturbações no fluido da temporalidade, impulsionando literalmente ondas de vácuo, que seriam notadas pelo sistema desoxivonal dos leitores...

Rose estava olhando para o homem com cara de tédio.

- Eu fiz de novo, não é?

- Sim, você fez. Bom, mas nada tão aterrorizante, não é? Podemos só fazer um reconhecimento rápido pelos arredores e ir.

- Sim, mas isso não me agrada tanto. Pode ser perigoso.

- Ah, deixe disso. Vamos – Rose puxou a manga do sobretudo do outro.

- Lá vamos nós – e ele se deixou conduzir até a porta da TARDIS e para o local desconhecido.

Os dois saíram em um chão permeado por neve. Estavam no pé de uma montanha, de onde podiam ver uma cidadezinha logo à frente. Tomaram a estradinha imaculada de pegadas e se dirigiram para lá. Havia uma estação de trem a uma distância considerável, então não conseguiram ler o nome, mas não parecia ser muito movimentada.

- É chocante ver tanta neve depois do Rio de Janeiro, hein?

- Concordo – disse Rose. – Avise-me se voltarmos lá. Tenho de ir com roupas mais leves.

Chegaram no começo da cidadezinha. Alguns transeuntes vagavam com grossas roupas, adequadas para aquele clima. Uma mulher abriu uma porta e jogou um gato para fora da casa. Uma placa pendurada em uma pilastra ali nomeava o lugar como "Três Vassouras". Ia entrar novamente quando a dupla se dirigiu a ela.

- Com licença, madame... – disse o Doutor.

- Rosmerta – respondeu a outra. Era alta e possuía uma expressão forte.

- Madame Rosmerta. Pode parecer meio estranho, mas poderia me dizer onde estamos?

- Ora, atordoados com as primeiras aparatações? – ela deu um risinho. – Bom, sorte a de vocês que não aparataram na frente de trouxas. Estão em Hogsmeade, queridos.

O Doutor sorriu esplendorosamente e agradeceu as informações. Não havia entendido nada, claro. Mas Rose havia assumido uma feição pensativa.

- Hogsmeade... aparatar? isso me lembra alguma coisa...

Os dois saíram pela rua e foram andando sem rumo. O Doutor notou o estado de Rose e questionou incrédulo se ela sabia algo sobre o lugar.

- Não sei, realmente, estou tentando lembrar... – e estacou.

A dupla havia acabado de fazer uma pequena curva suave, obtendo uma visão agora sem pequena interferência dos prédios que havia logo atrás. A visão se estendia até um penhasco, que era ocupado por um magnífico castelo. A luz do dia refletia no gigantesco lago que circundava o penhasco e batia nas paredes da edificação, dando um aspecto quase etéreo ao lugar.

E então ela se lembrou. Aquela era a história que Rose mais havia lido de sua infância até a idade adulta tornada realidade. O último livro havia estado em suas mãos poucos dias antes, graças ao Doutor. A ficção era de verdade, afinal.

- Doutor... estamos em Hogwarts – disse ela.