Olá a todos!

Pois é, o epílogo de You Shall Overcome acabou por se tornar numa mini-fic de continuação! Isto porque eu não quero deixar nadinha por explicar, portanto se achar que mesmo assim houve algum assunto que não ficou esclarecido, por favor aponte-o e eu terei todo o gosto em clarificar!

AVISO: Esta fic é uma continuação de YOU SHALL OVERCOME; como tal aconselho a ler primeiro a mesma se estiver interessado em ler esta, nem que seja apenas os dois últimos capítulos para se situar na história! Ah, e coloque por favor um alerta caso goste, porque a minha faculdade não me permite manter um "horário" fixo de publicação de updates.

- Os versos utilizados/adaptados no início (cuja tradução se encontra no final) são de uma música que usei como inspiração, ouça-a enquanto lê! - "So Cold", de Nikisha Reyes-Pile

- E já sabe, deixe a sua opinião, reviews são muito importantes para os autores! ;)

Disclaimer: Harry Potter não me pertence, não lucro com nada disto, mas a ideia desta fic é minha e como tal a fic também me pertence.


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HOW COULD I EVER OVERCOME?

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Oh...You can't hear me cry, see my dreams all die,
(You caused my heart to bleed and)
From where you're standing, on your own
(I can figure out why…)
It's so quiet here and I feel so cold
(Why I'm alone and freezing)
This house no longer feels like home...
(And I'm just left alone to cry)

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Hermione perecia.

Via o mundo crescer e autodestruir-se diante dos seus olhos todos os dias, mas o tempo para si não passava.

Estagnara.

Enrolada num dos cantos da sua modesta sala, ela procurava proteger o que restava de si. Deixara as luzes apagadas e escondera os espelhos porque doía demasiado ver no que se tornara. Queria ver-se como a eterna jovem de cabelos indomavelmente ondulados e sorriso rasgado de sabichona, mas ela parecia ter-se escondido de si própria para sempre. Doía, porque abdicara de tudo para a proteger. Talvez se empenhara demasiado naquela tarefa, ou talvez se tenha simplesmente tornado noutra pessoa. Temia que assim fosse, temia mas, algures dentro de si, ela sabia-o.

Tornara-se noutra pessoa.

Numa fugitiva, refugiada e com a cabeça a prémio, sem possibilidades de perseguir os seus sonhos ou obter qualquer tipo de satisfação pessoal, mentindo aos seus pais e não os indo visitar para os manter em segurança. Hermione sobrevivia das esmolas que lhe chegavam da Ordem, assim como da caridade dos poucos amigos que lhe restavam devido à sua condição de sangue-de-lama e à difícil situação por que todos passavam. Procurara um trabalho estável com o mínimo de destaque que merecia, sem sucesso. A sua inteligência e audácia claramente não compensavam o facto de ter um sangue sujo. Tal ao início não a afetou, recusarem-lhe um posto de trabalho por isso e pela sua próxima relação com Harry não a deixara-a ligeiramente frustrada, mas ela conseguira seguir em frente e tentar de novo. Tentou uma, duas, três, vinte vezes, até que se tornou numa rotina e Hermione percebeu que durante os próximos tempos não seria uma boa altura para sonhar ou ter o que merecia. A confirmação chegou quando o seu nome passou a integrar A Lista, um documento com todos os sangues-de-lama procurados "para interrogatório" por crimes ou suspeita de conspiração. Não se queixara durante as semanas seguintes mas depressa compreendeu a colossal repercussão do seu novo estatuto. O tempo começou a passar e ela percebeu o quão difícil - insustentável mesmo - era ter a cabeça a prémio.

Necessitara de se esconder, de sobreviver. O tempo passou, a Guerra durava há anos e muito haviam perdido.

Muito havia sido destruído diante dos seus olhos, todos os dias, mas o tempo que corria, para si não passava.

A tempestade lá fora instigava o diluvio interior e fomentava todos os seus medos.

Cravou as unhas na sua pele quando um intenso trovão fez estremecer a estrutura do seu pobre apartamento. Estava frio.

Estava tanto, tanto frio…

Knock Knock.

Hermione não tinha campainha nem lareira, mas escondia um telefone muggle no seu roupeiro para poder falar com os seus pais. O barulho desenfreado da chuva recordava-a do quanto detestava aquele tempo e das vezes que correra a aninhar-se debaixo dos lençóis da cama do papá e da mamã quando era pequenina. De como os braços dele a protegiam enquanto a sua mãe lhe cantava uma canção de embalar.

Fungou.

Knock Knock Knock.

Ergueu a cabeça. Não era só o vento que embatia contra a sua janela, alguém também batia à sua porta. Não se mexeu. Ela não costumava abrir a porta, não até ter provas suficientes de que o devia e podia fazer:

- Sou eu Hermione, abre isto. Sabes que não te suporto desde o dia em que me partiste a varinha.

Levantou-se com a rapidez que o torpor que a inebriava permitiu e andou o mais depressa que pôde, aos tropeções, até à porta. Não espreitava mais pelo orifício da mesma porque tal tornara-se inútil uma vez que a Poção Polissuco era frequentemente utilizada pelos dois lados na Guerra. Chegada à porta, começou a destrancar todas as instalações de segurança, que foram adicionadas por si, à mão. Quando a abriu, por fim, deparou-se com um enorme vulto ruivo. Mesmo naquela escuridão, Hermione reconheceu-o e não perdeu tempo a puxa-lo para dentro do seu apartamento, abraçando-o com toda a força que ainda lhe restava depois de voltar a colocar os dois em segurança.

Ron estava encharcado, e ela só o descobriu quando enterrou a cabeça no seu peito. Sentira tanto a sua falta, estava tão aliviada por ele estar bem. Queria certificar-se de que o plano resultara e que podiam considerar ganha mais uma das inúmeras batalhas já travadas. Ela apenas se podia reunir ocasionalmente com Harry, Ron e alguns membros de autoridade dentro da Ordem para planear o próximo movimento estratégico para derrotar Voldemort, já que o seu envolvimento com a mesma fora drasticamente reduzido a partir do momento em que integrara A Lista, para a sua própria segurança. Hermione deixara de ser o cérebro das operações e a Ordem só a chamava em caso de extrema necessidade, como acontecia com o que tinham em mãos.

- Correu tudo bem? Diz-me que sim! – pediu, enquanto ele acariciava o seu cabelo, agora húmido. Não obteve resposta. Insistiu – Ron… correu tudo bem, não correu? – repetiu, receosa e procurando conter a sua fraca esperança.

Em sinal de resposta, e sem se separar minimamente dela, o ruivo dirigiu-se ao sofá. Há muito que decorara o percurso para o mesmo pois ele sempre a visitava de madrugada e Hermione nunca dava sinais de estar em casa propositadamente. Afastou-se por fim e, após ver os seus olhos brilharem de preocupação graças à luz emanada de um relâmpago, colocou as mãos na sua face.

- Tem calma, Hermione… nós conseguimos ganhar esta, vai ficar tudo bem.

- C-conseguimos? – Ron percebeu o que ela temerosamente queria perguntar, mas não lhe ia dizer a que custo saíram vitoriosos. Já não eram mais crianças, mas isso não o impedia de a poupar ao peso de saber o número de vidas perdidas no campo mágico de batalha. Ele sabia, ele contava-as e recontava todos os dias, decorando os seus nomes. Era por eles também que em parte lutava, eles tornaram-se parte de si, de si, não de Hermione.

- Sim – confirmou, fazendo um esgar, uma sombra de um sorriso cansado.

- Que bom! Vem então, tens que tomar um banho quente – procurou a jovem mulher organizar para se impedir de pensar nas repercussões e sequelas do mais recente confronto. Confiava em Ron, mesmo estando ele barbudo, despenteado e sujo de lama. Ron seria sempre Ron. Isso fê-la recordar algo que também queria muito saber – Como está o Harry? E a tua família? Oh meu Deus, tenho tantas saudades de todos!

- Estão bem, dentro do possível, obrigada, sabes que o Fred nos faz muita falta – Ron notou a referência a Deus, mas não a comentou pois um laivo de tristeza atravessou os seus olhos, demasiado azuis, sem Hermione dar por isso. Fred deixara-os logo no início da Guerra, pois correra em defesa do seu irmão mais novo e do seu irmão gémeo. Todos lhe estavam gratos, mas os Weasley passaram naturalmente por momentos muito difíceis. – No entanto, não foi por isso que vim. Tenho novidades para ti.

- Para mim? – questionou-se, surpresa. Quem se teria lembrado de si, enquanto fazia um terrível esforço para se esconder, para além dos Devoradores da Morte que andavam atrás de feiticeiros nascidos muggles com o intuito de os matar e assim purificar o sangue dos futuros feiticeiros?

- Sim, arranjei-te um trabalho. Quero dizer, um trabalho para ti, Hermione Granger. – frisou.

Ela abriu os olhos ao início por estar confusa, mas depois por puro entusiasmo.

- Um emprego? Oh Ron, a sério? Um emprego de verdade? Em quê? Com quem? – perguntou enquanto tentava controlar a ânsia e se impedia de dar saltinhos no sofá. Alguém queria emprega-la depois de tantos e tantos meses sem ter uma única oportunidade e sabendo os riscos que correria por ela ter nascido numa família não mágica. Alguém queria arriscar e tê-la como funcionária pelo valor que ela tinha. Hermione já aceitara mentalmente a proposta sem saber sequer em que consistia, tal era a vontade de voltar a dar um propósito à sua rotina e de se sentir útil. Quem é que arriscaria tanto numa altura destas?

- Sim – disse, pegando nas mãos dela e fixando o seu olhar, agora mais palpável no meio da escuridão misturada com a ténue luz que vinha do exterior. A chuva ainda caía com muita força, mas não se ouviam mais os trovões – É no Ministério.

- O quê! – Hermione queria perguntar, mas acabou por inquirir. O que é que se passara pela cabeça de Ron? O Ministério era o primeiro local para o qual ela nunca se deveria dirigir!

- Calma, ouve, não há com que te preocupares. Sir Hunttington Midley foi muito preciso e incisivo. Há meses que te procura e finalmente conseguiu entrar em contacto com a Ordem.

- Midley… da Midley Corporations?

- Sim, ele tem um negócio paralelo na Londres muggle enquanto trabalha no Ministério.

- "Negócio paralelo"? É mais um imenso monopólio Ron! A Midley Corporations é a empresa mais rica e bem-sucedida de Londres, já se expandiu para os Estados Unidos e agora vai começar na Africa do Sul e na China! O que é que um homem desses faz no Ministério? – como é que alguém tão rico de preocupava com um trabalho tão simples e se incomodara a procura-la?

- Trabalha com arquivos, faz um levantamento da comunidade mágica e precisa de ti nesse sector.

- A que propósito? Quer adicionar-me à lista?

- Não, de todo. É ele quem dá o maior e mais importante contributo financeiro ao Senhor das Trevas, é incrivelmente poderoso, e como tal exigiu que deixasses de fazer parte d'A Lista. Diz que é uma vergonha estares lá porque claramente és tão ou mais feiticeira do que muitos outros. Para além de que é necessário alguém com faculdades cognitivas para tratar de um assunto tão fulcral como este, ver as baixas, avaliar o número de pessoas que se converteram ou se rebelaram, entre outros, é de máxima importância.

Hermione procurou assimilar todas as informações. O seu futuro patrão queria tanto que ela colaborasse consigo que conseguiu garantir-lhe entrada livre no Ministério da Magia, completamente dominado por Voldemort, para que ela ajudasse a realizar um censos que favorecesse os Devoradores da Morte. Até que ponto seria verdade? E se fosse apenas mais um dos infindáveis esquemas para a apanhar?

- Tenho medo…

- Nós não te transmitiríamos a proposta se não fosse cem porcento segura.

- Eu sei… e quero aceitar. Quero tanto aceitar!

- Força então, – encorajou Ron – nós sabemos que és capaz.

- E posso vir a ser útil também… para ambos os lados…

- Verdade, apesar de Sir Midley tratar apenas de assuntos meramente objetivos, o facto de estares envolvida no projeto só por si será uma grande ajuda em termos de organização da Ordem.

- Eu quero ajudar. - arriscou, esta era a sua oportunidade de voltar ao ativo, mesmo que o seu papel não fosse muito significante. - Quando é que ele quer que comece? – perguntou, esperançosa.

- Amanhã. E agora, por Merlin, deixa-me tomar um banho que estou gelado.

Hermione levantou-se e, ao indicar o já conhecido caminho a Ron, sorriu, verdadeiramente e pela primeira vez em anos.

Antes de ir, voltou a olhar para a porta da rua e um trovão arrebatou-lhe o espírito. Estremeceu ainda mais ao perceber que voltara a divagar sobre aquele específico momento. O único momento em que se sentira razoavelmente feliz num longo e penoso espaço de catorze anos. Acontecera sete meses antes de fazer vinte-e-quatro anos.

Ao olhar em volta e sentir dores musculares, apercebeu-se que ainda se encontrava enrolada num dos cantos da sua modesta sala, procurando proteger e reconstruir o que restava de si. Para tal, era compreensível que se agarrasse à única coisa que a mantinha estável - reviver na sua cabeça os momentos menos maus por que passara. Com isso em mente, não voltaria a acender as luzes apagadas, fingindo que retrocedera ao tempo em que fazia parte d'A Lista, quando ainda sabia o que era acreditar remotamente no Futuro. Num futuro em que reaveria Draco e daria uma volta, para bem melhor, à sua vida depois do fim daquela maldita Guerra, porque tudo o que acontecia era culpa da mesma.

Era por causa da Guerra que ela não tivera a vida que sonhara, que deixara Draco e abandonara os seus pais. Tinha-se veementemente convencido de que, assim que ela acabasse, ela poderia ter tudo de volta e ser feliz. Agarrara-se desesperadamente a tal ideia, que se desmoronou completamente no dia em que Voldemort foi derrotado.

A sua vida não mudara...

... Draco não se lembrara de si...

... e os seus pais não voltaram.

Muito pelo contrário, Hermione continuava sozinha, como sempre estivera. Contudo, e por muito triste que isso fosse, reconhecer a verdade já não doía mais, era como se ela nunca tivesse conhecido o calor do seu verdadeiro lar ou a efusiva e espontânea alegria e garra de Gryffindor. Ela acomodara-se, habituara-se, e isso fazia com que temesse o facto de poder ter-se tornado noutra pessoa, quando na verdade ela estava bastante ciente do que estava a acontecer.

Ela perecia.

Via o mundo conter-se e reerguer-se diante dos seus olhos todos os dias, mas o tempo para si não passava. Estagnara.

Hermione choraria, se ainda fosse capaz.

Esconder-se-ia nos seus devaneios, se aquele não fosse o único que lhe restava.

Cravou os dentes na sua pele quando a chuva se intensificou e novamente um forte trovão fez estremecer a estrutura do seu pobre apartamento. Observou a sala, apreensiva, e pôde ver as leves cortinas brancas esvoaçarem graças ao vento que conseguia entrar pelas frestas de madeira apodrecida da sua janela. Seria isso a única coisa que apodrecera naquela casa? "Sim", ela queria afirmar com sensatez, mas já não era capaz de o fazer. Apenas reconhecia e vivia a sua gélida rotina de cristal, vazia de sentido e de coragem.

Não tinha mais forças, mas o frio nunca a deixara.

Tinha tanto, tanto frio, pensava, hipnotizada pelo esvoaçante tecido.

Algo no cru ondular prendera a sua atenção. Algo no simples gesto parecia recordar-lhe que um dia vira cores em seu redor. Cores… elas eram mais vibrantes na Primavera, não eram? O branco também se considerava uma cor na Primavera, certo? A Primavera... o que é que tinha de tão especial, mesmo? Alguma coisa importante acontecera, pressentia que sim… mas o quê?

Outro trovão fê-la fechar bruscamente os olhos enquanto procurava proteger a cabeça. A imagem que instantaneamente lhe surgiu foram uns vibrantes olhos castanhos banhados por um luminoso sorriso de tons esverdeados e ensolarados, envolto num esvoaçante tecido branco.

Ginny.

A Primavera tinha Ginny. Ginny e Harry, eles casaram-se numa Primavera. Hermione recordava vagamente o quão bonita tinha sido a cerimónia, apesar de secreta devido ao permanente perigo que assolava o mundo da feitiçaria. O calor daquele dia e a segurança daqueles sentimentos fizeram com que quisesse desabar. Hermione sentira-se completamente deslocada, desolada, como se pertencesse a uma outra realidade em tudo diferente e mais cruel que aquela. Não sabia durante quanto tempo conseguira manter-se instavelmente de pé, de cabeça erguida, dera tudo o que tinha e não tinha em prole disso, naquela ou em qualquer outra situação. Fizera os possíveis e os impossíveis para que nunca caísse, mas tal eventualmente aconteceu.

E ninguém notou.

Ao invés disso, todos sorriram, indiferentes à alteração na sua postura, na sua maneira de estar na vida.

Lembrava-se de Harry lhe dizer que não queria esperar pelo fim da Guerra, porque até ele próprio temia, secretamente e mais que todos os outros que dele dependiam, pela sua vida. Como tal, fez o pedido e declarou amor eterno naquela Primavera por egoísmo e foi correspondido. Contudo, Hermione não sentia pena ou compaixão do pesado pêndulo que pairara diariamente sobre a cabeça de Harry desde o dia em que ele fizera onze anos. Não o fazia porque ele, Harry, mesmo sendo quem era, pôde dar-se ao luxo de escolher. Deram-lhe a oportunidade de decidir e ele nem pensou durante dois segundos em proteger Ginny, que desde então corria o risco sério de se tornar viúva a todo o momento. Não pensou, também, no quanto lhe exigia ao prendê-la a um homem que poderia ter os dias contados e muito menos equacionou a hipótese de a usarem como refém para o matarem.

Harry declarara amor eterno, mas para Hermione o seu casamento não foi uma prova do mesmo. Não, ele não casou em prole da proteção de Ginny – ele fê-lo para não adiar a sua própria felicidade.

Para sorte do casal, no entanto, ambos sobreviveram à Guerra e procuravam agora uma casa só para si e para os filhos pequenos. Harry, escusado será referir, tornou-se num herói (pois já era uma lenda) e lidava com a situação recorrendo à modéstia de sempre, ao mesmo tempo que ouvia as constantes piadas de Ginny.

Voldemort tinha sido derrotado há quatro meses, para alívio e segurança de todos.

As cidades e vilas eram reconstruidas a grande velocidade pois toda a gente ansiara, sonhara, durante demasiado tempo com o fim da Guerra e muitos eram os sonhos e planos que constavam de listas a fazer assim que o pesadelo terminasse - recuperar para depois realizar. Assim, todos pareciam encaminhados e empenhados, certos das atitudes que teriam que tomar.

Todos, mesmo ela.

Qual era o propósito, mesmo? A constante dor que se alojara dentro de si impedia-a de pensar. Ela agrafara-se aos tecidos de Hermione, corroendo-os e sugando tudo o que de energia restava. Entranhara-se de tal forma dentro dela que, por mais assustador que pudesse parecer, sentia que fazia parte de si e que se a arrancassem os seus órgãos viriam por acréscimo. Estava alojada, acomodada – fazia parte de si. Desde o dia em que deixara Draco na tola esperança de mais tarde o poder reaver e desde o dia em que os seus pais morreram e ela percebeu não só o quão sozinha de facto estava, mas também o quanto a solidão tinha já devorado de si.

Os seus amigos e os seus companheiros foram assassinados a sangue frio dia sim, dia não, naquela maldita Guerra e ela sabia disso, mesmo que Ron o tentasse esconder para a poupar a depressões durante o período em que estivera refugiada. Contudo, Hermione nunca deixara de estar bem ciente dos enormes perigos que existiam e do quão fácil era perder a vida, mesmo que acidentalmente. Ela sentia na pele o que era lutar diariamente pela mesma. Por isso, sempre que Harry ou Ron saiam do esconderijo onde cada um vivia, Hermione não se conseguia controlar.

Os seus ataques de pânico iniciaram-se quando Harry regressara bastante ferido de um confronto e o levaram para sua casa pois era um dos locais mais seguros e não vigiados pelos lacaios do Senhor das Trevas. Ao vê-lo, o cérebro de Hermione funcionou a mil à hora e processou todas as informações necessárias enquanto as lágrimas lhe escorriam involuntaria e furiosamente pelo seu rosto. Procurando comunicar a notícia a Ginny, ela convenceu-se que tal acontecera porque não estivera presente, tal como acontecera com os seus pais – eles morreram num acidente de viação a caminho do consultório porque ela os tinha deixado sozinhos. Se tivesse estado com eles, eles ainda estariam vivos.

Sendo o facto de estar com ela uma garantia de sobrevivência, Harry e Ron não poderiam jamais deixa-la, porque nesse momento algo de mal lhes aconteceria. Não podia, não podia deixa-los. Não podia deixa-los, mas eles deixavam-na e a histeria tomava conta de si como se se tratasse de uma força sobrehumana até os seus amigos finalmente regressarem. Quanto esse momento finalmente chegava, ela corria desesperada na sua direção e apertava-os entre os seus braços até os magoar o suficiente, até que a dor deles se tornasse relevante, mas mesmo assim, de todo incomparável com o tamanho e o peso da sua.

Era a isso que ela se resumia: uma mulher terrivelmente assustada, dona de uma apática histeria. No fundo, uma mulher apagada.

Tudo o que lhe restava durante a Guerra era esperar pelo retorno dos amigos, uma vez que todos os seus sonhos, esperanças e ambições haviam ficado naquela sala de Hogwarts juntamente com Draco, na altura em que ainda podia desfrutar da meninice dos seus dezassete anos. Não que, depois disso, não tivesse desejado diariamente que Voldemort fosse derrotado para poder desfazer logo aquele maldito feitiço, mas tal tão depressa não aconteceu e os dias tornaram-se anos. Acomodou-se enquanto via a carreia profissional de Draco tornar-se cada vez melhor, em parte devido aos seus bons contactos, apesar de saber todo o mérito e talento que o jovem possuía, e em parte por ela não estar mais presente na sua vida. Vê-lo singrar no Ministério da Magia em tempos tão angustiantes compensava, mal, o facto de ter que se manter afastada dele. Todos os dias se convencia de que era o melhor para a segurança de ambos e, de facto, acreditava genuinamente que assim o era. Isso permitiu-lhe aguentar-se durante os primeiros quatro anos, em que procurara um trabalho estável com o mínimo de destaque que merecia, mas tal nunca chegou a acontecer. O emprego que mantivera nos Arquivos (dentro do mesmo edifício em que ele trabalhava mas no extremos oposto, pelo que averiguara) era o suficiente para a sustentar e nem Merlin sabia o quão agradecida ela estava por aquela oportunidade, até os seus pais falecerem.

Hermione recordava-se como se fosse ontem, tinha completado os seus vinte-e-quatro anos há dias.

O choque e a dor da perda foram avassaladores e varreram de si todo o resquício de luz que conseguira a custo manter. Fechara-se no seu simples apartamento, cuja renda era adequada e agora paga com o seu pequeno salário, e não vira a luz do Sol durante quinze dias. Não foi ao funeral, que ficou a cargo de uma das suas tias, e também não abriu a porta a Harry, Ron ou Ginny, que durante esse período de tempo insistiram em visitá-la. No entanto, ao décimo sexto dia, o ruivo deitou a porta da sua casa abaixo, para contemplar, em pânico, as inúmeras garrafas de whiskey vazias e espelhadas pelas três divisões. Ao ver Hermione inconsciente, telefonou para Harry e para uma colega de trabalho que não era tão afastada da jovem quanto os restantes, e de seguida pegou nela e dirigiu-se a um hospital muggle para que o incidente ficasse fora do mundo em que viviam.

Desde então, ela não havia sido mais a mesma, até aos dias de hoje.

Vivia por viver, sem Draco e sem os seus pais. Era verdade que os amigos haviam sido essenciais para a ajudar a retomar a sua rotina, sempre desprovida de sentido, mas não conseguiram nem de perto preencher o vazio que a ausência dessas três pessoas deixara dentro de ti. A nível profissional, contudo, deu por si num desespero irracional de ocupar a mente com infindáveis tarefas mecanizadas. Tão bem sucedida foi que, apesar de ter estado em vias de ser despedida, uma vez regressada ao trabalho, e desempenhando-o sem uma única falha, Sir Midley a promoveu, fazendo com que atingisse o escalão máximo na área dos arquivos no espaço de cinco anos. O feito deixou-a remotamente satisfeita, mas, como tudo o resto, era algo que verdadeiramente não lhe interessava. Nada mais a interessava.

Até aquele dia chegar.

O dia em que Voldemort deixou de existir.

O dia em que a Guerra terminou.

Algo de si se inchara de orgulho, pois em parte o plano só fora possível graças à cooperação de um certo loiro. Contudo, mais que isso, ficou feliz por Harry ter sido vitorioso e por ter tido força física e interior suficiente para devolver a paz a todos os feiticeiros e muggles. Todos festejaram durante três dias a liberdade que lhes fora em tempos tirada, rindo e respirando de alívio por se sentirem de novo seguros enquanto caminhavam pelas ruas da cidade. Depois, no entanto, havia ainda muito trabalho que fazer – era necessário reconstruir o que fora destruído e prender todos os criminosos que cometeram as maiores atrocidades em nome do Senhor das Trevas. A própria Hermione quase perdera a vida perante um desses criminosos, mas a falta de vontade que tinha de se agarrar a ela permitiu-lhe manter o sangue frio e triunfar perante toda a adversidade. Irónico.

Mas as coisas seriam diferentes a partir daquele momento. Ela sentira-se rejuvenescer quando percebeu que mais nada a separava de Draco. Só teria que ir até ele e quebrar o maldito feitiço. Só lhe pediam que corresse e o fizesse na hora, para depois ter a oportunidade de ser e de o fazer feliz. Fazer Draco feliz… era tudo o que ela sempre quisera, desde os seus doze anos. Em tempos, acreditara piamente que seria ela e mais ninguém a única pessoa capaz de o fazer. Contudo, o facto de ter crescido fê-la encarar a realidade. Ela já não era a mesma menina. Não, ela era uma mulher em tudo muito diferente daquilo que esperavam outrora de si. Não era famosa, não contribuíra para a História da Magia, não tinha posses e, sobretudo, não era feliz. Ao invés, tornara-se numa pessoa sozinha, indiferente e marcada pela dor da perda. Essa pessoa, que não sabia o que era a felicidade, não a poderia trazer a Draco… pois não? E mesmo que o quisesse fazer, como deveria proceder? Hermione criou na sua cabeça, na altura, mil e uma formas de se aproximar dele e mil e uma formas de as suas tentativas falharem. Não fez mais nada durante três meses e meio, recriando mentalmente infindáveis cenários possíveis, sendo o que mais a assustava aquele em que Draco, após se recordar, a aceitava e depois a deixava por ela não mais ser a mesma, por ela não mais ter força.

Desperdiçou cento e cinco dias a tentar resolver questões existenciais relacionadas com o assunto e, quando deu por isso, ficou assustada. O facto de querer encontrar a melhor forma para falar com Draco e cumprir a promessa que lhe fizera há catorze anos tornara-a obcecada e banhada em dúvidas, o que a privou de efetivamente tomar uma ação. Há cento e cinco dias que quebrava a sua promessa, o que é que ele lhe diria? Como é que ele reagiria? Draco, sabia, tinha uma vida equilibrada, vivendo com a mãe e uma bonita mulher de cabelos castanhos-escuros. Hermione não tinha o direito de destruir tudo o que ele conquistara, tinha?

Não, de todo.

Aninhou-se no canto em que se encontrava, enquanto a chuva insistia em inundar Londres e afogá-la no seu pranto. Já pensara muitas vezes em seguir em frente e acabar de vez com o seu sofrimento. Tentara uma vez num daqueles dias infernais em que se encontrava devastada pela morte dos seus progenitores, mas Ron trouxera-a de volta e ela precisava acreditar que havia algum propósito nisso.

Haveria, com certeza, ela só tinha que esperar mais um pouco e sair daquele buraco, daquele canto, e enfrentar a tempestade. Levantou-se a custo e dirigiu-se para o véu de Ginny. Sabia que encontraria luz, mais tarde ou mais cedo. Abriu desajeitadamente as portadas e a sua janela, com a ajuda do vento. A gélida corrente de água que entrou e encharcou a sala, assim como ela própria, arrepiou-a. Conseguia ver distorcidos pontos luminosos à sua volta, assim como os puros tons de branco que eram refletidos no céu. Sabia que algures, a sua luz também brilhava. Com um pouco de amor, ela até estivesse pronta para encandear Hermione, como sempre fazia, e ela mal podia esperar para a abraçar e receber de volta, porque independentemente de tudo e apesar de ela conseguir desistir de tudo, Hermione não era capaz de abdicar disso. Não, ela, no fundo, era tão egoísta quanto Harry.

E mal podia esperar para, finalmente, abraçar e receber de volta a única pessoa que ainda seria capaz de a fazer viver.


Continua


Oh... tu não consegues ouvir o meu choro, e ver todos os meus sonhos morrerem,
(É por tua causa que o meu coração sangra e)
Do local onde te encontras, por tua conta
(Eu consigo perceber porquê…)
Está tão silencioso aqui e eu sinto tanto frio
(Porque é que eu estou sozinha e gelando)
Já não sinto esta casa como um lar...
(E eu estou apenas sozinha, chorando)
.

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PS - Não fiz uma tradução literal para o sentido não se perder;

PS2- Todos os que visitavam Hermione tinham combinado dizer uma determinada realidade/mentira, como a de Ron: quem lhe partira a varinha fora Harry

PS3 - Espero que se perceba a confusão de "viagens no tempo"! Hermione repete momentos como a derrota de Voldemort porque foram os que verdadeiramente a marcaram e como a fic se trata de um POV seu, é natural que esteja confuso. O próximo capítulo não será tão compacto e iremos descobrir mais sobre Draco, portanto não o percam! ;)