Quinze minutos depois de uma da manhã, e ele precisava de seu menino naquele momento, quando virou mais uma dose em sua boca seca.
Meia hora depois de uma da manhã, e ele não sabia o que fazer senão tomar mais um gole, afogar mais uma mágoa.
Quarenta e cinco minutos depois de uma da manhã, e tudo o que ele sentia era o vazio infinito de seu corpo.
Duas da manhã e o copo estava cheio, sua mente se esvaziava aos poucos. Mal se lembrava do nome que lhe pertencia.
Quinze minutos depois das duas, com uma garrafa de whisky, alguns shots de tequila e um coração que não batia mais, adormecido.
Meia hora depois das duas, e seus olhos não conseguiam ver o relógio, mas sua alma sentia que não era tempo suficiente para esquecer.
Caiu do sofá de couro, escorregando até o chão e ali ficando com um barulho oco, sentindo seu corpo inteiro doer embora não estivesse machucado em lugar algum, não por fora. Por dentro, não tinha nada além de caos e cacos. Cacos que a qualquer movimento eram esmagados, comprimidos contra sua alma; seu coração em pedaços causava uma bagunça maior do que a que ele esperaria que pudesse causar. Ficou estático, sentindo a maciez do tapete persa, exalando o mais devagar que podia o incenso turco – respirar forte demais doía, suas costelas o arranhavam, seu corpo não o agradava. Ele era um monte de estilhaços que o mutilavam lentamente. Nem mesmo a maciez e a exuberância o confortavam. Ele estava quebrado.
Percebera o momento exato em que começara a chorar – fora logo depois da quinta dose, entre o whisky e a vodca –, não mentiria sobre isso, mas se recusava a aceitar que o fazia, fingia que não estava acontecendo, que não sentia as lágrimas quentes rasgarem seu rosto avermelhado pelo álcool e pela dor, pelo medo, pela saudade, por todos os cacos que insistiam em torturá-lo. Estava chorando porque não tinha mais o que fazer, lábios rachados roçando linhas douradas. Olhos dourados observando a parede rachada – ou não, ele não sabia o que via, para ser sincero. Tudo doía e nada parecia inteiro.
Um soluço cortou o ar imóvel, e foi seguido por uma exclamação de dor que ecoou por todo o apartamento. Um lamurio alto e pesado que agarrou-se no silêncio e ali ficou, viscoso. Se tivesse forças para erguer sua mão, o tocaria e sentiria escorrer por seus dedos. Se tivesse força para isso, mas não tinha. Ele não tinha nada além de todas as coisas caras e de todas as roupas de marca e de todos os livros velhos e de todo o álcool que corria em seu corpo como pólvora. Se estalasse os dedos naquele momento, será que queimaria? Quais eram as chances de entrar em combustão e colocar fogo em seus cacos, em seu corpo moribundo, em seus olhos vítreos? Qual era a chance de esquecer que... de esquecer, apenas.
Ele quase riu com aquela ideia, aquela ironia. Como se esqueceria da coisa mais importante da sua vida? Como, em todos os milênios que se seguiriam, poderia se esquecer de alguma coisa? Odiava se lembrar de tudo o que fazia doer, odiava a dor e todas suas pontas afiadas. Se odiava por odiar o que o tornava humano. Fechou os olhos com força, até que os pontos brancos fossem mais do que simples fantasia. Estirado no chão. A pólvora o consumia. O coração não batia mais forte porque se o fizesse quebraria tudo o que ainda estava inteiro – o que não era muito –. Ele não sabia o que poderia fazer, mas precisava. Precisava de seu menino mais do que tudo, e precisava justamente quando não o teria. Seu choro manchou a noite e derramou-se por tecidos finos com os quais não se importava mais.
- Aku cinta kamu... Alexander. – não enxergava porque não queria e porque as lágrimas não deixavam – Eu me deixei quebrar por você, meu menino...
Ele não sabia quantas horas eram, mas seu corpo doía muito para que ligasse. Ele amava muito para que fizesse alguma diferença.
