Capítulo 1 - Um universo, dois mundos:
O verão lançava seus últimos estertores sobre o território do Reino Unido, cedendo seu domínio com incomum antecedência à chegada do outono.O processo natural era notadamente ilustrado pelo amarelamento e queda das folhas das árvores, bem como pelas temperaturas mais baixas que imperavam na região já há algum tempo.
Na verdade, este fenômeno chamava mais a atenção dos habitantes do mundo não-bruxo, somados aos acontecimentos inexplicáveis e atípicos que devastavam o país nos últimos tempos. Qualquer um que possuísse o mínimo de habilidades mágicas saberia explicar que o fato do ar ter se tornado mais gelado, ao mesmo tempo em que trazia a sensação de angústia e desesperança, era devido, nada mais, nada menos, que à presença maciça de dementadores pelos arredores.
Muito além dos grandes centros, nas imediações do vilarejo bruxo de Hogsmeade, mais precisamente dentro das divisas da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, o vozerio em tom alto ribombava pela abóbada magicamente estrelada do Salão Principal: era o início de um novo ano letivo.
Todos os alunos tinham muito que contar sobre as férias, e o reencontro dos velhos amigos juntamente à fartura da mesa eram um estímulo à algazarra e tagarelice; o que, aliada à inusitada notícia da troca de cargo do tradicional professor de Poções para Defesa contra as Artes das Trevas, tornava o grupo de bruxos adolescentes ainda mais inquieto e agitado.
Os novos alunos, selecionados pelo Chapéu Seletor há pouco, já se sentiam em casa e, entre o bater de pratos e o tilintar dos talheres que dominava o ambiente, aproveitavam para lançar olhares curiosos em direção à mesa da Grifinória, onde o recentemente intitulado "Eleito" se encontrava sentado.
Ao lado deste, Hermione Granger, assim como os demais integrantes da Armada de Dumbledore, demonstrava sua fidelidade à causa para a qual Harry Potter dedicava a sua existência. Não deixava, porém, de cumprir com suas obrigações de monitora, o que, apesar de sua insistência, não conseguia incutir na mentalidade de um certo garoto ruivo, seu companheiro de cargo.
Após se fartar com as delícias do banquete inaugural, Hermione se dirigiu para o amplo saguão, de onde seguiria com os primeiro-anistas rumo às escadas que levavam à Sala Comunal da Grifinória, conforme lhe designava sua função. Havia subido os primeiros degraus, orientando o grupinho assustado e deslumbrado ao mesmo tempo, quando vozes em tom de chacota lhe chamaram a atenção:
— Loony! Loony!
A alcunha depreciativa havia se tornado comum pelos corredores da escola, mas a menina de longos cabelos loiros sujos e expressão distante e sonhadora parecia não se incomodar com as provocações e zombaria. Ao invés disso, continuava etérea a observar num canto a aranha que tecia a futura mortalha da mosca distraída.
— Deixem-na em paz! – Hermione interveio em seu auxílio.
O bando de baderneiros se dispersou rapidamente, não ousando enfrentar não apenas o distintivo que a jovem ostentava no peito, mas também a fama daqueles que há pouco tempo haviam enfrentado os Comensais da Morte em pleno Ministério da Magia.
Luna Lovegood teve um pequeno sobressalto, como quando alguém se vê diante de uma situação inusitada e, dirigindo seu olhar àquela que se prestou em seu socorro, mostrou um largo e agradável sorriso que iluminou sua face, tornando-a quase radiante:
— Obrigada! – agradeceu, seus olhos anormalmente grandes e de tom cinza-azulado deixaram de ser enevoados como de hábito e brilharam com a sinceridade da palavra.
A bruxa de cabelos crespos e castanhos retribuiu o sorriso com um trejeito e, voltando à sua tarefa, comentou distraída:
— Não a vi na mesa da Corvinal! – proseou, observando a garota acompanhá-la no percurso que realizava.
— Fiz meu prato e comi lá fora, junto aos testrálios que puxam as carruagens dos novatos – respondeu a menina com naturalidade. – São animais considerados de mau agouro, mas sempre me senti bem junto a eles, e costumo alimentá-los quando posso – completou.
— Que horror! – exclamou Hermione e, ciente da personalidade solitária da outra, emendou meio sem jeito: – Não prefere ficar na mesa de sua casa junto de seus amigos?
— Não tenho tantos amigos assim... na verdade, conto os que tenho nos dedos de apenas uma mão... e nenhum deles está na mesma Casa que eu... – sua voz não expressava amargura, e sim satisfação.
— É mais do que muitos têm – observou Hermione, apenas para não deixar a frase da outra sem resposta.
Caminharam por mais alguns instantes e, ao final de um lance de escadas, Luna tomou outra direção e acenou silenciosamente em despedida, levantando uma das mãos e gesticulando exageradamente os cinco dedos. Hermione respondeu-lhe com um sorriso de simpatia e seguiu em seu caminho.
Ela e Luna não tinham muito em comum. Na verdade, as duas eram espíritos opostos, apesar de defenderem igualmente suas crenças com afinco: uma era a fantasia, a outra a razão. Mas, a aluna da Corvinal conquistara a consideração de Hermione e dos demais integrantes da AD, apesar de suas excentricidades, devido à sua exagerada sinceridade e pelo fato de sempre ter se colocado à disposição quando solicitada.
A aversão inicial que Hermione demonstrara às maluquices da menina havia diminuído consideravelmente, principalmente após os recentes acontecimentos que viveram em conjunto: a luta lado a lado por um ideal comum as fizera respeitarem-se mutuamente, e as palavras contrapostas que às vezes trocavam, como: "Você é muito ingênua!", ou: "Você que é muito cética!", não mais se interpunham ao relacionamento entre as duas.
Hermione sempre foi muito exigente consigo mesma e, em grande parte das vezes, com os demais, sendo considerada por muitos como mandona e exibicionista. Por isso sabia muito bem o que era ser discriminada. Apesar de que, em seu caso, tal fato ocorria por sempre ter se mostrado a melhor aluna do seu ano e por acreditar que a solução para todo e qualquer problema se encontrava nos livros, tendo aprendido inúmeros feitiços que lhe auxiliaram nas diversas situações inusitadas por que passou, deixando-a sempre um passo à frente dos demais.
Mas, inconscientemente talvez, naquele ano ela esperava que as coisas se tornassem um pouco diferentes: seu relacionamento indefinido com Ron Weasley havia se estreitado nos últimos tempos e, apesar de evitar demonstrar, confessava a si própria que nutria um sentimento especial pelo bruxo, e tinha esperanças de que ele mudasse seu comportamento desleixado e inconseqüente para que pudessem finalmente se acertar como um casal.
Já Luna sempre foi considerada como uma quase desequilibrada, principalmente por demonstrar uma fé excessiva ao acreditar nas coisas, mesmo sendo constantemente lembrada de que seus credos não faziam sentido. Sempre se mostrara muito sensível em relação aos sentimentos humanos, e a honestidade em seus comentários se destacava de maneira quase brutal.
No fim do ano anterior ela finalmente se engajara numa luta que fazia todo o sentido para muitos e, após o incidente no Ministério da Magia, os laços de amizade com os outros cinco envolvidos no conflito se estreitaram bastante. Luna sempre se identificara bastante com Harry, observando nele um amigo e um líder. Mas a relação com Hermione, que não tivera um bom início pela gritante diferença entre ambas, começava a demonstrar uma reviravolta contundente no interior da menina. Gradativamente ela passava a enxergar na outra mais que uma amiga, mais que uma protetora: sua presença e o contato entre ambas alimentavam seus sentimentos com um carinho e afeição cada vez mais crescentes.
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