~ Destruição: Substantivo. Ação ou efeito de destruir, ruína completa.

Tudo era destruição. Ela estava ali, por toda parte. Deixava não só rastros como dor, desespero e medo. Deixava sangue e o cheiro ocre, deixava cadáveres e marcas e lágrimas e tudo fora do lugar. Deixava a devastação e o receio de que nada pudesse ser o mesmo, que nada nunca fosse ser o mesmo, de que tudo estava perdido para sempre. De que nós estávamos perdidos para sempre num abismo sem fim – que nunca pararíamos de cair.
A mão firme do meu pai segurava o ombro de minha mãe, a sua mão livre permanecia no cajado – algumas coisas nunca iriam mudar. Minha mãe tinha o braço envolto em minha cintura, como se eu fosse um bebê que necessitasse de apoio para os primeiros passos, e talvez – só talvez, ela não estivesse de todo errada. Eu precisava de apoio naquele momento. Meu corpo parecia tremer involuntariamente, e eu sentia frio e uma vontade enorme de me encolher debaixo de um edredom grosso e quente e me fazer acreditar que nada daquilo fora real. Meus joelhos batiam um contra o outro e estavam quase cedendo, minhas mãos estavam postas nos bolsos e eu apertava os nós dos dedos.
Todas as pessoas se sentiriam seguras no retorno à casa, mas não eu. Não havia segurança ali, não havia calor humano ou sequer um abraço de que ficaria tudo bem – um, porque não éramos deste feitio, de adularmos uns aos outros e agirmos como uma família, o que de fato somente éramos pelo vínculo sanguíneo; dois, porque nunca houve segurança ou braços acolhedores em meu pai ou mesmo em minha mãe e finalmente em terceiro, porque a minha casa era o símbolo da destruição. Minha casa fora o álibi e o quartel general de tamanha desordem, atrito e infelicidade – havia um fantasma pairando em nossas cabeças, um fantasma doloroso e pesado que, eu sabia, provavelmente não sairia dos nossos ombros tão cedo.
Como a família impune, antiga e tradicional que supostamente fomos, seguimos juntos, os três, em um mesmo ritmo e passo, a diante, pelo caminho de pedras de mármore branco, não nos atendo aos corpos jogados pelos jardins ou mesmo pelo cheiro de podre no ar. Meu pai foi à frente, passando pelos corpos da escadaria, sem direcionar seu olhar acinzentado de uma tempestade forte nos corpos jogados nas laterais, guiando minha mãe que se deixava notar horrorizada, levando sua mão ao rosto, completamente chocada ao notar tamanho estrago.
Desta forma subimos a escadaria, e entramos em nossa casa – que fora até então palco para toda aquela carnificina, e tudo ao ponto de que? Com que intuito? Com qual razão? E tudo a troco de que? Vendemos nossa alma, nossa família, nossa sanidade e todas as nossas crenças em troca de poder? De um poder que nunca de fato nos pertenceria? A um suposto sangue limpo?
Parecia tão injusta que minha vida houvesse sido tão abandonada e esquecida, e que meus anseios mais infantis não foram respeitados por uma razão imbecil que nos levaria à decadência, e quem diria que um dia meu quarto não me pareceria mais um lugar tão saudável e satisfeito como eu planejei que fosse, em meu ultimo ano. Não poderia ficar pior poderia? A morte daquele que não se deve ser nomeado além de ter um significado diferente, significava um pouco mais para mim – significava a liberdade. A liberdade da minha família de uma servidão doentia e sem sentido, por um status há muito não existente.
Significava que eu finalmente teria o direito de viver, e que se ser puro sangue, um Malfoy e ter todo o status me custaria isso, então eu finalmente iria fazer a minha primeira escolha.
Eu formaria a minha própria família, eu iria para algum lugar calmo, sossegado – provavelmente Godric's Hollow – me casar, ter meu emprego e me virar por minha conta, eu queria ser valorizado, ter algo para sentir orgulho de mim mesmo, algo que pudesse aliviar o peso que eu carregava nos ombros. E se eu pensava em família, o rosto dela me vinha automaticamente à mente.
Seus cabelos nos ombros, despontados, repicados com uma franja caída nos miúdos olhos verdes – tão verdes quanto os do Potter. Ela era baixa, bem baixa e tão magra quanto uma garota pudesse ser sem parecer doente – não devia alcançar sequer a altura do meu peito, e abraçá-la era imensamente bom porque eu sentia que eu podia protegê-la, eu a cobria por inteira. Eu a cobria com meu corpo, e com um sentimento o qual nunca fui homem de assumir. Eu o faria agora, pegaria suas mãos pequenas e macias com unhas roídas e diria o quanto tê-la ao meu lado seria importante para mim. Depois de tudo aquilo, tornou tão fácil descartar a outra, tudo o que era meramente superficial já não fazia mais a minha cabeça, e o arrependimento por todas as escolhas erradas – por melhores que houvessem sido durante o dado momento – começava a pairar acima da minha cabeça.
A outra era diferente. Ela também era baixa, porém não era esguia, tinha curvas – belíssimas curvas, para sua pouca idade. Seus cabelos eram enormes e lhe caiam pelas costas como ondas de cachos delicados e negros, sua pele alva tinha algo que curiosamente chamara a minha atenção: sardas. Claras e de um tom de laranja quase amarelado, eram pequenas – quase invisíveis, e finas. Salpicavam toda a região de suas maçãs do rosto, logo abaixo dos olhos – que eram intensamente azuis. Eu havia visto pouca coisa intensa em minha vida, mas aqueles olhos azuis eram algo que eu me lembraria até o ultimo dia de vida. Eles falavam por ela, faziam e demonstravam por ela, e a entregavam quando ela mentia. Seus olhos eram ligeiramente traiçoeiros, e, a meu ver, ela era toda feita de pecado, era a tentação caminhando em duas pernas grossas quase em uma dança te chamando para a sua treva e o seu fim, que jazia ali, com seu corpo pressionado em cima do dela.
Era ridículo como eu suava só de me lembrar, e mais ridículo ainda que eu estivesse trazendo à mente memórias tão sórdidas após tanto sofrimento, especialmente quando a idéia de me casar com a que eu escolhera ter para o final dos meus dias pairava em todos os lugares à minha frente.
A destruição não era de todo ruim, no final, ela trazia a esperança de recomeçar, melhor e de uma forma mais bem feita.

~ Destruir: Verbo. Arruinar, demolir, extinguir, desaparecer, exterminar, matar.

Já era tarde da noite e o meu quarto estava escuro – quase um breu. Era impossível que eu sequer enxergasse minha mão à frente dos olhos – eu demorava para me acostumar com o escuro. Sentei-me na cama, me encolhendo com o edredom enrolado no corpo nu, os olhos acinzentados atentamente analisando cada pequena parte do meu quarto, até encontrá-la. Por alguns segundos eu cogitei se tudo aquilo era sonho, fruto de todos os pensamentos indecentes que eu vinha tendo com ela pelo resquício de tarde enquanto estava enfurnado em meu quarto pensando na melhor forma de pedir a mulher da minha vida em casamento, o que acabou se tornando difícil visto que há uma determinada altura eu já conseguia ouvir seus gemidos altos em meu ouvido sussurrando meu nome, era tão real que me assustava, e agora isso, eu estava sonhando com ela e a imaginando em meu quarto. E se era um sonho – um sonho ou um pesadelo, eu ainda não sabia – como os que eu mais gostava de ter, porque diabos ela ainda estava vestida e me olhando como se procurasse as palavras certas para dizer "Me foda", mais polidamente? Foi ali que eu a vi realmente pela primeira vez, eu não vi uma mulher, um objeto sexual, ou uma transa depois de um baile inútil, eu não vi a mulher que era capaz de me tirar do sério com um mísero toque de seda em meu corpo. Eu vi uma criança. Uma criança encolhida no canto do quarto, de pé, cujo corpo subia e descia como se ela estivesse soluçando incansavelmente, uma criança de lábios muito vermelhos e olhos grandes, que tinha os braços envoltos no próprio corpo como se estivesse se protegendo, como se precisasse, se proteger. Eu tateei no escuro em busca da varinha e acendi as luzes, eu jamais estivera pronto para ver tudo o que vi.

Ela realmente estava encolhida, e da pior forma possível, se abraçava com força deixando o corpo frágil pender para frente e para trás, seus olhos azuis estavam vermelhos, inchados, demonstração de que estivera chorando por pelo menos as ultimas horas, e ela se contorcia, e me olhava com um desespero assustador. Eu me sentei na cama com o corpo ereto, sem saber o que fazer exatamente – sem opções melhores, eu fiz sinal para que viesse e se sentasse junto à mim. Ela hesitou por um minuto ou dois, como se estivesse analisando seriamente a proposta de compra de um apartamento e eu fosse um dos melhores e carregasse uma placa dizendo ter exatamente o que ela planejava e buscava para sua nova casa. Bati a mão novamente no colchão, indicando o lugar a se sentar, e ela veio lentamente como se lutasse contra o certo e o errado durante o percurso. Sentou-se jogando o corpo sobre o meu em um choro desesperado e soluços não contidos, seus braços finos e pálidos envolvendo meu pescoço e me apertando contra ela. A colcha esmeralda caiu pela cama me deixando completamente descoberto, e nem mesmo o sinal de vida que eu estava dando fora suficiente para afastá-la com seu desespero impossível. Era a primeira vez que eu a via tão descomposta, suas unhas estavam roídas, suas bochechas não tinham cor, havia marcas roxas abaixo de seus olhos e cortes pelo seu braço e mãos – o sangue secara ali. Seu cabelo estava desgrenhado e sua capa pendeu para fora da cama.

- Eu... eu não queria. _ ela soluçou e sua voz saiu ainda mais baixa do que de costume.
- Não queria o quê, Astoria? Pelas barbas de Merlin! Isso são modos? Foi assim que sua família deplorável lhe ensinou a agir? _ falei desgostoso, escondendo todo e qualquer tom de preocupação em minha voz _ Se é isso _ fiz sinal para meu próprio corpo _ o que você quer você não precisa chegar desta forma. _ dei uma risada de escárnio, jogando a cabeça um pouco para trás, e os cabelos loiros se movimentando junto e logo em seguida caindo sob os meus olhos.
- Eu não vim aqui pra... isso. _ ela lançou um ligeiro olhar para minha nudez e mordeu o lábio.
- Não, com certeza não. Ou já estaria em cima de mim subindo e descendo como se deve, e não com essa cara de cachorro assustado. _ resmunguei impaciente. Agora eu queria tê-la. Maldita.
- Não vim aqui para isso. _ ela soluçou, porém seus olhos pareciam famintos por mim.
- Isto não é mais do meu interesse.

A tomei em meus braços antes que eu pudesse pensar duas vezes, se eu queria mesmo me casar, eu merecia uma despedida, não é mesmo? Eu merecia tê-la uma ultima vez, e sentir me ir e vir dentro dela até que eu não me agüentasse mais, eu merecia o poder de puxar seus cabelos para trás enquanto estava de quatro à minha frente e eu a desejava mais do que qualquer outra coisa na vida. Ela não parecia achar ruim que eu a estivesse colocando deitada e que eu rasgasse sua roupa enquanto a abria, botões me tiravam qualquer resquício de paciência que eu pudesse ter em algum momento da vida, mordia o lábio com força e segurava meu corpo cada vez mais próximo do seu com uma pressa e urgência que eu desconhecia – ela sempre fora bastante dedicada, mas nunca havia forçado nenhuma situação daquela maneira.

Eu puxei sua saia para baixo, junto a calcinha e a penetrei de uma vez – sem esperar nenhum aviso prévio, sem sequer uma preliminar que fosse. Eu estava com raiva, e eu precisava extravasar aquilo de alguma maneira. Quando eu a olhei percebi que lágrimas escorriam de seus olhos e me senti ligeiramente culpado – eu poderia tê-la causado alguma dor. Mas eu não era do tipo que se desculpava então me movimentei novamente, um pouco mais rápido e indo ainda mais profundamente do que da primeira vez, ela soltou um gemido alto.

- Draco, ela está morta.

~ Destruído: Adjetivo. Abatido, aniquilado e arruinado.

Poucas coisas são capazes de causar tamanha dor em um ser humano quanto um coração partido. Eu desconhecia a sensação até segundos atrás. Ela não precisara dizer o nome, eu sabia exatamente de quem ela estava falando – e então foi a minha vez de ter os olhos rasos d'água.
Sai de dentro d'ela, as mãos tapando o rosto e o corpo tremendo por inteiro – não por um orgasmo ou por excitação, mas por tristeza, por mais dor, mais perdas. Mas merda, eu podia ouvi-la rindo dizer que tudo ficaria bem, inúmeras vezes, eu era capaz de sentir seu cheiro fresco de primavera e de tatear em busca dela em todas as direções, sem sucesso. Ela não estava ali, não estaria mais ali – ela jamais voltaria para os meus braços, para o meu aconchego e minha proteção. Não formaríamos uma família, e nem teríamos catarrentos de cabelos negros e olhos acinzentados correndo pela mansão, não teríamos brigas por ciúmes e não mais avançaríamos um no outro. Não haveriam mais tapas ou lágrimas, não haveriam mais orgasmos carregados de risada e sossego – seguidos de uma noite bem dormida no dormitório dos monitores com ela em meus braços. Nada, absolutamente nada naquele mundo seria capaz de substituí-la em mim. Pansy Parkinson fora de fato a primeira e única mulher que eu me via amando naquele momento de dor.
Mas a outra continuava ali, nua, sentada em minha cama. Suas lágrimas – diferente das minhas – desciam de maneira silenciosa, quase irônica, como se ela estivesse realmente satisfeita com o rumo que as coisas vinham tomando desde então, e foi ali que eu senti uma vontade enorme de revidar.

- Como você pode? _ a raiva denotada em minha voz fazia com que a mesma subisse por um, talvez dois oitavos _ Você é mesmo uma imbecil, achando que tirando ela do caminho eu ficaria com você... Eu jamais ficaria com você, Greengrass.
- Como você ousa? _ ela gritou de volta, sua voz histérica e irreconhecível _ Como você tem a coragem de me acusar desta forma?
- Mas está bastante óbvio para mim sua prostituta mesquinha! _ eu lhe apontei o dedo em revolta _ Você a matou! Esperava que a culpa jamais lhe caísse nos ombros só porque você parece uma criança...
- Eu não pareço uma criança, Draco Malfoy. _ sua voz estava fria, dura, e ela catava suas peças de roupa espalhadas pelo meu quarto, distante de tudo _ Eu sou uma criança. Eu tenho apenas 14 anos, eu acabei de completar 14 anos. Não é porque mantive relações sexuais com você que você pode me achar capaz de tirar a vida de outro ser humano. Eu não sou você, eu jamais seria capaz de segurar uma varinha em ameaça para um gato que fosse.
- Seus 14 anos recém completados nunca foram problema para me satisfazer na cama, pare de agir como uma garota estúpida. Você é completamente inescrupulosa.
- E você é um imbecil, um cego. Pansy não amava você. Pansy amava Vincent. E era com ele que ela rolava as escondidas enquanto você se enroscava comigo. Ou você realmente achou que ela faria diferente...? Ela sim é tudo o que você disse que eu sou. E com toda sinceridade, Draco? A melhor coisa que poderia ter acontecido é que aquele teto maldito caísse em sua cabeça, ela mereceu a morte que teve. E você... você merece o seu fim. Só.
- Você vai morrer sozinha, sua prostituta mirim! Vá viver em meio aos trouxas, seja suja como todos eles, viva escornada em bares, deixando que eles toquem você exatamente como você gosta... Suma da minha vida, sua infeliz. Morra.
- Com todo prazer, meu senhor. _ ela respondeu com ironia _ Talvez mais esta culpa te torne uma pessoa melhor, e alguém que possa finalmente dar gosto e orgulho a alguém. _ e então, girando os calcanhares e sua silhueta semi-nua e perfeita desaparecendo diante dos meus olhos.

Antes que eu pudesse me conter meu corpo se curvou em dor, e minha garganta soltou um berro de desespero, eu levei as mãos aos cabelos violentamente e arranquei alguns tufos enquanto me debatia como um bebê insatisfeito em minha cama. Mal sabia ela o efeito de suas palavras em mim, mal sabia eu o efeito de minhas palavras nela. Mal sabíamos nós, o que a vida reservou a cada um, e a cruz que foi necessária carregarmos para nos redimirmos de nossos erros, de nossos passos em falso e principalmente de nossas palavras ditas aos ventos.