Titulo: Sangue e Gelo.
Autora:Nieryka
Fandom:Thor Movie
Casal: Thor/Loki
Classificação: M
Sumário: Loki não é o único gigante de gelo oculto em Asgard e eles não estão contentes com o que o Deus da Trapaça quase fez a Jotunhein. Tortura. Futuro Slash. Thor/Loki.
Fanfic não betada. Sorry pelos erros. Ainda não voltei exatamente a minha antiga forma. XD
1. Capítulo - Ocultos
Thor estava irritado. Acabava de voltar da biblioteca e Loki não estava lá. Não estava em seus aposentos também, claro; isso porque Thor o avisara para não sair por aí sem avisar. Por mais que os últimos acontecimentos agora estivessem no passado e Loki, perdoado, Odin ainda não revogara a punição sobre ele. E parte dessa punição era não andar por aí sozinho. A outra parte era Loki ter sido privado de sua magia e seus poderes até Odin decidir que ele era digno novamente.
Isso não deixara o mais novo contente mas Loki não podia reclamar. Sabia que suas ações poderiam ter lhe valido uma punição muito mais severa não fosse pela intervenção de Thor e Frigg. Justamente por causa disso Thor fora incumbido de vigiar o irmão e "escoltá-lo" por onde fosse...
— Eu devia ter mantido minha grande boca fechada, assim não precisaria ser a babá de um deus crescido que parece ter o poder de desaparecer no ar mesmo sem magia nenhuma!
Loki não estava nem perto do Palácio. Conseguira se disfarçar como cavalariço, selara um cavalo e resolvera dar um passeio além dos portões, seguindo a estrada para a cidade. Thor ficaria uma fera quando voltasse e era isso o que divertia Loki, não a escapada em si.
Sorriu de lado ao imaginar o irmão furioso, contendo-se para não falar alto demais e atrair atenção ao mesmo tempo que tentava passar-lhe um sermão. Thor era simplesmente delicioso demais de ser provocado. E não contaria a Odin, porque no passado ele mesmo fizera muitas coisas que Loki tivera que encobrir tanto de Odin quanto de Frigg. Ficariam quites enquanto durasse o castigo de Loki.
Era bom sair um pouco, entretanto, e Loki não apressou o cavalo enquanto passavam por jardins abertos e bosques cintilantes. Não tinha nenhum destino em mente, apenas queria respirar um pouco, sair da atmosfera sufocante do Palácio e ficar longe dos olhos acusadores de uma certa deusa guerreira e seus três companheiros.
Saiu da estrada ao ouvir o som de água corrente e, após alguns minutos chegou as margens de um rio adorável que cortava o bosque mais tranquilo que já conhecera. As árvores inclinavam-se sobre uma elevação na grama que era irresistivel e Loki apeou, deixando o cavalo pastar ali por perto enquanto sentava-se na grama macia, as costas apoiadas no tronco nodoso de um choupo. Fechou os olhos. Descansaria ali um pouco e então retornaria para o Palácio e para as reprimendas de Thor.
Eles estavam ali há muitos e muitos séculos. Vieram a Asgard antes de Laufey ter sido derrotado por Odin e lá permaneceram ocultos, esperando.
Acharam que sua chance finalmente chegara quando o filho de Odin, Loki, assumira o Trono em meio á iminente batalha. Não tinham dúvidas de que o filho mais novo jamais seria forte o suficiente para vencer os gigantes de gelo. Não sem Thor, não sem Odin. Ele era esperto mas não era um guerreiro. Então tudo tinha dado errado novamente e eles souberam qual na verdade era a intenção de Loki: destruir Jotunhein, exterminar os gigantes de gelo para sempre.
Isso não os deixara nada felizes. Quando Thor voltara e Odin despertara de seu sono o jovem deus trapaceiro voltara a ser apenas o segundo filho, sendo perdoado por quase ter exterminado toda uma raça, gozando de seus privilégios num grande Palácio dourado enquanto os gigantes de gelo continuavam suas vidas miseráveis em um mundo alquebrado e desonrado, sem seu Rei, assassinado pelo próprio Loki.
Por esse motivo eles se mantiveram ocultos. Em Asgard, disfarçados pela magia antiga de uma aliada secreta, eles esperavam o momento de se vingar por tudo. Pela guerra de Odin, pela morte de Laufey, pela arrogância dos deuses. Por isso vigiavam o Palácio de longe, esperando.
E o dia finalmente chegara. O deus feiticeiro saíra da proteção dos portões de Valhalla direto para eles, que não podiam ter seus olhos antigos e penetrantes enganados por disfarces.
Loki ia pagar e os gigantes de gelo estavam ansiosos para cobrar a dívida.
Não foi nenhum ruído o que o alertou. Loki simplesmente sentiu o ar a sua volta tornar-se...errado. Franziu o cenho ainda meio adormecido então sorriu. Uma simples magia de invisibilidade e...
Mas não tinha mais magia, Odin a bloqueara. Abriu os olhos e espreguiçou-se lentamente como se não tivesse percebido nada, então se levantou e olhou em volta. O cavalo não estava mais onde pudesse ver, o que era estranho pois esses animais eram treinados para nunca abandonar seus cavaleiros. Deu mais uma olhada a sua volta, mais alerta. Talvez Thor o tivesse descoberto e estivesse brincando com ele. Era um pensamento animador mas aquela sensação não podia vir de seu irmão e Thor simplesmente não sabia ser discreto. Quem quer que estivesse ali era naturalmente dissimulado e perigoso. Que coincidência.
Sem magia Loki não podia identificar o que estava acontecendo mas um arrepio gelado passou por seu corpo fazendo o cabelo em sua nuca arrepiar-se. Estavam chegando perto, e ele não fazia idéia de como sabia que era mais de um, mas duvidava que estivesse errado. Estreitou o olhar na direção do bosque, suas mãos já alcançando as únicas armas que conseguira manter para sua segurança pessoal: as rodas cortantes que podia manipular como ninguém mais em Asgard. Sorriu consigo mesmo. Mesmo sem magia nunca ficaria desprotegido.
Uma leve ondulação no ar denunciou que realmente não estava sozinho e Loki decidiu dar uma chance ao que estava lá antes de sair atirando lâminas mortais.
— Se isto é uma brincadeira devo dizer que é muito ruim. Vocês tem a sutileza de um urso com dor de dente, portanto o elemento surpresa já se foi.— sorriu e esperou que o tivesse feito com mais confiança do que realmente sentia ao continuar. — Revelem-se e não serão feridos. Eu, Loki, filho de Odin, garanto isso.
— Vamos ver se suas armas de brinquedo são velozes o suficiente, Loki, filho de Odin. — respondeu uma voz que deu arrepios em Loki, pois era profunda e gélida e soava como icebergs partindo-se na escuridão. — Pode garantir isso?
A ondulação cresceu diante de Loki, avançando em uma velocidade perigosa. Loki arremessou o disco e viu o sangue azulado e frio jorrar pouco antes da criatura ficar visível.
"Um gigante de gelo! Impossível!" pensou, mas não podia se deixar distrair pois um segundo gigante surgiu ao seu lado e mais um do outro. Eram muito rápidos e quando o primeiro disco fez a volta e acertou o segundo gigante o terceiro agarrou-lhe o braço impedindo que jogasse a outra lâmina. Loki tentou alcançar mais uma em suas vestes mas para seu horror mais tres gigantes surgiram por trás dele. Jogaram-se contra ele e o jovem deus do caos foi arremessado ao chão violentamente sufocando um grito de dor e surpresa.
Gigantes de gelo em Asgard! Era impossível, era um pesadelo e Loki lutou para soltar-se daquelas mãos enormes que o prendiam ao chão de um jeito que não lhe permitia nem mesmo respirar. Dificilmente se arrependia da maioria de suas brincadeiras e truques mas naquele momento, debatendo-se para respirar e sentindo os pulmões arderem, a cabeça girar, arrependeu-se de ter despistado o irmão.
Thor! Se pudesse estaria gritando por ele agora e, quando sua consciência começou a deslizar para um poço escuro de desespero foi o rosto confiante e sorridente de Thor a última coisa que viu.
— Você tem certeza de que ele não está só escondido por aí esperando que todos fiquem malucos procurando? — indagou Sif, desconfiada, encarando Thor de braços cruzados. Por mais que Odin, Thor e Frigg tivessem perdoado o deus das mentiras a jovem deusa ainda não confiava nele. Ela fora vítima de uma das brincadeiras de Loki uma vez e jamais o perdoara desde então, francamente intrigada como todos podiam simplesmente passar por cima de tudo o que ele fazia.
Thor, que sabia da implicância da guerreira mas que também sabia que não era de todo infundada, sacudiu negativamente a cabeça.
— Ele já fez isso antes. — explicou. — Loki costuma aparecer bem antes que mais gente dê pela falta dele, porque gosta de me irritar pessoalmente. Desta vez é diferente. Já é quase hora do jantar, está escuro e nem um sinal dele. — Thor lançou um olhar preocupado para as janelas, onde podia ver o crepúsculo estendendo-se sobre toda Asgard.
Sif mordeu os lábios e observou o amigo. Ele estava mesmo preocupado e Sif sabia que se Thor estava nesse humor nada o faria mudar de idéia. Havia também o agravante de que quase sempre, quando Thor realmente se preocupava com alguém, ele tinha motivos.
— Vou chamar Fandral e os outros. Podemos sair e procurar além do Palácio se você acha que ele não está por aqui.
— Obrigado, Sif. — era visível o alívio que Thor sentia e por um momento desejou ser ela lá fora, brincando de esconde-esconde, só para ter Thor assim preocupado.— Não posso avisar meu pai e minha mãe, pois se não for mais que uma brincadeira...e se for mesmo uma eu juro que, adulto ou não, vou dar umas palmadas em Loki...bem, ele pode ficar muito encrencado.
— Ora, agora você me convenceu! Adoraria ver alguém finalmente lhe aplicar um corretivo á moda antiga! Vamos!
E a deusa guerreira tomou a frente no corredor, nem reparando a maneira como Thor revirava os olhos e a seguia.
2. Capítulo – O Filho de dois Reis
Loki ia recuperando a consciência aos poucos, sem ter certeza de onde estava ou o que acontecera. Gemeu. Sua cabeça latejava e ele quase desejou não ter acordado porque a sensação era de que tivera o crânio esmagado e ele agora ia se recuperando lenta e dolorosamente. Pelo menos estava escuro.
Apesar de não lhe parecer boa idéia moveu-se, ou melhor, tentou mover-se, e descobriu porque, além da cabeça dolorida, também seu corpo doía. Estava amarrado á uma espécie de mesa inclinada, pulsos e tornozelos firmemente atados.
— O que é isso? — forçou as amarras e debateu-se como pôde, mas mesmo que não estivesse fraco como se sentia não poderia ter se soltado, não sem seus poderes, sem sua magia. Enquanto procurava identificar o lugar em que estava começou a lembrar-se do ataque no bosque e dos gigantes de gelo. Inspirou profundamente. Parecia que sua vida estava perigosamente perto de ser encurtada. Era irônico que fossem gigantes de gelo os responsáveis e isso quase o fez sorrir. Os malditos escolhiam os piores momentos para aparecer, com certeza. Como agora.
Uma porta se abriu deixando uma luz muito fraca infiltrar-se na sala onde estava, mas logo os quatro gigantes de gelo que o haviam atacado entraram carregando duas tochas. Enquanto dois deles fixavam as tochas cada uma em um lado da sala os outros dois observavam Loki com um tipo de sorriso muito desagradável que fez o filho adotivo de Odin estremecer.
— Você, filho de Odin, nos deixou muito curiosos enquanto o trazíamos para casa.
Loki não disse nada apesar de ter notado a maneira como o gigante enfatizara as palavras "filho de Odin".
A criatura sorriu mais largamente e se aproximou da mesa inclinada. Com um chute na extremidade dela fez com que a mesa se erguesse mais e Loki ficasse quase de pé a sua frente. A despeito do medo que sentia o deus do caos continuou a encarar o gigante com os olhos verdes levemente arregalados. Não tinha ilusões sobre o que ia acontecer ali e seu interior se revoltava sob a perspectiva da tortura e da morte; mas faria o possível para não demonstrar seu medo diante dos inimigos de Asgard. Era filho de Odin e irmão de Thor, e mesmo que muitos não acreditassem não era um covarde.
— Sabe o que nos deixou curiosos, filho de Odin? — o maior dos gigantes abaixou-se até estar bem perto do rosto de Loki, encarando-o, analisando-o.
Ainda em silêncio Loki assistiu a mão enorme do gigante chegando perto de seu rosto e tentou virá-lo, afastar-se, em vão. A criatura tocou seu queixo com a ponta dos dedos delicadamente e inclinou a cabeça de lado, rindo.
Foi como das outras vezes, quando Loki foi tocado pelo gigante de gelo em Jotunhein, quando segurou e usou o Cubo de Energia que era a arma suprema deles. Sentiu como se água fria se derramasse sobre sua pele a partir do ponto de contato. Sabia que sua forma de gigante de gelo se revelava diante dos olhos deles, a pele azul, os olhos vermelhos...a raiva.
— Tire a mão de cima de mim! — sibilou, afastando o rosto do toque da criatura, furioso e enojado. Fuzilou com o olhar o gigante que ainda ria e tentou livrar-se mais uma vez das amarras, rugindo de ódio.
— Não imaginava que o filho de Odin fosse um de nós. Isso com certeza nos surpreendeu. — o gigante esperou até que Loki parasse de se debater e continuou, ainda com aquele sorriso enervante nos lábios que ameaçava deixar o menor louco. — Um gigante defeituoso, uma aberração da nossa espécie. Nenhum gigante deixaria uma cria inútil como você sobreviver. Não imaginava que o grande Odin costumava recolher o lixo dos outros.
As palavras atingiram Loki como um soco. Parou de se contorcer e ficou paralizado, olhos fixos nos da criatura, que não ocultava o prazer que o efeito de suas palavras em Loki lhe dava.
Odin contara a Loki como o encontrara no castelo de Laufey, abandonado para morrer, uma cria defeituosa de gigante de gelo; como se apiedara daquele ser frágil e inocente levando-o para ser criado como seu no seio da própria Asgard. Naquele momento Loki não conseguira apreciar o ato de piedade e amor do pai, concentrara-se apenas na raiva que sentira ao saber que ele havia mentido, que havia mesmo um motivo para que Loki se sentisse deslocado, preterido. Mas ouvindo aquela...coisa...falar, o irmão de Thor percebeu toda a dimensão do que acontecera. Porque Odin poderia ter simplesmente deixado que morresse, ou então tê-lo entregado a algum criado de confiança que criasse Loki, vigiando-o se algo desse errado; mas não. Odin o tornara seu filho, irmão de Thor e um príncipe de Asgard. Nenhuma manobra estratégica, nenhum plano malicioso para quando o pequeno gigante crescesse...apenas o amor de um bom homem por uma criança abandonada e sem esperanças. Loki apenas sentira-se diferente, uma aberração, porque era isso o que realmente era, não porque quisessem que ele se sentisse assim.
— É ainda mais fraco e patético do que imaginávamos. — o gigante de gelo ainda o observava atentamente, deliciado. — Está vertendo lágrimas como uma criatura de carne.
— Pelo menos elas são quentes...— murmurou Loki, um sorriso desafiador nos lábios, o olhar cintilando verde como o de um gato.— Você ficaria ainda mais surpreso se soubesse de que lixo Odin me tirou, monstro. — Loki viu com prazer que o gigante estreitava os olhos. — Vou lhe dar uma dica. Eu o matei diante do leito de Odin!
Fandral foi o primeiro a vê-lo e deu o sinal.
Era o cavalo que faltava nos estábulos, Skadir, retirado por um cavalariço que ninguém se lembrava de ter sido visto antes daquele dia, não havia dúvidas, mas havia algo errado com ele, logo perceberam. E era a maneira como andava.
Quando apressaram-se na direção do animal Sif conteve um soluço de indignação e pena. O pobre garanhão tinha uma das patas traseiras quebrada bem no calcanhar e uma grande queimadura no lombo. Ainda assim arrastava-se trôpego na direção de Asgard e quando os viu relinchou de uma maneira que os fez arrepiarem-se.
Thor sentiu desespero e ódio crescendo em seu peito. Loki jamais deixaria algo assim acontecer com sua montaria. Eles deviam ter sido atacados por alguém...ou algo.
— Vou matar pessoalmente quem fez isto! — rugiu Sif, lágrimas cintilando em seus olhos ao se aproximar do pobre animal e afagar-lhe o focinho macio. Ela retirou sua espada da bainha, pronta para dar um fim ao sofrimento dele mas o cavalo recuou e se sacudiu, virando-se e começando a fazer o caminho de volta.
— O pobrezinho é corajoso, Sif. — disse Volstagg, condoído. — Mesmo sofrendo não quer morrer...
— Não, não é isso. Vejam.
Thor conhecia cada cavalo daqueles estábulos. Ele e Loki costumavam brincar entre eles e ajudar os cavalariços a alimentá-los e escová-los. Eram criaturas amáveis, poderosas e destemidas, mas acima de tudo inteligentes e mágicas. Um cavalo nunca abandonava seu cavaleiro e sempre sabia onde ele estava. Skadir queria levá-los para Loki. Por isso vinha se arrastando na direção de Asgard. Para chamar ajuda.
— Mas não podemos seguí-lo como está! — Sif tremia de ódio. — Loki pode estar muito longe daqui, não chegaríamos á tempo! Se é que ainda há tempo...
— Skadir não tentaria nos levar de volta se Loki estivesse morto. — o deus do trovão mal reconhecia sua própria voz, cheia de um ódio tão cortante e frio que fez todos estremecerem ao olharem para ele. Naquele momento seria capaz de um ato de tamanha brutalidade contra quem quer que tivesse capturado ou ferido seu irmão que duvidava que até mesmo seus companheiros pudessem reconhecê-lo se soubessem. — Hogun, vá até a vila que acabamos de passar e traga-nos uma carroça grande o suficiente para Skadir.
Hogun partiu imediatamente e Thor mandou Fandral ir até o rio ali perto buscar água para Skadir, que teve que ser contido por Sif e Volstagg ou teria continuado a se arrastar pela estrada.
Quando estava tudo pronto os três homens carregaram o cavalo para a carroça e atrelaram os outros nela. Seguiriam as indicações de Skadir, que podia se comunicar com seus irmãos.
— Que os Deuses tenham piedade de quem estiver com Loki. — disse Thor gravemente, a expressão sombria. — Porque eu não terei.
Sif e os Três Guerreiros olharam para Thor e em seguida para o céu. Nuvens negras se acumulavam e relâmpagos espocavam por trás delas ao som de trovões.
Os gritos dele ecoavam na sala de pedra e pareciam torná-los ainda mais e mais altos.
O gigante de gelo lhe socara o peito até Loki sentir suas costelas partirem-se uma a uma. Sentia o gosto metálico de sangue na garganta e ainda lhe restara um pouco de lucidez em meio a agonia para se surpreender. Seu sangue era quente e pelo que podia ver do que cuspira em seu torturador, era vermelho também.
— Odin...tem mesmo...uma magia...poderosa...— murmurou, sorrindo fracamente.
— Se ainda pode sorrir, filho de Odin, filho de Laufey, ainda pode sangrar mais.
— Não há...dúvida...
O gigante de gelo acenou com a cabeça para seu outro companheiro. Os outros dois permaneciam ao lado das tochas, observando com evidente prazer.
— Pensávamos que apenas seu desejo de destruir Jotunhein e ser filho de Odin já eram crimes suficientes, Loki filho de Laufey, mas ser de nossa raça o torna dez vezes mais culpado. — farpas de gelo se formaram dos punhos do outro gigante de gelo e Loki piscou em meio as lágrimas que turvavam sua visão.
— Não tenho...muitos motivos...para amar meus compatriotas...tenho...?
— Não. E terá menos ainda quando terminarmos com você.
O gigante enterrou uma das adagas de gelo na palma da mão esquerda de Loki até prendê-la na mesa. Todo o corpo do jovem deus se sacudiu contra a madeira rústica conforme aquilo se repetiu na mão direita e nos dois joelhos. Deus ou não, gigante de gelo ou não, Loki vomitou, chorou e gritou até sua garganta parecer estar em carne viva. E eles mal tinham começado.
Quando viu um de seus próprios discos afiados nas mãos do gigante maior fechou os olhos e tentou imaginar-se em outro lugar.
Estava nos jardins de sua mãe, cercado pelo suave murmurar da fonte cristalina e o perfume das flores. Estava deitado, tendo por sombra a copa de um majestoso carvalho por onde apenas finos raios de sol se filtravam e atingiam suavemente seu rosto. Um livro estava ao seu lado, ainda aberto, e uma voz familiar e amada falava com ele.
— Loki, pelo amor de nosso pai, você nunca larga esses livros? — o baque junto do carvalho significava que Thor sentara-se ao seu lado. Loki abriu um olho disfarçadamente e conteve o sorriso ao ver o irmão folhear a antiga encadernação de couro de um tratado de magia. — E nem ao menos é um poema de batalhas! O que são essas coisas estranhas rabiscadas, afinal?
— Símbolos mágicos, Thor. Runas. Nosso pai foi o responsável pela descoberta de muitas dessas runas, sabia? — virou o rosto para o irmão e riu ao ver sua expressão, a cara torcida em franca aversão. — O que é? Nem tudo são batalhas, despojos e mulheres, irmão.
— Não, mas isso é tudo o que me importa no momento. — o deus do trovão respirou fundo, apreciando o local tanto quanto Loki. — Eu gostaria de ter vivido na época das grandes batalhas. Não temos nada a não ser paz por aqui! Como um guerreiro pode provar seu valor sem uma batalha para vencer?
Loki virou-se de lado lentamente e ergueu-se um pouco, apoiando-se em um cotovelo, o rosto apoiado na palma da mão. Contemplou o irmão um instante e este também o fitou, expectante.
— Batalhas, guerras, não trazem apenas glória, Thor. Não, não...ouça...— pousou a mão sobre o braço de Thor, que ameaçava levantar-se, já revirando os olhos, entediado. — Guerras trazem morte, dor e insegurança para os que não são guerreiros. Quantas mulheres tornaram-se viúvas nessas batalhas de que você tanto fala? Quantas anciãs e anciãos perderam filhos...e quantos filhos perderam seus pais e suas mães? Quantos irmãos perderam um ao outro? — Loki se sentou voltado para Thor, encarando-o suave mas firmemente enquanto o loiro franzia o cenho, as palavras do irmão tentando abrir caminho por sua mente. — Você é nobre e bom, Thor. Mas nem todas as guerras são. Não anseie tanto por uma se não tiver certeza de ser pelos motivos certos, por favor.
E algo nos olhos de Loki deve ter alarmado Thor, porque o mais velho pareceu surpreso e puxou o irmão mais novo para junto de si, abraçando-o, sério.
— Thor, pare com isso, eu odeio quando...
— Não precisa se preocupar, irmão. — cortou Thor.— Eu jamais deixaria que nada acontecesse a Asgard ou á nossa família. Quando a verdadeira batalha vier não será para nos separar de ninguém, muito menos um do outro. É por isso que eu treino tanto, você sabe. Para proteger Asgard, nossa mãe, nosso pai e você, irmão.
Loki abriu a boca mas não conseguiu achar as palavras. Thor sorriu e desmanchou-lhe o cabelo negro, o que o deixou vermelho de raiva mas também de prazer.
— Você é impossível! Quem disse que eu preciso ser protegido, seu grandalhão idiota? — o deus mago já se afastava indignado, tentando arrumar o cabelo bagunçado.
— Loki, você não aguentaria um minuto contra um exército de gigantes de gelo! — Thor ria. — Você é meu irmãozinho caçula, embora os deuses saibam que ás vezes, nessas roupas que usa, eu o confunda com a irmãzinha que nossa mãe sempre quis.
— Thor, você se lembra da última vez que fez essa brincadeira? De quanto tempo ficou coaxando atrás de mim para que eu o transformasse de sapo para homem de novo...? — o mais novo estreitou os olhos. — Está com saudades das suas verrugas?
Thor ria como um trovão e até mesmo o chão parecia tremer sob eles. Loki acabou contagiado e terminou rindo também, os dois sendo encontrados quase sem fôlego, ainda ás gargalhadas, pela mãe momentos depois.
Então Loki já não estava mais nos jardins de Frigg, e as gargalhadas transformaram-se em gritos de agonia quando sentiu o que faziam com ele dessa vez. Tentou manter o rosto de Thor junto a si, sua voz, o calor de seus braços naquele dia e a promessa de que ele o protegeria sempre, de qualquer mal, em qualquer batalha. Chorou e implorou para que Thor o salvasse, não importava se os gigantes estavam ou não rindo, se soava ou não patético. Só queria o irmão ali, para abraçá-lo e dizer que fora tudo um pesadelo. Gritou o mais alto que pôde, como se o mais velho pudesse ouví-lo e finalmente achá-lo:
— THOR!
Foi nesse momento que a porta explodiu.
E ela não foi a única.
A cabeça da criatura ao lado de Loki pareceu estourar, sangue e miolos descorados cobrindo o deus mago enquanto borrões se agitavam ao redor, grunhidos e gritos ecoando, fazendo-o querer gritar também. Através de sua mente embotada pelo sofrimento e dor Loki imaginou estar ouvindo trovões. Sorriu.
— Thor deve estar...bravo...oh, mamãe, diga pra ele que eu...sinto...muito...
Mãos quentes e cuidadosas erguiam seu rosto e Loki gemeu dolorosamente. O toque ficou mais urgente, mais cuidadoso, suave.
— Loki! Por Odin, Loki, olhe pra mim! Irmãozinho, olhe pra mim!
— Thor, ele está inconsciente! Pare com isso, deixe-o descansar!
Sif tentava tirar o deus do trovão de cima do irmão mais novo para que o tirassem dali, mas Thor parecia insano. Volstagg o segurou firme, sua força se equiparava a do filho de Odin mas este quase o esmurrou para livrar-se. Fandral e Sif começaram a remover as adagas de gelo e eles tinham que conter-se para não chorar. Hogun cortou as amarras e livrou o filho mais novo de Odin do último disco cortante praguejando entre lágrimas de aflição.
3. Capítulo: De Deuses e Irmãos
Odin mandou cada guarda de Asgard vasculhar o reino. Se houvesse algum gigante de gelo escondido as ordens eram para matar. Frigg desmaiara ao ver o filho pois ninguém conseguiu impedí-la de ir até ele quando o trouxeram de volta. Quando ela se recuperou foi para a cabeceira de Loki na Sala de Cura, não deixando seus cuidados nem por um segundo. Quando Odin ficou frente a frente com Thor acertou-lhe um tapa tão forte que o deus do trovão foi ao chão. Odin então foi até ele e o abraçou, os dois soluçando sem poder se conter, medo, horror, ódio e alívio derramando-se junto com as lágrimas de ambos.
Loki recuperou a consciência várias vezes durante o processo de cura e em cada uma dessas vezes viu Thor ao seu lado. O irmão tentava falar com ele quando percebia que ele estava acordado mas esses momentos não duravam muito. Loki sorria para o irmão, ás vezes estendia uma mão, que era prontamente acolhida na do mais velho, então voltava a dormir. Tinham que mantê-lo assim ou a dor que sentiria enquanto o curavam seria intolerável.
Thor estava lá quando finalmente acordou. Loki abriu os olhos sentindo a cabeça leve e após conseguir focalizar os desenhos intrincados do teto decentemente olhou a sua volta. Seus olhos encontraram os de Thor e o irmão sorriu para ele, se ergueu e inclinou-se sobre ele, beijando-lhe a testa suavemente. O deus mago franziu o cenho.
— Por que fez isso?
— Porque ainda não tenho permissão para abraçar meu irmãozinho. — disse Thor, voltando a sentar na cadeira posicionada ao lado da cama, segurando a mão de Loki, que franziu o cenho ainda mais profundamente ao ver o que ele fazia. — Como se sente?
— Estranho. Você está segurando minha mão, e você nunca faz isso.
Thor ergueu uma sobrancelha.
— Porque você nunca me deixa fazer essas coisas, por isso! Você parece um porco-espinho, não deixa ninguém se aproximar ou tocar você! Mas agora você está encrencado, irmão. Não vai poder fugir de mim deitado nessa cama.
— Quer apostar? — e com um sorriso misterioso Loki começou a arrastar-se devagarinho para o lado. Antes que fosse muito mais longe do que uns dez centimetros Thor se levantou e o puxou pela cintura deixando-o ainda mais perto da borda da cama. Loki suspirou. — Está bem, pode segurar minha mão se isso te faz sentir melhor.
— Obrigado.
— Como me encontrou, Thor?
O deus do trovão respirou fundo. Os mestres de cura tinham dito que Loki talvez não se lembrasse da tortura, pois fora realmente ferido além do ponto em que se espera que uma vítima mantenha a sanidade e a mente costumava apagar a experiência traumática para preservar-se. Pelo jeito o irmão não tivera essa sorte.
— Skadir.
O sorriso de Loki fez o coração de Thor falhar uma batida. Era tão raro vê-lo sorrir em qualquer situação e o loiro não esperava que o fizesse depois de tudo pelo que passara.
— Querido Skadir! Eu sabia que eles não poderiam matar uma montaria de Asgard tão esperta! Temi por ele quando desapareceu, mas ele foi buscar ajuda, claro! — estava quase rindo agora, lágrimas de alívio correndo pelo rosto. — Diga a Odin que o quero como minha montaria pessoal, Thor. Esse amigo fiél salvou minha vida trazendo você.
Thor balançou suavemente a cabeça, triste, e Loki engoliu em seco, o sorriso desaparecendo.
— Thor...
— Ele morreu assim que chegamos á caverna em que os gigantes mantinham você, Loki. Havia uma queimadura em seu lombo que era muito mais profunda do que parecia. — todos ficaram horrorizados e penalizados pois Skadir estava sendo provavelmente cozido por dentro durante todo o tempo em que os guiava até Loki. — Odin mandou erigir uma estátua em homenagem á ele e daqui em diante ele será o protetor de todos os cavalos e cavaleiros de Asgard. — o deus do trovão apertou de leve a mão do irmão, que fechara os olhos e soluçava baixinho. — Sinto muito, irmão.
Loki tentou livrar-se da mão de Thor mas o loiro a manteve firme sob a dele e o mais novo capitulou, virando-se para ele, agarrando-se áquela mão forte e larga como se estivesse a ponto de se afogar. Thor acariciou-lhe o cabelo escuro ternamente, com vontade de abraçá-lo mas sabia que o corpo de Loki ainda estava fragilizado e só o machucaria. Após alguns minutos ele parou de soluçar e apenas ficou ali, parecendo muito frágil e muito solitário apesar de Thor estar ao seu lado.
— Se não fosse por ele...
— Eu teria encontrado você, Loki. Mesmo que tivesse que descer ao inferno de Hella.
O jovem deus riu e ergueu o olhar para assegurar a Thor que não pretendia visitar um lugar tão encantador como esse, mas não chegou a abrir a boca. O irmão estava sério, o rosto tão sombrio e carregado que Loki teve que frear o impulso de se virar para as janelas e ver como estava o céu.
— Eu sei. — disse suavemente, apertando a mão do maior nas suas. — Eu ainda me lembro do que me disse naquela tarde no jardim de nossa mãe. Aquela tarde em que quase morremos sem fôlego de tanto rir.
Um sorriso desanuviou a expressão de Thor e ele assentiu.
— Fiquei com cãimbras no maxilar de tanto rir!
— Sim! E eu nem conseguia levantar do chão! Mamãe ficou furiosa e depois começou a rir também! — então lembrou-se. — E onde está ela?
Thor explicou que Frigg estava repousando. Odin pessoalmente a carregara do quarto de Loki para seus aposentos pois ela não descansara em nenhum momento enquanto o filho mais novo se recuperava.
— E ela teria feito nosso pai em pedacinhos por tirá-la daqui se não estivesse tão cansada. — observou Thor, rindo á lembrança da mãe saracutiando no colo de Odin como uma doninha selvagem.
Loki riu mas seu coração se apertou no peito ao pensar na mãe cuidando dele até a exaustão. Acreditara mesmo que eles não o amavam?
— Eu ouvi você chamar meu nome lá dentro. E quando estava delirando na sala de cura, Loki, você também chamou por mim.
O filho mais novo de Odin encarou o mais velho por um momento e enrubesceu. Baixou o olhar e sentiu-se muito, muito embaraçado.
— Você é meu irmão. — sussurrou. — Quando as coisas dão errado você sempre está por perto para consertá-las. Mesmo adulto eu ainda continuo pensando assim. Até mesmo enquanto eu fazia tudo aquilo, sabe, no fundo ainda tinha a impressão de que você ia aparecer e me salvar. E foi o que você fez...me salvou de mim.
Não era preciso perguntar o que era "tudo aquilo". Thor sabia muito bem. Sorriu e inclinou-se novamente para o irmão, seus lábios tocando suavemente os cabelos negros. Estava feliz por ouvir aquilo. Quando "tudo aquilo" acabara Thor ficara com a sensação de que havia falhado com Loki e por isso o irmão tomara aquele caminho odioso. Era bom saber que seu irmãozinho ainda confiava nele.
Ao se afastar um pouco para vê-lo Thor percebeu que Loki adormecera. Ficou ali um bom tempo até ouvir os passos delicados da mãe.
Frigg se aproximou da cama e acariciou o cabelo negro do filho com tanto amor que fez o mais velho prender a respiração. Jamais deixariam que Loki voltasse a imaginar que não era amado. Jamais.
— Ele está bem? Ele acordou? — ela ainda parecia muito cansada. Thor teve certeza que ela driblara Odin para vir.
— Sim, acordou. Nós conversamos, rimos e ele adormeceu de novo. Pode ir dormir, mãe. Eu vou ficar aqui com ele.
— Não, você pode ir descansar, querido. Quero estar aqui da próxima vez que ele acordar.
— Odin vai carregá-la para o quarto de novo, sabe disso. — riu da expressão furiosa que coloriu o rosto pálido da mãe. — Vamos fazer assim...ficamos os dois e...
— Não ficam, não. — a voz de Odin não chegou a se elevar mais do que o suficiente para um sussurro. Frigg gemeu. — Eu ficarei com ele enquanto vocês descansam. Não me façam ter que baixar um decreto neste quarto!
Sem outra alternativa, pois a discussão poderia despertar Loki, Frigg e Thor se retiraram. Odin tomou seu lugar ao lado da cama e disse:
— Pode parar de fingir agora.
Loki abriu um olho, observou o sorriso contido do pai e então abriu o outro.
— Você tem que se recuperar logo, ou mais ninguém vai dormir nesta casa.
— Ainda vou estar de castigo quando sair da cama?
Odin aprumou-se na cadeira e estendeu a mão para tirar uma mecha de cabelo escuro do rosto de Loki.
— Sim. — foi a resposta direta e sem rodeios, que fez Loki gemer. — E vou colocar Sif como sua guardiã. Ela eu sei que não vai deixá-lo fugir.
Loki fez uma careta de desespero.
— Não! Ela não, pai! Sif me odeia! — enfiou a cara nos travesseiros. — Não vou mais sair da cama! Não vale a pena se vou acabar voltando pra ela se Sif virar minha guardiã. Ela vai me matar!
Odin ocultou o sorriso matreiro.
— Se eu soubesse que você tinha tanto medo dela a teria nomeado sua guardiã logo de começo. Talvez até sua babá quando vocês ainda eram crianças.
— O senhor teria um filho a menos hoje. Ou uma sapa guerreira. — Loki encarou o pai, desanimado. — Prometo que não vou sair das vistas de Thor, pai. Sif me odeia desde que cortei o cabelo dela e tive que substituir o antigo dourado pelos fios negros, o senhor sabe muito bem. Ela tinha muito orgulho daquele cabelo...
— E você tinha muita inveja deles.
O deus do caos baixou os olhos. Era verdade, claro.
A maioria dos Asgardianos tinha cabelo dourado, como fios de ouro puro e Sif possuía o mais belo dentre todas as damas da corte. Ela vivia jogando-os sobre os ombros, longos e espessos que eram, toda sorridente. Loki tinha cabelos negros como piche que tinha que manter sempre muito bem escovados ou ficavam armados e arrepiados como as asas de um corvo. Nem eram adolescentes ainda quando Sif resolvera fazer um concurso idiota entre as meninas para ver quem tinha os cabelos mais fortes. Prêmio: um beijo de Thor. E claro que Thor ficara muito empolgado, pois na época tinha uma queda por Sif mas também tinha um pouco de medo dela...como todos os garotos, aliás. Sif já era boa guerreira desde bem novinha...Bem, Loki não podia perder aquela oportunidade e, quando Sif amarrou sua longa trança dourada no pesado vaso que quase arrancara o couro cabeludo das rivais o jovem deus trapaceiro jogou um feitiço nos discos que alguns garotos usavam para treinar ali perto. Um dos discos cortantes escapou da trajetória para o alvo e cortou em cheio a trança inteira.
Até hoje Loki podia jurar que Sif urrara como um animal ferido ao ter os cabelos cortados. O pobre dono do disco quase desmaiara ao ver a menina avançar para ele como um cavalo de batalha descontrolado. Foi preciso que Thor a segurasse ou o menino teria sido espancado até desmaiar. Infelizmente não demorou muito para descobrirem a verdade, já que o feitiço fora tão forte que derretera o disco logo depois. E quem era o único ali que podia usar magia E tinha inveja dos cabelos dourados de Sif? Loki fora premiado com um tapa, pois Frigg exigiu que ele pedisse desculpas e a compensasse. Ela lhe deu aquele tapa e mandou que restaurasse seus cabelos. Para azar de Sif o jovem mago ainda não era bom em restaurar as coisas e o resultado foi que os cabelos dourados se perderam para sempre quando o feitiço de Loki transformou a essência deles desastradamente. Eles ficaram negros e a jovem deusa nunca o perdoou. Mas pelo menos ela não conseguiu o beijo de Thor.
Loki só percebeu que sorria, muito satisfeito consigo mesmo com as lembranças quando Odin pigarreou. Imediatamente voltou a mostrar uma cara abatida.
— Não foi apenas aquela oportunidade que você tirou de Sif, não, filho? — Odin o encarou com seu único olho, que era muito mais assustador do que se fosse acompanhado pelo companheiro perdido. Loki comprimiu os lábios finos. — Eu me lembro como você conseguiu que Sif encontrasse Thor com a melhor amiga dela. E isso quando ela finalmente tinha se decido a aceitar a proposta de namoro do seu irmão. E houve também aquela vez em que, mesmo estando no mesmo salão, nenhum dos dois conseguia enxergar o outro durante o baile.
— Não tenho nenhum tipo de paixão secreta por ela, se é o que está insinuando, pai. — na verdade até mesmo pensar em ter algo com Sif deixava Loki enjoado. Acreditava que a reciproca era verdadeira, aliás.
— Eu sei que não. Vocês são rivais ferrenhos demais para um dia virem até mesmo a ser amigos.
— Rivais. — repetiu Loki, observando o pai cuidadosamente. Não imaginava aonde aquela conversa devia chegar mas Odin nunca falava nada sem um grande motivo por trás.
— Sim. Pelo amor e a atenção de Thor, naturalmente.
O deus da mentira comprimiu os lábios novamente mas não deixou de encarar o pai. Odin estava satisfeito por isso mas não deixou que seu filho notasse, mesmo assim.
— O problema é que não existe competição realmente. — Odin se levantou e bateu de leve na mão de Loki, que estava agarrando os lençóis com tanta força que seus dedos estavam brancos. — Thor só tem lugar para uma pessoa em seu coração desta maneira em especial. E ele já fez a escolha.
A lembrança ainda estava fresca na mente de Loki. Thor falara da mortal que conhecera durante seu exílio na Terra por um bom tempo, até finalmente parecer tê-la esquecido; ou talvez lembrar que estavam separados doía demais e ele parou de mencioná-la. Uma mera mortal, uma mulher da Terra, de Midgard! Loki falara sério quando dissera que pretendia lhe fazer uma visita. As palavras de Odin estavam reacendendo aquela disposição.
— Não, Loki. — o deus de cabelos negros ergueu o olhar para o pai e seu rosto parecia uma máscara de ódio. Odin balançou a cabeça e repetiu. — Não, Loki. Não faça isso ou estará cometendo um erro ainda maior do que tudo o que já fez até hoje.
— Não me importo! — até sua voz estava transfigurada. — Quando a Bifrost estiver consertada ele vai descer até lá. Ele vai se encontrar com ela! Mas eu também vou descer até Midgard...
Odin se inclinou para ele tão rápido que o movimento assustou Loki e o fez recuar. Seu pai agarrou-lhe o pulso e o apertou, causando uma dor aguda na carne ainda não de todo curada, mas a dor era bem vinda para abafar aquela raiva que ameaçava explodir dentro dele.
— Ouça! Não é assim que você vai impedir Thor de também cometer um erro! — o rosto de Odin estava a centimetros do dele. — Cure-se e saia desta cama. Quando estiver forte o suficiente venha até mim junto com seu irmão e conversaremos. Até lá volte a ser o irmão de quem ele precisa e que achou que perdera...duas vezes contando com esta.
Loki ainda tentou dizer qualquer coisa mas o pai o deixou sozinho. Assim que sua fúria começou a se desvanecer cobriu-se e fechou os olhos, achando que não ia conseguir adormecer. Alguns minutos depois, no entanto, já ressonava suavemente graças aos remédios que ainda estavam em seu corpo.
Uma semana depois Loki já tinha permissão de andar um pouco pelo Palácio, sempre acompanhado, claro. Sif não se tornara sua guardiã, para alívio de ambos, pois Thor intercedera junto a Odin de maneira firme. Portanto lá estavam os dois irmãos passeando pelo jardim de Frigg, o mais velho amparando o mais novo pelo braço enquanto andavam.
— Melhor se sentar um pouco.
— Estou bem, quero ir até a fonte.
Thor parou e olhou bem para o irmão. Loki estava pálido e visivelmente cansado mas mantinha os lábios comprimidos, o que sempre fazia quando estava irritado ou sentindo-se especialmente obstinado.
— Nós vamos nos sentar aqui, Loki e não quero ouvir nem um pio! — fez o mais novo se sentar apesar dos protestos e empurrões. — Se me aborrecer de verdade, irmão, carrego você de volta pro quarto!
Loki imediatamente ficou quieto. Thor falava sério. Da última vez que o ameaçara assim Loki quase explodira de vergonha ao passar pelas pessoas, no colo de Thor, debatendo-se como uma criança teimosa.
O jardim era lindo. Ainda mais lindo ao vivo do que nas lembranças que tivera em sua câmara de tortura. A brisa suave passava por eles carregando aromas deliciosos de terra fresca, flores e frutas. O murmurar delicado da fonte ali perto tornava o lugar ainda mais mágico. E Loki amava magia.
Seu irmão esticou-se todo no banco e bocejou ruidosamente.
— Quando vai voltar a dormir em seu próprio quarto, irmão? — indagou Loki, divertido. — Se passar mais noites em claro velando meu sono logo vai ser você quem terão de carregar para a sala de cura.
Frigg providenciara uma cama extra no quarto de Loki a pedido de Thor, pois o mais velho queria ficar de olho nele vinte e quatro horas por dia. Claro que a cama do deus mago era enorme e bem poderia acomodar os dois, mas o deus do trovão lembrou a todos que era espaçoso, movia-se sem parar quando dormia e poderia acabar machucando Loki.
Isso era a mais pura e deslavada mentira.
O deus da trapaça muitas vezes fora parar na cama de Thor após um ou outro pesadelo quando eram crianças e o mais velho não se movia de jeito nenhum. Na verdade Thor parecia uma pedra dormindo e seu único problema era o ronco. E agora que estava dormindo no quarto de Loki o maior parecia sofrer de insônia constante, pois não importava a que horas o mais novo abrisse os olhos lá estava Thor, observando-o atentamente, sorrindo com ar cansado.
Thor deu de ombros e bocejou novamente.
— São os roncos, não são? Eu sabia que ia acabar atrapalhando seu sono, você sempre teve sono leve.
— Você não ronca, Thor. Você não consegue roncar se estiver acordado e toda a noite eu vejo que você não prega um olho! Eu não vou sumir da cama no meio da noite nem vou cair dela, não com a largura que ela tem. O que me deixa exasperado é ver você tombando pelos cantos de dia porque não dorme durante a noite!
Obviamente Loki não tinha como saber, mas Thor não queria dormir e também não queria sair do quarto dele. Cada vez que Thor adormecia era ele quem tinha pesadelos e neles ele revivia a quase morte do irmão no abismo e também o cenário de terror que vislumbrara ao entrar naquela sala de pedra dentro da caverna. Sempre que fechava os olhos Thor via seu irmão pregado por estacas de gelo naquela maldita mesa como se fosse uma borboleta na coleção de alguém. E todo aquele sangue, e os gritos. Cada vez que acordava desses pesadelos que dominavam as poucas horas em que o sono o vencia, a única coisa que o acalmava era abrir os olhos e dar de cara com a expressão tranquila e etérea de Loki em seu próprio sono. Se voltasse para o próprio quarto e tivesse um pesadelo acordaria gritando, desesperado, a procura do irmão.
— Você quer que eu saia do seu quarto. Eu entendo. Você nunca gostou muito de gente ao seu redor.
— Não coloque palavras na minha boca, irmão! — Loki sacudiu a cabeça, exasperado. — Eu só não entendo por que você não dorme e não entendo por que tivemos que arrumar uma cama extra! Quando éramos crianças...pelos deuses, até quando éramos adolescentes eu acabava indo parar no seu quarto se tinha um pesadelo ou se alguma tempestade muito forte caísse sobre Asgard durante a noite! — o jovem deus parou e refletiu sobre suas palavras. — Por Odin...eu era um covarde, mesmo...
A gargalhada de Thor fez alguns pássaros levantarem voo das árvores á volta deles.
— Sim, mas apenas nas coisas menores, irmãozinho! Nunca o vi correr se precisássemos resgatar um animal ferido ou brigar com os filhos valentões dos nobres da corte. Embora eu tenha minhas dúvidas se você correria ou não se tivesse que brigar mano a mano com Sif...
Loki fez uma careta e provocou outra gargalhada no irmão mais velho.
— De qualquer forma você parou de vir até meu quarto mesmo nas piores tempestades.
— Você...nós, estávamos crescendo, Thor. Eu não poderia simplesmente continuar a rastejar para sua cama a todo momento. — sorriu de lado. — Na última vez que fiz isso você não estava sozinho na cama e eu decidi que não precisava saber desses detalhes da sua vida.
Os olhos de Thor estavam arregalados e algo muito próximo ao vermelho parecia lhe tingir o pescoço e as orelhas. Foi a vez de Loki gargalhar.
— Eu deveria ter trancado a porta...
Loki assentiu. Então Thor franziu as sobrancelhas loiras.
— Loki? — o mais novo se virou para ele com um "Hun?" em resposta. — Irmão, aproveitando o assunto, eu nunca o vi com uma mulher. E nem soube de ninguém que tenha sabido de você com uma também. — ele sorriu, cúmplice. — E olhe que as damas costumam cruzar informações e eu tentei interceptar algo sobre você por...séculos.
O deus do caos não ficou vermelho como Thor esperava, mas pálido como um fantasma, fazendo o mais velho arrepender-se imediatamente de ter abordado o assunto. Loki era muito discreto, não gostava que se intrometessem em seus assuntos e aquilo era bastante pessoal, embora Thor não visse qual o problema. Ele mesmo enchera os ouvidos do irmão mais novo vezes sem conta com suas aventuras amorosas até que este lhe gritasse para calar a boca.
— Esqueça, irmão. — o loiro apressou-se a dizer, temendo que o moreno tivesse um colapso ou algo assim. — Venha, vamos até a fonte um momento e então eu o levo para o quarto.
Já ia levantando quando percebeu que Loki estava...rindo. Ria baixinho, a cabeça baixa também. Voltou a sentar-se.
— Loki...?
O mais novo ergueu a cabeça e o fitou francamente.
— Thor, eu pensei que você sabia.
— Pensou que eu sabia o quê?
Não era possível, era? Pensou Loki, atônito. Depois de tanto tempo e até depois dessas tentativas de interceptação como Thor as chamava, ele podia não ter percebido?
— Thor...irmão. — Loki riu sem poder conter-se. — Eu não gosto de mulheres.
Passou-se todo um minuto até Thor conseguir organizar os pensamentos e parar de abrir e fechar a boca como um peixe dourado descomunal. Nesse meio tempo Loki lutava para não rir mais.
— Eu não...quero dizer...— Thor pigarreou para clarear a voz, que parecia meio amarrotada. — Eu jamais teria imaginado...Conheço muitas damas que vão ficar sinceramente...desapontadas. — coçou a cabeça, parecendo em dúvida. — Tem certeza? Porque...bem...
— Não há a menor sombra de dúvida. — garantiu Loki, tranquila mas firmemente. — Eu as admiro e posso apreciar beleza quando a vejo, mas não seria capaz sequer de tocar na mão de uma mulher sem me sentir incomodado.
O gigante loiro ouviu cada palavra com atenção mas quanto mais entendia, mais a consequência natural daquela revelação o desagradava. No fim estava com a cara tão fechada que Loki acabou por desviar o olhar.
Aquilo não era incomum em Asgard. Na verdade tinha certeza de que toda a corte sabia muito bem que o príncipe jamais daria ao Pai de Todos netos para divertir sua velhice. Não era possível que Thor fosse se irritar por algo tão bobo.
— Então...homens, hun? — o deus do trovão nem percebeu que agarrava o braço do banco com força, trincando-o. Não podia...não queria imaginar seu irmão nos braços de algum maldito aproveitador que só estaria interessado em...— Quem? — encarou Loki e quando este não o encarou de volta agarrou-lhe os ombros e o fez virar-se, espantando-o. — Quem? Com quem você...— não podia nem mesmo terminar a frase. Imagens desconexas de seu adorável e frágil irmão sendo acariciado por algum homem sem rosto o deixavam doente. Loki agora o encarava tão surpreso e assustado que quase...quase...o fez recuar. — Me diga, Loki!
— Ninguém...— balbuciou o deus mago sem conseguir deixar de fitar os olhos azuis do irmão que faiscavam, elétricos e muito tempestuosos. Sentiu mais do que viu as nuvens carregadas e a eletricidade estática que os rodeava e que estalava entre eles. — Pare com isso, Thor! Não há ninguém! Não sei quem você acha que eu sou...ou o quê...mas não existe ninguém! Nunca existiu! — sua mente completava "Exceto você, idiota!", mas isso Loki não diria
Thor o soltou devagar, novamente em choque. Como assim...nunca? Loki não podia estar falando sério. Nunca? O mais novo pareceu ler seus pensamentos e o fitou friamente.
— Eu nunca me importei com esse tipo de coisa, pra começar. — revirou os olhos ao ver o maior erguer uma sobrancelha. — Pelos deuses, Thor...não é porque eu não me deito com mulheres que obrigatoriamente tenho que fazê-lo com homens! Meus estudos, a magia...e tudo o mais...me absorvem o suficiente para que eu não sinta essas necessidades, só isso!
— Você é virgem?
Loki respirou fundo. Aquilo era patético! E ainda assim terrivelmente prazeroso. Não contava que Thor fosse ter uma reação tão extrema ao suspeitar que Loki poderia estar se relacionando com algum homem. Definitivamente interessante, a ponto de deixar o mais novo dos filhos de Odin ali todo aquecido por dentro.
— Obviamente. — o suspiro de alívio do gigante loiro foi tão profundo e seu sorriso abriu-se tão de repente que o menor acabou rindo. — Leve-me para o quarto, Thor.
Por um momento o deus do caos achou que o irmão fosse ter um ataque. Ficou vermelho, azul, gaguejou e ficou encarando Loki como se este tivesse lhe proposto...
— Estou cansado, irmão. Repousar seria bom.— e então o rosto de Thor se iluminou e ele se levantou, oferecendo-lhe o braço como um cavalheiro. — Não sou uma mulher, Thor. — o maior pigarreou e o ajudou a levantar, encabulado. — E se você fizer qualquer piada a respeito de irmãzinhas e as roupas que eu uso, irmão, juro que o transformo em algo muito pior que um sapo quando nosso pai devolver meus poderes!
TBC...
