N.a: Essa é a primeira parte de uma trilogia, que eu decidi publicar como uma única fic. Cada uma delas tem uma música por tema, mas, elas são, ao menos as duas primeiras, instrumentais, portanto, eu aviso. Essa aqui tem
como trilha a música Moonlight Sonatta, Beethoven. É realmente linda.
Disclaimer: Os personagens e lugares e música não me pertencem. As maluquices, sim.XD
The path of the Sly is always a lonely path.
O caminho do astuto é sempre um caminho solitário.
Tourjours Seul
Qual era mesmo a razão de estar aturando o discurso do Potter? Ah, sim, ele tinha desertado dos Comensais e não estava muito afim de morrer. Mas, reconsiderando... Por que a morte era ruim mesmo? Talvez porque, considerando a extensão e o teor do discurso do "Eleito", um bom Avada Kedrava não fosse uma opção tão facilmente descartável.
Oh, claro, ele tinha que tentar ajudar sua mãe também. Certo. Havia motivos então.
O rosto dele estava pálido e impassível. Sentado displicentemente e parecendo à vontade dentro de Grimmauld Place, que teria sido sua em alguns anos se aquele imbecil do Sirius Black não tivesse deixado tudo para o-menino-que-sobreviveu, ele escutava Potter falar e falar.
Desfiar horas de palavras moralistas e repreensivas contra ele, ouvindo Potter deixar claro que se ele não tivesse cometido "um grave erro", um "homem espetacular" ainda "estaria ali", mas como ele havia "se arrependido", virado "para o lado certo" e ouvido a "voz da razão" eles estavam dispostos a "ajudá-lo".
O duplo sentido do discurso todo era tão claro para Draco Malfoy que ele quase conseguia ver as aspas flutuando em torno dos nobres membros da Ordem da Fênix.
A tradução: a sua sorte é que você é covarde e não conseguiu matar o velho gagá, então, como está fugindo, nós vamos mantê-lo vivo por um pouco mais de tempo em troca de informações. Por que as pessoas não conseguiam ser claras?
Ele não queria um discurso de boas vindas. Não viera até ali em busca de amigos. Se dependesse só dele, já teria ido embora para bem, bem longe e desaparecido do mapa.
Só continuava na Inglaterra porque precisava ajudar sua mãe, e isso havia lhe trazido à Ordem, sua única opção, se quisesse continuar vivo. Mas em momento algum isso significava que ele agora estava no caminho da paz e do bem e que seria quase um Grifinório honorário. E aquele longo discurso estava lhe tirando a paciência.
- Potter! – ele começou com sua voz arrastada, pondo um fim ao monólogo do Garoto-que-Sobreviveu. – Eu vim até aqui para oferecer um acordo. Colhi informações por mais de um ano e tudo que eu peço em troca delas é um lugar seguro e alguma maneira de tirar minha mãe do alcance do Lord. Temos um acordo ou não?
Harry olhou fundo nos olhos cinzas do loiro. Sentira pena dele. Raiva também, é claro, mas desde que ele havia visto a cena e sabia que Malfoy não tinha conseguido matar Dumbledore, sentira, acima de tudo, pena.
Mas agora, ao vivo, com o garoto pálido a sua frente, com todo aquele jeito arrogante e arrastado, a raiva estava, de alguma forma, levando a melhor. Respirou fundo várias vezes.
- Bom, Malfoy, eu entendi o que você quer. E nós estamos dispostos a lhe ajudar.
Draco sentiu a raiva queimar por dentro. "Dispostos a lhe ajudar"? Como se ele estivesse implorando por socorro? Ele estava propondo um acordo, não colocando sua vida nas mãos misericordiosas do Santo Testa Rachada. Controlou-se mais uma vez. Os termos não interessavam. Os fins justificam os meios, e sair vivo e com sua mãe ilesa parecia um bom fim para agüentar o ar de bom samaritano de Potter naquele momento.
- Então temos um acordo? – ele insistiu.
- Temos. – Harry concordou, olhando feio para Ron, que fez um muxoxo quando o moreno disse sua palavra final.
Agüentar Malfoy em horário integral era a última coisa que o ruivo queria.
- Ótimo. - disse Draco, com um sorriso frio – Quais são os planos de vocês?
Já que ele teria que aturar discursos que auto-proclamavam a bondade de Potter e sua fiel trupe, ele não iria mover uma palha. Eles que encontrassem um lugar seguro, lhe mandassem para lá e ajudassem sua mãe. Talvez, nessa última parte ele se envolvesse, mas não estava muito certo. Na sua atual posição, era provável que acabasse atrapalhando mais que ajudando.
- Como assim, planos, Malfoy? – indagou Granger, com voz afiada.
Draco lhe encarou, descrente. Ali estava a pior parte do acordo. Uma sangue-ruim nos altos postos e dando ordens a todos, apoiada por um mestiço e um traidor do sangue. A que profundidades não chegam as pessoas por amor às suas famílias...
- Planos, Granger. – disse, sem conseguir esconder a exasperação - Para onde eu vou? Como vou me esconder? Como vão ajudar minha mãe?
- Bom, ajudar a sua mãe vai ser difícil, mas estamos trabalhando em alguma forma de removê-la da Mansão Malfoy sem parecer uma fuga voluntária. Assim, se algo der errado, ela não vai ser castigada. - Granger respondeu, ponderada.
Draco pensou por um segundo em quanto todos eles eram ingênuos, mas deixou passar.
Eram casos perdidos. Bom senso e Grifinórios não combinavam em uma mesma frase.
- Certo. E para onde eu vou?
- Terceira porta à esquerda, subindo a escadaria, segundo andar. – disse Ginevra Weasley, com um tom entre irritado e divertido ao ver a cara de espanto do loiro.
- Como? – ele questionou incrédulo. – Eu vou ficar aqui?
- De que maneira você espera nos dar informações se não estiver aqui, Sr. Malfoy? Por correio-coruja? Ou que membros da Ordem fiquem seguidamente desaparecendo perto de um mesmo ponto para interrogá-lo em algum esconderijo? Óbvio que não. Você fica aqui, até tirarmos você e a Sra. Malfoy do país. - declarou McGonagall de sua cadeira no canto mais afastado da sala.
- Viver aqui? Na Sede da Ordem da Fênix? – "Com esse monte de sangue-ruins, lobisomens renegados, traidores do sangue, ex-professores e, o pior de tudo, Potter?", foi a parte que o loiro preferiu não dizer em voz alta, mas que estava mais do que explícita pela sua expressão e o tom de desgosto da sua voz.
- Sim, aqui. – retrucou Minerva, no mesmo tom seco com que costumava se dirigir a ele na escola.
Harry também não estava feliz com a decisão, já que eles estavam morando ali. Ele, Ron e Mione passavam todo seu tempo livre na Ordem, estudando e pesquisando sobre Horcruxes.
A família Weasley também estava sempre presente; Ginny, ajudando, ia para casa só aos finais de semana, quando ia; os gêmeos haviam trazido suas coisas para a Sede e, quando não estavam na loja, trocaram seu micro-apartamento por um dos enormes quartos da Mansão.
Lupin morava em Grimmauld Place, estando sempre presente quando não estava em missões. E, claro, McGonagall, Slughorn e outros membros da Ordem que, mesmo sem um líder oficial, estavam sempre por perto, para controlar os pós-adolescentes. Havia um equilíbrio entre todos eles. E agora Malfoy iria estragar tudo com sua presença loira, fria e arrogante.
Mas, ponderou Harry, qualquer coisa pelo bem da Ordem. Eles precisavam de informações, elas seriam sempre bem-vindas, e, principalmente, eles jamais virariam as costas a alguém que precisasse ser ajudado, nem que esse ser fosse Draco Malfoy e sua mãe.
Nesse momento Harry refletiu que Malfoy não havia pedido que eles ajudassem seu pai.
O que isso queria dizer? Desde que havia escapado de Azkaban, Lucius aparecia em jornais como o mais ativo dos Comensais.
Certamente, querendo compensar seus erros. Na noite em que a Ordem havia encurralado alguns deles, e Bellatrix Lestrange e mais cinco outros foram mortos, Lucius estava lá e conseguira escapar.
Por que Draco se sentia ameaçado agora? Será que a posição de seu pai continuava enfraquecida? E, principalmente, o que havia levado Draco a desertar? Malfoy estaria finalmente "vindo para o lado da luz"? Tudo isso era muito intrigante, mas Harry sabia que não teria as respostas logo, se é que algum dia as teria.
Malfoy parecia ter sido sempre movido por seus próprios motivos, nunca compartilhava suas razões com ninguém. Não tinha amigos, sua família estava reduzida a um pai Comensal e uma mãe que dependia dele agora. Não era de se surpreender que o loiro fosse tão chegado em segredos.
Divagando, não notou que a reunião estava sendo desfeita e que um descontente Malfoy esperava que alguém lhe mostrasse seu quarto. Os quartos eram muitos na Mansão, mas como os hóspedes iam e vinham com certa freqüência, conforme as necessidades, as pessoas que residiam fixamente ali desenvolveram o hábito de dividi-los, para deixar sempre os mesmos lugares livres para seus "hóspedes".
Hermione e Ginny, Fred e George, Harry e Ron. Um dos poucos quartos que ainda não havia sido ocupado era o antigo quarto de Sirius. Harry não sentia a mínima vontade de pôr o loiro ali, mas era isso ou dividir um quarto com ele, e a última opção estava fora de cogitação.
Subiram as escadas com má vontade, Tonks liderando o caminho. Assim que chegaram ao segundo patamar, a metamorfomaga tropeçou, fazendo um estardalhaço ao estatelar-se no chão.
- RALÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ! IMUUUUUUUUUUNDOS! SERES DESPREZÍÍÍÍVEIS! – urrou o quadro da Sra. Black.
- Concordo, tia Walburga. Mas a senhora está perfurando meus tímpanos. – disse Draco, sem elevar a voz, cruzando os braços e parecendo divertido. A mulher parou de berrar e olhou descrente para Draco.
- Um Malfoy? Um verdadeiro Malfoy com sangue puro? – indagou o quadro. Harry percebeu que era a primeira vez que a mulher não estava aos berros.
- Isso mesmo. – confirmou o loiro, com um sorriso frio. – Draco Malfoy. Filho de Narcissa Black e Lucius Malfoy, seu sobrinho neto.
- E o que faz aqui? – indagou Walburga, estreitando os olhos, claramente desconfiada da presença de um puro-sangue de sua própria família entre a ralé.
- Conveniências, tia, conveniências. Às vezes as circunstâncias nos conduzem a companhias nem tão... apropriadas quanto as que estamos acostumados. – explicou o garoto olhando para os demais com óbvio desprezo e parecendo devidamente embaraçado pela presença tão próxima deles.
Walburga Black abriu um sorriso. Ron engasgou com o choque.
- Kreacher com certeza vai ser seu criado pessoal, não? –ela perguntou, estreitando os olhos agora para Harry.
O primeiro impulso do moreno foi dizer não. Quando eles haviam se mudado para Grimmauld Place, tanto Dobby quanto Kreacher tinham vindo também, para ajudar na manutenção da casa.
Mas, pensando bem, a negativa geraria gritos da mãe de Sirius e, na verdade, Kreacher mais atrapalhava que ajudava e só o fato de ter que olhar para ele fazia o sangue de Harry ferver.
Que Malfoy ficasse com o elfo. Provavelmente, Kreacher iria acabar com as roupas caras do loiro e colocar vermes na cama dele, como ele fazia com certa freqüência com a cama de Ron. E isso também reduziria os urros do quadro.
- Claro. Kreacher está à disposição de Malfoy.
Foi a vez de Hermione engasgar.
- Harry... – ela começou em tom de aviso.
- Depois, Hermione. – ele disse baixinho. – Seu quarto é aquele ali, Malfoy. – indicou a porta. – Eu vou mandar o Kreacher para ajudá-lo a organizar suas coisas.
Malfoy assentiu e, sem agradecer, virou-se e entrou no quarto, fechando a porta atrás de si.
Algumas fotos antigas de Sirius Black estavam espalhadas, tornando claro a quem o lugar havia pertencido anteriormente.
O aposento tinha um bom tamanho. Uma cama de madeira grossa e escura e um amplo guarda-roupa, do mesmo material, dominavam o ambiente. Em um canto, embaixo da janela, havia uma poltrona de aparência bastante confortável, forrada em veludo que, algum dia no passado, havia sido negro, mas que agora estava entre o roxo pálido e o cinza desbotado.
Do outro lado do quarto, uma escrivaninha, e de cada lado da cama de casal, criados mudos.
O loiro começou a prestar atenção aos detalhes. Cama, guarda-roupas, escrivaninha e criados mudos eram feitos de ébano e entalhados com cobras e emblemas da família Black por toda a extensão.
Havia uma lareira na parede, em frente à cama, decorada com entalhes em prata oxidada, que combinavam com as luminárias e porta-retratos do mesmo material. Ao lado da lareira, bem ao canto da parede, um largo espelho de corpo inteiro, com moldura espessa e também de prata oxidada, trabalhada nos mínimos detalhes.
O quarto era todo decorado em preto e prata, serpentes e rebuscados "B"s eram formados no meio do brasão da família Black. Draco sorriu. Tudo ali lhe lembrava o seu próprio quarto na Mansão Malfoy. Acomodou-se na poltrona, esperando que Kreacher viesse para arrumar seus pertences. Quem diria que a Sede da tão correta Ordem da Fênix era em Grimmauld Place, a Mansão Black? Um lugar tão infestado de crenças de Sangue-Puros quanto a sua própria casa?
Com um pequeno estalido, Kreacher apareceu a sua frente, fazendo uma profunda reverência. Mal lhe lançando um olhar frio, Malfoy começou a dar ordens, observando o elfo trabalhar e fazendo ocasionais críticas e insultos. A pequena criatura estava mais contente do que havia estado em anos. Finalmente um amo de sangue puro.
Finalmente alguém a quem valia a pena servir. A cada ordem ríspida e olhar de desprezo que o loiro lhe dirigia, mais contente Kreacher ficava.
Depois de algum tempo, com o quarto a contento do loiro, Kreacher desapareceu para surgir, alguns minutos depois, com um suntuoso jantar preparado por ele mesmo, e uma garrafa do melhor vinho tinto da adega Black. Ele depositou a bandeja sobre a escrivaninha e sumiu.
Draco foi até lá e analisou o jantar. "Nada mau", pensou, considerando que a comida ficaria certamente mais saborosa por não ter que ser consumida com O-Menino-Que-Tem-a-Cabeça-Aberta e seus fiéis seguidores.
Pegou a garrafa de vinho e decidiu guardá-la para outra ocasião. Estava tão exausto que não teria problemas para dormir, e aquela seria a primeira vez em mais de um ano que dormiria tendo a certeza de que acordaria na manhã seguinte, o que lhe proporcionava um imenso alívio.
Começou a jantar e planejou ir para a cama logo em seguida. Precisava de uma boa noite de sono para agüentar o interrogatório que o bando de Salvadores do Mundo lhe faria no dia seguinte.
Na cozinha, Harry observou Kreacher, alegremente, preparar um ótimo jantar e sumir com uma bandeja de prata e uma garrafa de vinho, o que resultou num maravilhoso jantar para eles também, já que Dobby se recusava a ser deixado para trás pelo elfo dos Black. Kreacher reapareceu sem a bandeja e foi contente para sua toca enquanto aguardava seu novo mestre terminar de comer para que ele pudesse limpar tudo.
- Eu não consigo acreditar que ele está fazendo tudo impecavelmente para Malfoy. Pensei que ele ia deixar a vida dele bem desagradável. Nunca imaginei que ele pudesse fazer as coisas tão bem, se quisesse. – disse Harry espantado durante o jantar.
Hermione olhou feio para ele.
- Então foi por isso que o deixou com Malfoy?
- Bom, é, foi. Ele sempre dá um jeito de estragar tudo que eu peço, por mais simples que seja...
- Ah, mas ele te despreza, Harry, - declarou Ron, muito sensato, entre garfadas – e gosta do Malfoy.
- Obrigado, Ron. Isso fez eu me sentir muito melhor.
Hermione riu e eles terminaram a refeição em silêncio. Foram para a cama preparando-se para o interrogatório. Esperavam ter respostas para perguntas que lhes intrigavam há muito tempo.
Ele estava parado na borda da floresta e se via na clareira. As rajadas de vento eram como açoites, que faziam seus cabelos claros chicotearem em seu rosto, causando ardência em seus olhos, mas ele não ousava fechá-los. Não ousava nem ao menos se mover.
A sua volta tudo era escuridão, e ele só conseguia distinguir a si mesmo e dois homens a sua frente. Ele não sabia qual dos dois ele desprezava mais. Lucius Malfoy ou o Lord das Trevas.
Draco se via em frente dos dois, desprotegido e sem varinha, o rosto manchado com sangue. O olhar vigilante dos homens não desviava dele, desdenhando e o ofendendo, mas, de alguma forma, o rapaz não os ouvia. Mas estava com medo.Precisava cumprir a promessa que fizera.
Precisava tirar sua mãe daquela loucura em que Lucius os havia colocado. Viu quando o Lord apontou a varinha para ele com seus dedos longos e finos, e só então escutou a voz de seu pai, carregada de desprezo.
- Ela não vai sair daqui, garoto. Não com vida. E nem você. Meu filho você não é mais.
Draco viu os olhos do Lord refulgirem em vermelho, sua voz fria dizer "Avada Kedrava" e o brilho verde ir em direção a Draco, que estava parado.
Viu seu corpo descrever uma curva com o impacto do feitiço, e a risada do bruxo que tinha lhe lançado a maldição. Seu corpo caído no chão. Morto.
- NÃO!
O loiro sentou na cama com a respiração ofegante. Olhou em volta com desespero, sua respiração voltando, lentamente, ao normal, quando se certificou que estava na Sede da Ordem da Fênix. No antigo quarto de Sirius Black.
Com Harry Potter e seus parceiros de aventura há poucas portas de distância. Estava seguro. Ao menos por enquanto.
Voltou a deitar e fechou os olhos com força, concentrando-se em impedir que as imagens do sonho voltassem. Seu corpo caído. A risada do Lord. O olhar frio de seu próprio pai. Sacudiu a cabeça e ligou a luz do abajur de sua cabeceira. Pegou a varinha e convocou um livro qualquer de sua mala.
Eram 5 horas da manhã. Leria até que o sono viesse. Passou os olhos por páginas e páginas, sem conseguir ficar lendo por mais que cinco segundos sem que as imagens voltassem.
Quando o relógio marcou sete horas, levantou-se, se vestiu e desceu até a cozinha, para tomar o café da manhã.
Qualquer coisa, até a companhia da sangue-ruim ou o pobretão, até mesmo do elfo que lhe servira a noite passada, para que não tivesse que pensar no que tinha visto aquela noite. Chegando ao pé da escada, percebeu que não fazia idéia de onde a cozinha ficava. Ninguém havia lhe mostrado a casa e ele não tinha perguntado.
Foi passando por todas as portas e cômodos, abrindo-os um por um. Até que abriu a porta de uma sala, que parecia uma sala de música. Prateleiras contendo partituras cobriam boa parte das paredes, alguns armários com instrumentos dentro, um violino, algumas flautas de diferentes tamanhos.
Mas o que realmente chamou a atenção de Draco foi o grande piano de cauda que havia bem ao centro da sala. O instrumento estava sobre um tapete negro e desgastado e brilhava com destaque em meio à poeira generalizada do local.
Aproximando-se, notou entalhes nas laterais e no banco que ficava à frente. Prata oxidada. Erguendo uma sobrancelha, Draco imaginou que a família Black tinha certa obsessão por este material.
Levantou a tampa do teclado e correu os dedos pelas delicadas teclas de marfim. Ele adorava tocar piano. O som lhe acalmava. Narcissa havia feito questão que ele aprendesse quando criança e, apesar de ter reclamado nas primeiras lições, descobrira logo que a música lhe dava um imenso prazer.
Muito poucas pessoas sabiam disso, entretanto. Ele sempre escondera o fato, nem ele mesmo sabendo o porquê. Contemplou as teclas mais uma vez e considerou seriamente a possibilidade de se sentar ali e tocar. Fazia mais de um ano que não tentava.
Quando se afastou para mover o banquinho, notou uma pequena figura em um canto. Tão achatada contra a parede que parecia querer sumir nela. Contornando o piano, ele foi até a frente da criaturinha e encontrou os olhos arregalados de Dobby fixos nele, com absoluto pânico estampado no rosto.
- Então é aqui que veio parar, elfo? Tsc, tsc. – ele balançou a cabeça – Que vergonha sair de uma casa nobre para trabalhar para um bando de sangue ruins e mestiços.
Dobby pareceu reunir toda a coragem que tinha e quando falou, foi num tom esganiçado.
- O antigo senhor de Dobby não vai falar assim. Todos daqui são muito bons e justos, e tratam Dobby muito bem. Harry Potter paga salário pra Dobby e não faz Dobby esmagar os dedos no forno quando Dobby faz algo errado. Ele é o novo mestre de Dobby, e Dobby está muito feliz.
- Novo mestre? – o loiro perguntou com um sorriso malicioso – Então quer dizer que se eu mandar você não vai obedecer?
Os olhos da criaturinha arregalaram-se ainda mais e ele engoliu em seco.
- Não, Dobby não vai.
- Vamos ver então. – disse o rapaz, divertido. – Eu quero que você pule em um pé só, elfo. Agora. – ele disse a última palavra como se fosse uma ameaça, e Dobby mordeu o lábio tentando não cumprir a ordem, mas não conseguiu. Sem conseguir se controlar começou a pular, e Draco riu.
Elfos domésticos nunca se desfaziam completamente de seus antigos donos.
- Deixe-o em paz, Malfoy. – disse Granger da porta da sala, num tom de voz que beirava o ódio. Draco olhou para ela e suspirou.
Que garota que não sabia respeitar um momento de diversão alheio. A morena foi até lá e segurou o elfo, que conseguiu parar de pular e disparou para fora da sala, deixando Malfoy sozinho com uma Granger muito irritada.
- Não consegue deixar de ser um idiota nem por um segundo, Malfoy? – ela perguntou, os olhos faiscando com raiva e desprezo.
- Não consegue deixar de ser uma sangue-ruim intrometida nem por um segundo, Granger? – ele retrucou, com voz arrastada, saindo da sala.
Seguiu o corredor, e logo o som de café da manhã sendo preparado e de conversas matutinas lhe guiou até a cozinha mal iluminada e sombria. Entrou ali e notou que não havia sido o único a acordar cedo. Parecia que o interrogatório teria metade da Ordem como platéia. Assim que entrou no local, Kreacher veio em sua direção, puxando uma cadeira para que o loiro sentasse e servindo-lhe o café.
O silêncio dominou o lugar enquanto comiam. Ninguém estava confortável com a companhia de Draco e ele se perguntava como tanta gente podia viver junta sem se sentir sufocado.
Começou a refeição e conteve um sorriso quando percebeu que Dobby lhe olhava com o canto do olho, os olhos expressando puro terror. Olhou em volta para analisar as demais expressões.
Granger olhava feio para ele a cada cinco segundos, e Weasley tinha as orelhas em fogo. A cabeça de fósforo da irmã dele lhe lançava olhares carregados de desprezo; McGonagall evitava seu rosto, com certeza lembrando-se da cena no alto da torre de astronomia. Nada de novo até aí.
Mas percebeu duas pessoas que lhe observavam de maneira diferente. Remus Lupin estava lhe analisando discretamente, com um olhar bastante curioso, como se estivesse querendo fazer uma pergunta, mas não achasse que fosse o momento adequado. E Potter lhe encarava com algo no olhar, algo que parecia... Pena?
Potter estava com pena dele? O pensamento de que alguém estava com pena dele lhe deixou desconcertado e irritado. Quem era Potter para ter pena dele? Um garoto idiota, que não via hora de morrer, sempre arriscando o pescoço pelas coisas mais estúpidas.
Ficou tão perturbado que até perdeu a fome. Empurrando o prato para longe, encarou Harry diretamente e lhe lançou o olhar de maior desprezo que conseguiu produzir.
- E então, Potter. Vamos logo acabar com esse interrogatório. Onde vai ser?
- Na sala da tapeçaria. – foi Lupin quem respondeu. – Você pode ir à frente e esperar lá, enquanto terminamos de tomar café, se quiser. – o tom de voz dele era agradável e gentil, como se quisesse reconfortá-lo, e isso irritou Draco mais ainda.
Que bando de gente idiota. Não sabiam como tratar um inimigo? Ficavam todos educados e lhe tratando bem. Será que eles pensavam que se algum deles caísse na mão dos Comensais seria assim? Imaginavam que se algum deles virasse um traidor e se tornasse partidário do Lord das Trevas seria recebido de braços abertos como eles estavam fazendo com ele?
Ele tinha quase matado Dumbledore, ele tinha infernizado a vida daqueles Grifinórios o máximo que pôde e como pagamento eles lhe davam um ótimo quarto e um elfo doméstico?
Por Merlin, como eram burros. O mundo não funcionava assim.
A regra não era "seja sempre bom com os outros", mas "seja razoavelmente bom com quem lhe interessa". Era tratando seus inimigos assim que eles pretendiam ganhar a guerra? Mesmo que Draco não estivesse mais apoiando os Comensais, eles não eram seus amigos.
Não podiam confiar tão cegamente nele, era estupidez. Suspirando, o loiro levantou-se, contendo-se para não balançar a cabeça em exasperação com sua linha de raciocínio.
Kreacher foi à sua frente para mostrar o caminho e, enquanto andava, Draco refletia que era ótimo que eles pudessem sair daquela confusão logo, pois ele não via futuro para o mundo mágico da Inglaterra independente de que lado vencesse.
Pelo menos, não futuro para gente como ele. Entrando na sala, dispensou o elfo com um aceno de cabeça e observou o lugar; a grande árvore genealógica da família Black estava semi-escondida atrás de um grande cortinado em tons de vermelho e dourado que parecia ser uma aquisição recente.
Andou até uma cristaleira que continha poucos objetos, a maior parte dela estava vazia. E o que ainda restava ali dentro era de prata oxidada. Novamente. Analisando de perto, Draco concluiu que havia, realmente, uma beleza diferente naquele material.
Não era brilhante como a prata normal e não era ordinário como o alumínio ou o bronze. Nem ostensivo como ouro. Era belo por ser simples. Pegou uma pequena placa que estava em uma das prateleiras do armário, que parecia estar sem inscrição alguma.
Era como um pequeno quadro, as bordas trabalhadas em baixo relevo com linhas tênues entremeadas com outras mais grossas, mas no meio do pequeno quadro, nada. Apenas a prata. Intrigado puxou sua varinha e ia tentar um feitiço revelador, por pura curiosidade, quando ouviu uma voz vinda de um dos quadros.
- "Lê chemin de l'astucieux est tourjours un chemin isolé".
Ao som das palavras, desenhou-se em meio ao quadro a mesma sentença, só que em inglês.
"The path of the Sly is always a lonely path".
- O caminho do astuto é sempre um caminho solitário. – Draco recitou e olhou em volta, para localizar o quadro que havia falado.
Phinea Nigellus observava o rapaz também.
- Eles deixaram esse quadro para trás, no "expurgo" que a casa sofreu, porque não souberam ativar o encanto. Um antigo lema dos Sonserinos. Há quem afirme que quem disse a frase originalmente foi Salazar Slytherin, embora eu discorde, já que o original é em Francês.
- E como sabe que eu não vou botá-lo fora agora? Eu posso ter passado para o lado deles e querer mostrar o quão nobre eu sou. – Draco disse, num tom desafiador. O quadro lhe olhou reprovadoramente.
- Porque ser astuto, ser um autêntico Slytherin, é como uma aura que envolve a pessoa. Você tem isso em você. É um Sonserino. Você sempre vai estar em primeiro lugar na sua vida. E por isso sempre vai ser solitário.
- Obrigado. – disse Draco, sentindo certo orgulho, e vendo seu desprezo pelo quadro diminuir.
- Não era exatamente um elogio, mas... Guarde o quadro com você. Essa gente não sabe valorizá-lo. E, assim que descobrirem o lema aí, são capazes de colocá-lo fora. – ele completou com óbvio ressentimento.
Draco mirou a placa por um momento e colocou-a no bolso do casaco. Era uma bonita peça. Ouviu a porta abrir e os membros da Ordem entraram. Draco sentou-se em uma poltrona e esperou enquanto eles se acomodavam. Sofás e poltronas foram conjurados e mudados de posição, de forma a ficarem dispostos em um semicírculo, de frente para o loiro.
Quando todos estavam prontos, McGonagall limpou a garganta, atraindo a atenção de Draco para ela.
- Bom, Sr. Malfoy. Vamos começar logo. Nós perguntamos e o senhor responde com a verdade.
- Não vão usar Veritaserum? – ele indagou, franzindo o cenho, intrigado. Ele poderia mentir para todos eles e eles jamais saberiam.
Burrice extrema seria um pré-requisito obrigatório para ser membro da Ordem da Fênix?
- Não, Sr. Malfoy. Algumas de nossas perguntas talvez sejam subjetivas, e as suas respostas poderiam se basear em suas crenças, que seriam verdade para o senhor; e não em fatos, que são o que nos interessam, nos induzindo ao erro por estar sob efeito de uma poção da verdade.
Hum. Não eram tão burros afinal. Descobrir isso era um alívio.
- Certo. Vamos logo com isso então. O que querem saber?
- Severus Snape. – disse Lupin, com um ar decidido, apesar do ar contrafeito de Minerva e do olhar de ódio que Potter produziu ao ouvir o nome, - ele esteve todos esses anos trabalhando apenas para o lado das Trevas? Estava decido a nos trair desde sempre, ou só recentemente?
- Nenhum dos dois. – declarou o loiro, com simplicidade, recostando-se na poltrona.
- Como assim? – perguntou Ron, levemente irritado, as orelhas assumindo o conhecido tom avermelhado.
- Nenhum dos dois. – Draco repetiu. – Qual a vantagem de escolher um lado? Qual a vantagem de arriscar seu pescoço declarando-se leal a algum deles, se você pode passar informações para ambos e ter sua segurança garantida quando qualquer um deles vencer? Snape só optou pelo Lord porque tinha feito um Voto Perpétuo. Ou cumpria minha missão ou morria. De outra forma, ele teria continuado agente duplo até o fim. E então declarado sua inabalável lealdade ao lado definitivamente vencedor.
- Isso é traição! – exclamou Hermione indignada – E covardia!
- Não. – afirmou Draco, em tom esclarecedor, balançando a cabeça lentamente em negação e encarando Granger – É esperteza. Ele passou muitas informações valiosas para vocês. Mais do que o Lord ou qualquer Comensal imagina. Coisas que realmente os ajudaram. Ele valeu por cada uma das ações que vocês tomaram em seu favor. E muitas também para o lado das Trevas. Manteve um equilíbrio. Não havia chance de ele sair perdedor, se não fosse pelo incidente em Hogwarts.
- Então foi por isso que nos procurou? – perguntou Harry, com um ódio redobrado pela frieza do loiro ao falar na morte de Dumbledore – Quer ser agente duplo também, como seu professor favorito?
- Não, Potter. – declarou o rapaz, ainda frio – Eu pensei que já tinha deixado isso claro, mas talvez você leve um certo tempo para processar informações simples. Dou todas as informações que eu já tenho, mas não vou colher mais nenhuma. Quero minha mãe e eu fora desta guerra. Só isso.
- E seu pai? – perguntou Fred, com uma sobrancelha erguida.
- Meu pai é um homem adulto. Ele toma as próprias decisões.
- Sua mãe também é adulta... – começou Ron, para ser interrompido pelo loiro.
- Sim, Weasley, ela é. E foi idéia dela que eu viesse pedir ajuda à Ordem. Ela não quer mais estar envolvida nesta história, principalmente depois da morte de tia Bella. E eu também não. Meu pai tem outras opiniões. Não vejo sentido em pôr minha vida em risco pela ascensão de outra pessoa ao poder. Ele vê. Ponto final. Podemos ir ao que interessa agora ou vão querer discutir minha infância também? – concluiu exasperado.
O interrogatório seguiu por boa parte da manhã e Malfoy percebeu que o Trio Maravilha havia trocado olhares significativos quando ele mencionou que havia uma espécie de guarda permanente em alguns lugares dos quais ele só conhecia um: uma velha mansão trouxa abandonada, próxima a um povoado também trouxa, chamado Little Hampton.
Não que ele se importasse. Se alguma informação era relevante ou não, não importava mesmo. O que valia era que em troca delas ele teria sua vida de volta.
E sua mãe também teria a dela. Ainda lhe revoltava o fato de que Lucius havia obrigado Narcissa a receber a Marca Negra para provar a lealdade da família toda quando Draco falhou em sua tarefa.
Sua mãe não tinha o espírito de Comensal. E nem ele, para falar a verdade. Pouco antes da hora do almoço, resolveram parar com as perguntas. Já tinham dados para conferir e suspeitas a confirmar, de modo que decidiram interromper o interrogatório por aquele dia.
Draco subiu para seu quarto e almoçou lá, não desejando ficar na companhia daquelas pessoas por nem mais um segundo.
Não quando eles acabaram descobrindo tanto sobre sua família. Muito mais do que ele desejava que a Ordem, ou pelo menos Potter, soubessem. Acabou adormecendo pelo cansaço. Tanto a sessão de perguntas quanto o pesadelo que havia tido lhe deixaram exausto.
Acordou algumas horas depois. Já estava escuro. Pela janela que havia ficado aberta, ele conseguia ver a noite chuvosa que fazia lá fora. Tudo estava anormalmente quieto. Nenhum barulho de gente saindo ou chegando. Sem conversas nos corredores.
Levantando-se, o loiro se perguntou onde estariam todos e porque não haviam lhe avisado, se é que ele ficaria sozinho. Mas então decidiu que não se importava.
Melhor se estivesse mesmo sozinho. Saiu do quarto e desceu as escadas.
Estava certo. Ninguém na casa toda. Os elfos estavam na cozinha e o resto da mansão estava vazia.
Lembrou-se do piano que, na verdade, passara boa parte do dia em sua cabeça. Subiu até o seu quarto e pegou a garrafa de vinho que havia guardado do jantar da noite anterior e foi até a sala de música fechando a porta.
Tocar piano, o poder de fazer dos sons díspares das teclas, melodias, lhe acalmava. Fazia ele se sentir bem. E isso era uma coisa de que ele estava precisando muito.
Conjurou uma taça e despejou o vinho dentro dela, tomando um gole. Apenas o som da chuva batendo na janela e as sombras que se formavam lá fora quando algum raio cruzava o céu.
Sentou-se ao piano, ficando de costas para a porta e levantando a tampa do teclado, removendo a peça de veludo negro que cobria as teclas. Experimentou algumas notas e verificou que o instrumento estava afinado. Deveria ser encantado.
Começou lentamente a tocar notas, sem realmente executar uma música. Apenas para se reacostumar a tocar. Muito lentamente começou a tocar uma de suas peças favoritas, Moonlight Sonatta, de Beethoven.
Sim, fora composta por um trouxa, mas que com certeza deveria ter alma de bruxo.
A melodia não era rápida ou alegre, e, mesmo em seus momentos mais leves, conservava algo de triste em cada nota. Draco gostava disso.
Música suave, sem a pressa de correr os dedos pelos teclados preocupando-se apenas com a correção de cada nota. Gostava daquela música. Não era uma peça longa, mas ele tocava somente ela, repetidamente.
Por vezes parava e tomava um gole de vinho. Por outras se mostrava zangado quando não tocava alguma nota corretamente, e recomeçava tudo mais uma vez.
Não sabia por quanto tempo poderia ficar ali, apenas tocando piano e saboreando vinho.
Mas ficaria feliz se pudesse ser parar sempre. Só ele e a música. Realmente não conseguia pensar em mais nada de que precisasse.
X-X-X
Harry olhou para a janela de seu quarto. Já estava escuro e uma chuva contínua desabava lá fora. Ele passara a tarde toda trancado ali, estudando e pesquisando. Ginny havia ido para A Toca com a mãe, os gêmeos foram trabalhar, os professores tinham missões a cumprir e Ron e Mione... Bom, eles precisavam de um tempo só para eles.
Então, quando eles avisaram que iam sair, Harry decidiu ficar. Ótima tarde. Ele e Draco Malfoy, trancados em Grimmauld Place.
Embora o Sonserino não tivesse dado as caras durante nenhum momento. Provavelmente estava trancafiado no quarto, reclamando de alguma coisa ou fazendo o que fosse que pessoas como ele faziam para se distrair. Decidiu descer até a cozinha procurar algo para comer.
Quando chegou à escada escutou algo estranho, parecia... Um piano? Quem estaria tocando piano? Ele nem sabia que o piano daquela casa funcionava. Aproximou-se da sala de música e parou para escutar. Definitivamente, alguém ali tocava uma música muito triste. E tocava muito bem.
Harry abriu a porta muito cuidadosamente para ver quem estava lá dentro. E reprimiu a custo uma exclamação de susto quando viu os cabelos loiros de Draco. Draco Malfoy sabia tocar piano? Que coisa mais estranha.
Fechou a porta novamente e ficou ali, escutando a música. O loiro tocava realmente muito bem e parecia tão em paz ali, que o moreno não teve coragem de interrompê-lo.
Mas também não saiu da sala. Estava gostando da música. Depois de alguns minutos, Draco terminou a melodia e sorriu com a execução perfeita. Nem uma única nota fora do lugar.
Tinha perdido a noção do tempo, e levantou-se para andar um pouco.
Assim que virou para trás, deu de cara com Potter, o observando com um olhar curioso.
O sangue de Draco ferveu. Ele pensava que estava sozinho ou não teria dado mais uma oportunidade para que mais uma vez, exatamente como no banheiro da escola, Potter o encontrasse em um momento íntimo. Algo que ele não queria partilhar com ninguém, muito menos com A Esperança Adolescente do Mundo Bruxo.
- O que faz aqui, Potter? – o loiro perguntou, em voz baixa, mas transbordando de raiva.
- A última vez que eu conferi, Malfoy, eu morava aqui. Por acaso essa é a minha casa.
Draco apenas o observou. Tinha estado tão despreocupado enquanto estava ao piano. Por que Potter tinha esse imã para estragar qualquer coisa de bom que acontecesse na vida dele?
- Ótimo. – disse o loiro, indo em direção à porta. Mas Harry estava bem na frente dela e não se moveu, apenas encarou Draco.
- Você toca piano muito bem.
- Obrigado. – respondeu o loiro, contrariado – Pode sair da minha frente agora?
- Não sabia que tinha talentos artísticos, Malfoy. – Draco olhou para cima, controlando a irritação e jogou os braços no ar, exasperado.
- O que é que você quer, Potter? – perguntou, soando aborrecido.
- Conversar. – respondeu Harry. E era a verdade. Ele sentia seus sentimentos a respeito de Malfoy ficarem cada vez mais confusos. A vida dele não deveria ser nada fácil. E, apesar de ainda não gostar do loiro, sentia uma vontade quase involuntária de ajudá-lo.
Malfoy era tão sozinho. Harry às vezes pensava em como seria sua vida sem os seus amigos e simplesmente não conseguia nem suportar o pensamento. Eles eram tudo para Harry.
E Malfoy não tinha amigos.
Não que ele merecesse algum, mas, ele já não era mais um Comensal, queria se afastar dali; talvez, com a abordagem certa, Malfoy não teria conserto?
- Para quê? – perguntou Draco, parecendo abismado.
- Por que não? – indagou Harry, dando de ombros – Não tem mais ninguém em casa, se não conversarmos nós, teremos que falar com os elfos. E apesar de eu gostar muito do Dobby, conversa não é algo que ele saiba manter muito bem.
Draco o encarou com desprezo. Entendeu, na hora, o que Potter estava tentando fazer.
- Ora, ora, ora. Harry Potter, o defensor da bondade e pilar da retidão moral, querendo conversar com um ex-Comensal da morte? Que atitude nobre! Que personalidade maravilhosa, não Potter? Com essa capacidade ilimitada de perdoar os que erram. Só deixe-me esclarecer uma coisa, Potter: eu não quero perdão. Não me importo com nada do que vocês fazem. E se acha que por me tratar bem, vão ter algum espião ou algo assim, esqueça. Eu não quero amigos, Potter. Eu não preciso deles.
- O que você quer dizer, Malfoy? Mais um espião?
- É, Potter, eu já entendi seu jogo. Vai tentar me tratar bem e me fazer confiar em vocês e então vão me pedir para voltar a ser Comensal e espionar. Pois bem, eu não vou fazer isso. Não me interessa quão bem vocês me tratem, eu estou fora. Eu não sou contra o que está certo. E eu não apóio o que está errado. Eu só estou fazendo o meu caminho e eu vou embora. E não dou a mínima para quem de vocês vai vencer essa guerra. Então nem desperdice seu tempo tentando ser amigável Potter, nada vai me fazer mudar de idéia.
Harry analisava Draco e de repente sentiu um sentimento sufocar a raiva que ele vinha sentindo desde que o loiro havia chegado ali. Pena. Muita, muita, pena daquela criatura solitária que não entendia nem mesmo que alguém pudesse querer conversar com outra pessoa sem interesses escusos por trás disso.
- Eu não estou tentando te comprar para nosso lado, Malfoy.
Draco fez um som de descrença e virou de costas para o moreno. Harry o olhou de cima a baixo e balançou a cabeça, com um sorriso triste no rosto.
- Mas eu sinto tanta pena de você, Malfoy. Tanta.
Draco voltou-se para Potter novamente.
- O quê? – perguntou numa voz que era quase um sussurro de tão baixa, mas mesmo assim ameaçadora.
- Isso mesmo, pena. Que tipo de pessoa você se tornou, Malfoy? Que tipo de gente te criou assim? Eu não conheci meus pais e fui criado com o que há de pior no mundo e mesmo assim, eles não me causaram tanto dano quanto alguém causou a você. Você é tão sozinho, Malfoy. Nunca deixa ninguém se aproximar. Eu ofereci uma conversa e você acha que por trás disso tem interesses próprios. Por que teria? Você não vale uma conversa? Você diz se ter em tão alta conta, com esse ar frio e essa arrogância, é tudo fachada? Nada do que você diz a seu respeito é verdadeiro? De que adianta ter sangue-puro e não ter ninguém que te apóie? Você é patético Malfoy. É a criatura mais digna de pena que eu jamais conheci. Tão cheio de crenças absurdas; esse jeito de que é melhor que o resto da humanidade e essa fala arrastada como se não precisasse desperdiçar seu tempo com os reles mortais. Você é frio, Malfoy. E o pior de tudo é que gosta disso. Vai estar sempre sozinho, e isso é tão triste que eu tenho pena de você desde agora, porque nunca vai saber como é se sentir bem por estar ao lado de alguém em quem confiar e que confie em você. Você é tão fraco que não permite que ninguém se aproxime para que não explorem suas fraquezas. Diz que não precisa de amigos, mas nunca teve um para saber se precisaria deles ou não. Eu tenho pena de você. Já senti raiva e ódio, mas você não é digno nem mesmo desses sentimentos. Porque você só é digno de pena.
Draco ficou encarando Harry e viu que as palavras do outro não saíam com raiva, mas com condescendência, em um tom baixo, expressando um pouco de tristeza. Como se fosse algo que ele tivesse acabado de constatar, e que realmente lhe deixasse triste.
E Draco não sabia o que responder. Simplesmente não sabia. Porque não conseguia perceber quanto daquilo era apenas bobagem sentimental típica dos Grifinórios...
E quanto daquilo era verdade. Harry apenas o encarou mais uma vez e deu as costas saindo da sala e fechando a porta atrás de si. Deixando para trás um Malfoy completamente perplexo.
X-X-X
Dias se passaram e nem Malfoy ou Harry mencionaram aquela conversa. Draco ainda não sabia direito o que pensar. A cada vez que relembrava as palavras do moreno chegava a uma conclusão diferente, então havia decido fingir que nada daquilo acontecera.
Harry não queria trazer o assunto à tona mais uma vez. Achava que havia ido longe demais.
Os interrogatórios continuavam a cada momento livre que os membros da Ordem dispunham. E, quando haviam colhido dados suficientes, e já tinham certeza que a fuga de Draco não era apenas um plano para que ele se infiltrasse na Ordem, começaram a trabalhar em uma maneira de tirar Narcissa e Draco do alcance de Voldemort.
Mas primeiro, tinham que tirar Narcissa da mansão Malfoy. Por mais que o loiro não gostasse de admitir, a idéia de Hermione era a que eles tentariam levar a cabo. Retirar Narcissa Malfoy da Mansão como se fosse um seqüestro. Não avisariam nem mesmo a ela, esperariam o dia em que seus espiões entre os Comensais avisassem que Lucius estaria longe de Londres e a removeriam do lugar.
Draco não gostava muito desse plano, mas se era o que eles tinham... E havia muitas chances de que desse certo. Ele havia morado naquela casa a vida toda, conhecia cada palmo e cada segredo do lugar, não teriam problemas em entrar ou sair.
E duvidava que seu pai tivesse alterado algum dos feitiços de segurança. Lucius jamais imaginaria que ele os estivesse traindo. Draco havia desaparecido em uma missão. Simplesmente não voltara. A maioria dos Comensais julgava que ele estava morto. Ele esperava que seu pai pensasse o mesmo.
Mas isso levava a algo que ele não queria, que era se envolver pessoalmente na missão.
Uma vez que ele estivesse lá, se fossem pegos, adeus às chances de fingir que era tudo um seqüestro. Lucius saberia de tudo na hora em que o visse. Sabia melhor do que ninguém que a esposa e o filho compartilhavam uma aversão imensa à idéia de se tornarem Comensais e que só haviam feito isso para permanecerem vivos.
Foi uma tarde ensolarada de quarta-feira que decidiram quando colocar seu plano em ação. Na madrugada de domingo invadiriam a mansão Malfoy, sem terem certeza de que Lucius não estaria lá. Não que ele pudesse ficar residindo na Mansão Malfoy, mas ele aparecia com freqüência suficiente para que fosse provável que estivesse por perto o dia em que tentariam tirar sua mulher e filho do país.
Por isso escolheram o domingo, que, segundo Malfoy, era o dia em que o Lord preferia fazer suas reuniões, e as chances de Lucius estar na mansão eram bastante reduzidas.
A missão não exigiria muito esforço, pelo menos não na primeira parte. Narcissa não reagiria, nem se negaria a ir com eles.
Era apenas uma questão de irem com uma escolta forte o suficiente para parecer um seqüestro e para que nada os atrasasse.
A verdadeira dificuldade residia em desaparecer com os dois Malfoy depois que deixassem a mansão. Para isso, um forte esquema havia sido preparado. Mãe e filho partiriam para Áustria, na noite de domingo, e teriam que trocar seus nomes. Desapareceriam com todos os recursos de proteção que a Ordem tinha a seu dispor.
Draco ficava mais nervoso a cada dia que passava. As sensações de alívio por se ver livre daquilo tudo; medo, por se envolver em algo tão arriscado, e excitação pelo dia em que tudo isso se tornaria possível cresciam dentro dele, o deixando irritadiço e propenso a ataques ferinos e sarcásticos quando provocado, ou mesmo quando alguém lhe dirigia a palavra.
Às vezes desaparecia por horas e a maioria pensava que ele estava em seu quarto, mas Harry tinha certeza que o loiro se escondia na sala do piano, com um feitiço silenciador.
E tinha razão.
Era lá que Draco passava grande parte do seu tempo livre, o que era muito. E foi lá que Harry o encontrou, às três horas da manhã do domingo. Sentado ao piano, tocando a mesma música, parecendo muito pálido e nervoso, mesmo por trás de sua máscara de irritação ao ver Harry destrancar a porta com um feitiço.
- Você realmente deveria dormir, Malfoy. Não vai estar exatamente ajudando se dormir no meio da missão ou algo assim. – o moreno disse, sentando-se na única poltrona da sala, que ficava perto da porta, de maneira que quem estivesse ao piano ficava de costas para ela.
- E por que você não está dormindo em vez de estar aqui me incomodando, Potter? – o loiro perguntou, entretanto, sem a mesma força na irritação de sempre. Não queria admitir, mas não conseguia dormir e nem o piano estava lhe ajudando a relaxar.
- Por que não gosto de saber que alguém está andando por essa casa a noite toda enquanto eu durmo. Isso me deixa nervoso. – ele respondeu, pensativo e em voz baixa.
Draco virou-se no banco onde estava sentado e encarou o moreno. O que será que motivava aquela pessoa a fazer o que ele fazia? Arriscar o pescoço para ajudar qualquer um. Acordar às três da manhã para fazer companhia a uma pessoa que era seu inimigo declarado. Como podiam existir pessoas assim, tão desprendidas de si próprias, para quem qualquer um era mais importante do que ele mesmo?
- Eu não vou atacar ninguém enquanto dorme, sabe, Potter? Vocês são minha única chance de escapar daqui e eu não pretendo desperdiçá-la. – ele disse sério.
- Não foi isso que eu quis dizer, Malfoy. – Harry começou a se explicar, com um pouco de irritação, quando notou um sorriso aparecer nos lábios de Malfoy. Um sorriso diferente, não era frio, ou arrogante, ou malicioso, era divertido. Malfoy tinha feito uma brincadeira. Com Harry Potter. "Nossa", Harry pensou, "isso é estranho". E então sorriu.
- Mas nunca dá para saber o que se esperar de um Sonserino. Olhe só você, por exemplo, quem diria que você sabe tocar piano?
Draco suspirou e olhou para as teclas atrás de si, o sorriso se desfazendo no mesmo instante.
- Minha mãe quis que eu aprendesse. Teve que me forçar a ir às primeiras aulas, mas depois eu ia por prazer. Tocar piano é maravilhoso. É uma das poucas maneiras que eu me sinto livre. E eu devo isso à minha mãe. É por ela que eu estou fazendo isso, sabe? Ela não merece ter de ser uma Comensal por causa das crenças absurdas do meu pai. Realmente não merece.
- Ela é... sabe, uma boa mãe? – Harry perguntou, um tanto embaraçado. Sempre tivera curiosidade para saber como seria a família Malfoy.
Draco sorriu, tristemente.
- A melhor. Meu pai também não era ruim. Pelo menos até o Lord voltar. Depois disso, ele parece meio... Obcecado. É por isso que quero ir embora.
Um silêncio perturbador desceu sobre a sala. "Eu estou discutindo minha vida familiar com Harry Potter, às três da manhã, no dia da minha fuga." Draco pensou, "se isso não é o momento mais estranho que eu tive na minha vida, eu não sei o que foi." O loiro se levantou e declarou que iria dormir. Foram os dois em direção a porta e chegaram lá juntos, estendendo a mão para a maçaneta.
Encaram-se por um breve momento, antes que Draco se apressasse e saísse da sala.
O olhar de Potter lhe deixava nervoso. Foi para seu quarto e tentou dormir, pelo menos algumas horas, tentando esquecer que percebera que Potter não estava tranqüilo ao fitar seus olhos também.
Foi acordado duas horas depois por Kreacher. Dispensou o elfo com uma ordem rude e começou a se vestir. Sentia-se exausto e com uma sensação estranha, um frio o estômago, excitação e medo, alívio e hesitação, tudo junto.
Foi para a cozinha aonde os outros que iriam para a mansão com ele já estavam esperando.
Potter, Weasley, Lupin e um outro homem negro e alto, que ele não conhecia, mas que pensava já ter visto no Ministério, eram os que o acompanhariam. Granger também iria, apesar dos protestos do namorado.
Às cinco e meia todos já estavam prontos para aparatar no jardim da frente da mansão Malfoy, o único lugar em que a aparatação era possível.
O lugar havia sido estudado e observado, mas mesmo assim, quando se viu em frente à casa onde Malfoy havia crescido, Harry pensou conseguir entender um pouco melhor toda a personalidade do garoto.
O lugar era enorme. No ar frio e ainda orvalhado da manhã, a visão da casa parecia intimidadora, mas, ainda assim, belíssima. Seguiram Malfoy em silêncio enquanto ele traçava um caminho obviamente conhecido pelas muitas árvores e flores do jardim. Draco ia à frente murmurando pequenos contra-feitiços ou evitando as armadilhas que ele sabia que havia no caminho.
Entraram na casa pela porta dos fundos, sem querer chamar a atenção mais do que necessário. Narcissa costumava acordar cedo. Uma das razões pelas quais tinham decidido resgatá-la de madrugada. As chances eram de que estivesse sozinha.
Mal chegaram a entrar todos, no entanto, quando uma mulher muito loura e pálida surgiu na entrada da cozinha. Varinha em punho e um olhar que expressava claramente medo.
Quando reconheceu Draco em meio àquelas pessoas, em sua maioria desconhecida, a loura não conteve-se e desfez-se em lágrimas, lançando-se ao pescoço do filho e murmurando diversas coisas ininteligíveis, mas que entre as quais se reconhecia "ah, está bem" e "isso é loucura".
- Mãe. – disse Draco afastando-se um pouco para fazer Narcissa olhar em seus olhos. – Mãe, eu estou bem, ok? – ele afirmou, encarando-a de maneira reconfortante. Sentia o ódio crescer em seu peito como nunca.
Ela não era assim, nunca havia sido. Ela era fria, calma, controlada, sempre. Mas aquela situação estava acabando com ela. Aquela guerra estava acabando. Lucius Malfoy a estava enlouquecendo junto com ele. Ela apenas acenou com a cabeça, refazendo-se aos poucos e parando de chorar, parecendo muito envergonhada ao ver a companhia do filho.
- Nós estamos aqui para levar a senhora, está bem? Pegue só o que for realmente necessário. Deixe todo o resto e vamos sair logo daqui.
Narcissa sacudiu a cabeça e respondeu num sussurro.
- Não posso, Draco. Seu pai... – ela disse hesitando, sabendo como o rapaz costumava reagir ultimamente a simples menção de seu pai.
- O que tem ele?
- Ele está aqui. Com outros três. Eles pensam que você está morto, Draco. Seu pai fala nisso o tempo todo. Como você morreu em missão e era um filho maravilhoso. Se ele te ver aqui, vivo, com eles – ela disse, com um olhar de lado para os integrantes da Ordem – ele... Eu não sei o que ele é capaz de fazer.
- É a nossa única chance, mãe. É hoje ou nunca mais. Precisamos ir. Agora.
- Você vai, Draco. Você tem uma chance. Eu posso ficar. Eu agüento, você sabe disso. – repentinamente, ela pareceu voltar a ser a mulher imponente que todos estavam acostumados, levantando-se da cadeira onde havia se jogado – você vai voltar com eles. E vai embora.
Harry percebeu os olhares trocados por King e Lupin. Se Lucius Malfoy estava na casa, era uma chance quase única de conseguirem pegá-lo.
- A prioridade aqui, hoje, é resgatar a Sra. Malfoy e fazer com que ela e o filho cheguem em segurança ao esconderijo. – ele disse, num tom de voz firme, que surpreendeu Draco. – É o nosso único objetivo. – completou, olhando significativamente para os dois.
- A prioridade é salvar meu filho, Potter. Agora vão, antes que seja tarde.
- Tarde? – indagou uma voz arrastada e calma, vindo da porta. Lucius Malfoy estava ali, frio e imperturbável, mas com os olhos faiscando de súbita revolta, ladeado por Nott, Rookwood e Dolohov, que haviam fugido da prisão junto com ele – Então meu filho volta dos mortos em tão boa companhia e é tarde para que ele fique e aprecie a companhia do próprio pai?
Draco não pensou realmente para agir. Sentia tanta raiva, tanto ódio, tanto desprezo, que pela primeira vez na vida, não mediu as conseqüências do que iria fazer. Apenas puxou sua varinha e tentou enfeitiçar seu próprio pai, com uma maldição imperdoável.
Não conseguira usá-la contra Dumbledore, mas contra ele, conseguiria, tinha certeza disso.
Os membros da Ordem também agiram rápido. Puxando também suas varinhas, iniciaram um combate com os outros três, que pareciam ter como objetivo espalhá-los, e não eliminá-los.
Lucius envolveu-se em um escudo que feitiços comuns não eram capazes de quebrar. A maldição de Draco o errou por pouco. Logo, se viram de volta aos jardins, os membros da Ordem sem saber como agir, pois entre eles e os Comensais estavam Draco e Narcissa, então acabaram por apenas se defender dos feitiços lançados, não ousando enfeitiçá-los para não correrem o risco de atingir mãe e filho.
Draco encarava o pai de frente e não prestava atenção em mais nada. Queria tanto poder acabar com ele naquele exato momento.
E, no entanto, Narcissa mantinha-se entre eles, como se soubesse o que ia à cabeça do filho. E do seu marido.
- Lucius – ela disse tentativamente.
- Fique fora disso, Narcissa. Esse pirralho, traidor, precisa aprender uma lição.
- Você que precisa aprender uma lição! – urrou Draco em resposta, tentando mais uma vez amaldiçoar o pai, fazendo um jato verde faiscar de sua varinha, fazendo com que Lucius apenas sorrisse desdenhoso, parecendo fora de si, quando o rapaz errou o alvo mais uma vez.
- Então tente, Draco, tente. Eu achei que você era só incompetente, não conseguia matar um velho a beira da morte, e depois eu pensei que tivesse sido morto em uma missão simples. Mas agora eu vejo que, além disso, você também é burro, garoto. Escolheu o lado errado. Meu filho você não é mais. – e apontou sua varinha para Draco, fazendo com que Narcissa se colocasse na frente do filho.
- Saia daí, Narcissa. Agora. – Lucius ordenou, o ódio transparecendo a cada sílaba e ele parecendo ainda mais fora si.
- A culpa não é dele, Lucius. Eu o mandei procurar a Ordem. Eu elaborei plano. Eu queria ir embora, ele apenas me ajudou.
O ódio que Lucius sentia pareceu redobrar.
- Então eu estou cercado de traidores? É isso? Minha família toda está contra mim? – a voz fria não mais escondia totalmente o ódio que sentia - Sabe o que isso quer dizer, Narcissa? Que vocês não são mais família. Apenas o Lord é.
- O Lord é um fraco, Lucius. E você também, por acreditar tanto nele. – Narcissa declarou, com voz desdenhosa, levantando o queixo e encarando-o friamente. Queria apenas mantê-lo falando, para que não ferisse seu filho – Sabe aonde ele vai chegar, Lucius? A lugar algum. Um mero adolescente, praticamente desprovido de talentos, vai dar um fim à ascensão dele, e se você não parar de agir tão estupidamente, vai cair junto. Nunca imaginei que fraqueza fosse um mal que lhe acometesse, Lucius. É decepcionante.
Draco tentava tirar a mãe de sua frente, mas não conseguia. A fúria que Lucius parecia conter tornava-se cada vez mais evidente a cada palavra que sua esposa dizia. Ela estava atingindo-o fundo, por agredir o Lord, e isso ele não poderia permitir. Eram todos traidores, mereciam morrer.
Sem hesitar nem por um segundo, Lucius lançou a maldição da morte contra a própria esposa, frio como sempre. Apenas vendo o corpo dela cair.
Draco não conseguiu reagir imediatamente. Ele não tinha feito isso. Ele não poderia ter feito.
Viu o corpo de Narcissa cair em câmera lenta a sua frente e então não teve consciência de mais nada.
Estava em choque. Não viu quando Lupin e os outros finalmente conseguiram encurralar os três Comensais, e quando Harry imobilizou Lucius, segundos depois de ele ter matado a própria esposa na frente do único filho.
Só conseguiu levantar o olhar horrorizado do rosto da mãe, quando ouviu Granger chamar seu nome, muito próximo dele e tentar confortá-lo de alguma maneira, mas ele não conseguia entender o que estava sendo dito.
Harry aproximou-se e tocou seu ombro, fazendo com que o loiro se levantasse de onde estava ajoelhado ao lado do corpo da mãe. O moreno não disse nada, apenas encarou os olhos cinza de Draco e o loiro pareceu voltar um pouco mais para a terra.
Ele não tinha condições de aparatar. Sentiu-se ser conduzido por Potter até Grimmauld Place e lá subiu diretamente para seu quarto. Não queria saber o que iriam dizer. Ou fazer. Ou como deveria agir. Queria ficar sozinho.
Trancou a porta atrás de si e vagou pelo quarto alguns momentos, sem saber realmente o que fazer. Sentia-se perdido, não sabia o que esperar, ou o que sentir. Encarou-se no espelho e sentiu raiva de si mesmo.
Fitando seus olhos, via que havia algumas lágrimas lutando para sair deles. "Homens de verdade não choram", era o que seu pai costumava dizer. E homens de verdade faziam o quê? Matavam as pessoas que deveriam cuidar e proteger?
Lucius sempre havia sido um modelo para ele. E agora ele não tinha mais nada. A primeira lágrima escorreu, e a raiva ainda queimava. Era tanta e tão grande e tão intensa, que Draco viu o espelho onde estava refletido repentinamente começar a tremer e um segundo depois, partir-se em diversos pedaços.
Deu as costas para ele e fitou a janela. O sol nascia avermelhado no horizonte. E a culpa o consumia de uma maneira que ele não julgava ser possível. Sua mãe estava morta.
Seu pai tinha perdido as últimas linhas que o ligavam à realidade e era tudo culpa dele. Tudo. Sentiu aquele sentimento inundá-lo e decidiu sucumbir.
Deixou-se escorregar pela parede, ainda fitando o nascer do sol, e ser consumido pela culpa.
Sentiria intensamente. Mas sentiria uma vez só.
X-X-X
Já era quase noite quando Malfoy desceu e foi direto para a sala de música. Sabia que encontraria Potter lá. Simplesmente sabia. O moreno viu Draco entrar e tentou decidir o que tentaria dizer. Não pensava que o loiro fosse aceitar as condolências ou algo assim. Esperou que ele falasse primeiro para então decidir como agir.
- Que horas eu vou? – ele perguntou, com voz firme, embora rouca, o que deixava ainda mais claro, além de seus olhos, que ele havia gastado muito tempo chorando.
- Hum... – Harry hesitou, - às nove. Tudo vai estar pronto às nove. Você vai por chave do portal não-rastreável. Ninguém vai saber onde você vai estar além da pessoa que enfeitiçar a chave.
- E quem vai ser essa pessoa? – ele perguntou desconfiado.
- Eu. – o moreno disse, com simplicidade. O silêncio instalou-se por alguns segundos – Ninguém vai tentar lhe procurar. Todos vão pensar que você está morto, essa notícia vai vazar para os jornais amanhã. Assim como o que aconteceu com sua mãe e a nova prisão de seu pai. Embora eu não ache que ele vá ficar em Azkaban. Houve médicos que nos informaram que ele não está em seu juízo perfeito.
Draco deu um sorriso de satisfação.
- Espero que ele seja atormentado até o último dia de sua vida.
Um silêncio um pouco mais longo.
- Você vai mesmo embora? – indagou o moreno. – Depois de tudo pensamos que você poderia ficar e... Ajudar. – ele concluiu, sentindo-se bobo no momento em que disse as palavras.
- A única pessoa, durante toda a minha vida, que eu tentei ajudar, Potter, está morta. Eu já escolhi meu caminho, independente do que você pense ou pretenda fazer a partir de agora. E não me arrependo disso. E a partir de agora, eu sigo sozinho.
E, dizendo isso, deixou a sala, silencioso e triste. Distante. Mais distante de todos eles do que jamais estivera. E foi assim que continuou, mesmo com outro nome, em outro país, com outras pessoas e outra identidade. Ele continuou sozinho. Toujours Seul.
Na:
Então, essa foi a primeira parte. Não se decepcionem, haverá ação entre os mocinhos na próxima parte, que virá logo, e com certeza, mais rápido se houver Reviews! Então, review e façam uma doida mais feliz!
Bjs!
