POV Milo
Eu estava em casa assistindo a minha novela, vale a pena ver de novo: ADORO! Essa Catarina brigando com o Petruchio me faz morrer de rir. Estava tranquilo e feliz com meu bade de pipoca na mão, quando tudo foi para os ares com o susto que tomei.
Camus entrou na sala batendo a porta e gritando, quase me matou do coração. O que deu nele para agir daquele jeito? Franzi o cenho e olhei para ele com as duas mãos na cintura, como quem exige uma satisfação.
– Eu hein! O que é isso?
– O que é isso? O que é isso? EU QUE PERGUNTO O QUE É ISSO?! – Ele gritou jogando uma papelada enorme na mesinha de centro, onde anteriormente eu apoiava os meus pés.
– Que papéis são esses?
– MILO, MILO! – Camus disse levando as duas mãos à sua cabeça como quem procura calma em algum lugar – MILO, COMO VOCÊ PÔDE GASTAR DESSA MANEIRA? VOCÊ USOU TODAS AS NOSAS RESERVAS!
Eu finalmente entendi qual era o tópico da crise histérica do urso polar, mas não entendia como eu podia ter gasto tudo que tínhamos. Ou melhor, tudo que ele tinha, eu nunca fui bom em guardar dinheiro mesmo.
– MILO, VOCÊ...
Ouvimos um barulho e olhamos para o corredor, eram Hyoga e Isaac saindo de seus quartos para ver da onde saia toda aquela gritaria. Camus olhou os filhos com aqueles rostinhos preocupados com nossa briga e tentou abaixar o tom de voz e se acalmar.
– Meninos, voltem pros seus deveres. Eu e Milo vamos sair para conversar.
Ele disse extremamente contido, respirando profundamente, a fim de demonstrar às crianças que não tinham nada com o que se preocupar. Isaac logo virou as costas e voltou para o seu quarto, sem demonstrar nenhuma preocupação com a situação.
Já o Oga andou até a sala nos olhando extremamente preocupado, ele de fato tinha algum fundamento, porque com certeza jamais havia presenciado uma briga nossa. E ele bonhecia bem o Camyu bravo.
– Mestre, não seria melhor vocês dois ficarem aqui em casa, o senhor está muito nervoso. Eu posso fazer um chá e então conversamos...
Eu acenei positivamente de maneira frenética para a ideia do meu pato salvador. Seria o ideal, sempre que Camus esfria a cabeça as coisas correm melhor para todos. Eu abracei meu cisne branco e sorri para meu noivo.
– Isso amor, um chá me parece uma ótima ideia.
Camus, olhou friamente para mim e cuspiu uma resposta seca para Hyoga que tanto tentava ajudar.
– Filho, não se preocupe, está tudo bem entre nós. Porém, precisamos discutir questões financeiras. Vamos sair.
Ele me pegou pelo braço e saiu me arrastando enquanto deixávamos para trás um Hyoga extremamente preocupado conosco e, me arrisco a dizer, comigo. Se eu não estivesse tão desesperado com Camus, com certeza acharia graça da situação – pela primeira vez em tanto tempo, o pato que tentava salvar minha pele e não eu a dele.
Andamos até a nossa planície, aquela do nosso primeiro beijo e do pedido de casamento. Ah, aquele lugar tinha história e, mesmo naquela situação, eram impossível evitar um sorriso nostálgico.
– MILO!
– Calma amorzinho, nós podemos dar um jeito...
– MILO, COMO VOCÊ PODE SER TÃO INCONSEQUENTE?!
– Nós vamos juntar dinheiro novamente e ter alguma reserva para emergências...
– RESERVA?! NÓS ESTAMOS DEVENDO EM TODOS OS QUATRO BANCOS NOS QUAIS TEMOS CONTA! DEVENDO! VOCÊ TEM IDEIA DE QUANTO? EU VOU PRECISAR TRABALHAR MAIS DE UM ANO PARA COBRIR TODAS AS DÍVIDAS E JUROS!
– Calma Camyu...
Camus deu uma volta em si mesmo com as mãos no rosto, tentando a todo o custo se controlar e parar de gritar. Eu tinha certeza disso porque o conhecia bem e, mesmo que ninguém estivesse ouvindo, ele odiava aquele tipo de ceninha.
– Milo, me explica, COMO EU POSSO FICAR CALMO?
– Aaaaah, mas não é para tanto também né? – Eu disse começando a me irritar.
– COMO NÃO É PARA TANTO? TEMOS DOIS FILHOS PARA CRIAR! UMA CASA PARA MANTER! COMO NÃO É PARA TANTO?
Pronto, a gritaria voltou. Eu entendia que ele estava nervoso, mas eutambpem tinha direito ao meu casamento.
– Olha aqui, eu que não ia me casar numa cerimônia chinfrim também!
– Mas precisava fazer o casamento da realeza? Precisava?
– Não exagere, Camyu!
Na hora ele retomou a papelada e começou a recitar os gastos.
– SENTENTA MIL COM A BANDA E O DJ.
– Eles são os melhores, o preço é esse. Ah, e não foi apenas o preço para o casamento, foi do chá-de-panela também.
– CENTO E OITENTA MIL COM O BUFFET.
– Sim, são mais de mil convidados não é?
– MAIS DE MIL CONVIDADOS? COMO PODEMOS TER MAIS DE MIL CONVIDADOS?
– Bom, conhecemos muita gente.
– NÃO, NÃO CONHECEMOS NÃO! E COMO VOCÊ ME GASTA CENTO E NOVENTA E CINCO MIL REAIS DE DECORAÇÃO DO SALÃO E MAIS TRINTA MIL REAIS DE ALUGUEL DO SALÃO, ME DIZ!
– Eu não vou ficar me explicando...
– AH, MAS VOCÊ VAI SE EXPLICAR SIM! E COMO ALGUÉM PODE GASTAR QUASE QUARENTA MIL DE ILUMINAÇÃO?
Camus continuou recitando os gastos ininterruptamente, até proferir o gasto total final. Eu havia gasto mais de um milhão e meio de reais na festa. Sim, eu havia exagerado, a gente não tinha todo aquele dinheiro nem de longe. O problema é que pensei nos gastos separados e não em conjunto.
– Eu não sabia que tinha dado tudo isso...
– VOCÊ NÃO SABE SOMAR, MILO?
– Você pode, por favor, ficar calmo. Deve ter algo que possamos fazer.
Camus quando viu que eu entendi a situação, respirou fundo.
– Sim, vamos cancelar tudo e conseguir ao menos a devolução de parte do dinheiro. Vai cobrir o rombo do negativo e podemos nos focar em guardar boa parte do que ganharmos nos próximos meses, assim, apertamos os cintos e fazemos uma poupancinha novamente e...
– O QUE? – Foi a minha vez de começar a gritar. – VOCÊ QUER QUE EU CANCELE O CASAMENTO?
– Não Milo, nós vamos nos casar. Quero eu cancele essa festa descomunal. Fazemos uma recepção simples sem muitos luxos.
– AH, ENTÃO QUEM SE FERRA SOU EU?
– Milo, se você tivesse gasto de maneira ponderada, isso não teria acontecido.
– PORQUE VOCÊ NÃO FALOU ANTES?
– Milo, eu falei MIL VEZES. E VOCÊ ESCONDEU OS GASTOS DE MIM, FEZ TRANSFERENCIAS ENTRE CONTAS QUE EU NÃO TINHA ACESSO, VOCÊ APRONTOU DEMAIS MILO!
Eu o olhei desafiador, com os braços cruzados. Adorava quando brigávamos assim e ele brigava comigo, sempre terminava em sexo selvagem naquela planície. Camus deve ter natado meu olhar safado e logo disse.
– Você sabe muito bem o que está merecendo. – Ele disse, fazendo uma pausa para pensar, eu acho. Logo me arrepiei todo, da cabeça aos pés, como se um choque de adrenalina passasse por todo o meu corpo. – Mas isso não foi brincadeira ou desculpa para o tipo de sexo que você está merecendo, o que você fez foi muito sério e estamos comprometidos.
Ele disse, abandonando aquela postura dura e se sentando na nossa árvore, ele estava realmente preocupado. Eu olhei a cena, eu precisava ser maduro, não éramos mais adolescentes.
Eu caminhei até ele e me sentei ao seu lado, respirando profundamente. Peguei na sua mão com carinho, apesar dele não movimentar um músculo para retribuir meu gesto de amor.
– Tudo bem, Camyu, tudo bem.
Camus abriu os olhos sem acreditar no que eu estava falando, era nítido que ele achou que eu não cederia. Bom, na verdade nem eu acreditava que estava abrindo mão da festa dos meus sonhos.
O francês segurou meu rosto e me deu um demorado beijo, eu mal podia acreditar que já estávamos nos beijando, depois de tantos gritos. Ele, então, parou e olhou para mim.
– Nós vamos tentar fazer algo bonitinho para você, mas o que importa é estarmos juntos.
– Tudo bem...
– Milo, eu nunca esperei uma reação tão madura da sua parte.
– É, a gente cresce não é?
Eu disse me levantando. A realidade é que a paternidade havia me feito muito bem, mas isso não acabava com minha raiva por perder minha festa.
– Mas sua atitude madura agora não apaga a criancice de gastar como se não houvesse amanhã que você fez! – Ele me olhou bravo, ralhando, eu então sorri e abracei sua cintura.
– E o que você vai fazer hein? – Perguntei fazendo bico com meu teatrinho.
– Vamos conversar mais tarde, mocinho – Ele disse me puxando, divertindo-se da situação.
Saímos, e ele me fez prometer que eu não gastaria mais um centavo sequer sem falar com ele e que deixaria toda a recepção a seu cargo dali para frente. Eu estava chateado com tudo aquilo, mas também não ia terminar o noivado por causa da festa.
De fato, olhando bem, eu havia exagerado. Temos os estudos de Hyoga e Isaac para pagar, roupas, viagens, seguro-saúde, contas da casa, dos carros. Tanto eu quanto Milo ganhávamos bem, ele muito mais porque cumulava outras funções em universidades e empresas.
Bom, pelo bem da nossa família e só por isso, eu abriria mão. Mas isso não quer dizer que eu não jogaria isso na cara dele pela eternidade. E também não quer dizer que eu não ficaria mal-humorado com a situação.
