Quando Lily entrou no quarto, Harry ainda estava acordado. Sentado em cima da cama, o seu olhar estava diretamente para a janela. Ela aproximou-se silenciosamente, aproveitando a falta de atenção do filho. Assim que pôs o joelho na cama, e agarrou-o pelas costas, Harry assustou-se, dando um grito fino, e Lily apenas pôde rir, abraçando-o.
— Mãe! — a criança reclamou.
James surgiu no quarto um segundo depois, a varinha em mãos, tão assustado quanto o filho tinha ficado.
— Para a cama, Harry! — disse Lily, levantando-se.
— Eu não consigo dormir — ele reclamou.
O dia seguinte era 1º de Setembro, e seria a primeira vez que Harry embarcaria no Expresso de Hogwarts. A primeira de sete vezes, e Lily não podia sentir-se mais triste por isso. Depois de onze anos, era muito estranho ter a casa vazia.
— Então... Vamos contar uma história — sugeriu James, jogando o edredom em cima de Harry, fazendo-o rir, enquanto afastava o tecido de cima de si.
— Pai! Eu já tenho onze anos! — reclamou Harry, cruzando os braços.
— Que pena! Vou contar para a sua mãe, então — James abraçou-a por trás, e ela precisou conter a risada, embora estivesse curiosa.
Os dois ameaçaram ir embora, mas Harry não demorou a manifestar-se, provando que a sua curiosidade era igual à da mãe:
— Que história?
James levantou uma sobrancelha, olhando para o filho, que não demorou a corar.
— É que você já me contou todas as histórias! — ele defendeu-se.
— Ah! Mas essa é diferente — James voltou a aproximar-se da cama de Harry, enquanto Lily permanecia à porta, não querendo interromper aquele momento — É de um cervo.
— Um cervo? — perguntou Harry, curioso por um animal tão diferente do usual das histórias.
— Sim! — o seu pai sentou-se a um canto da cama, e Harry ajeitou-se para escutar — Esse cervo amava passar as noites com os seus amigos. Um cão, um lobo e um rato.
— Rato? — Harry fez uma careta.
— Ele era pequeno, podia entrar pelos menores cantos, alcançava o que os outros não conseguiam — explicou James — O lobo era descontrolado, mas sempre acalmava-se perto de seus amigos. O cão guiava a todos, farejando o caminho.
— E o cervo? — a criança perguntou, entretida na história.
— Ele unia a todos — ele disse — Eles eram os melhores amigos, divertiam-se muito na floresta, até o dia em que o cervo começou a sentir falta de alguma coisa na sua vida. Apesar de caminhar muito com o cão, o lobo e o rato, ele tinha uma família. Primos, tios... Todos cervos, e todos tinham uma parceira.
Lily esperava que, chegando esse momento da história, o filho fizesse alguma careta, mas ele continuou escutando, e ela pôde perceber os seus olhos começando a pesar.
— Um dia, quando estavam caminhando, ele viu uma linda corça, só que ela era diferente de todas as outras — James continuou a narrar — Ela não gostava de ficar em bandos, como as outras, ela era reservada em seu canto. Quando aproximou-se dela, ela foi arisca.
Lily levantou as sobrancelhas, apesar de saber que ele não podia vê-la.
— O cervo ficou muito triste com isso — dessa vez, Lily precisou colocar a mão na boca para conter a gargalhada pela cara de pau do marido — Até o dia em que ele desistiu.
— Desistiu? — perguntou Harry, indignado.
— Boa noite, Harry — disse James, contendo a risada.
— Ei! A história não pode acabar assim! — protestou Harry, segurando-o pelo braço — Termine de contar!
— Está bem! Está bem! — ele exclamou, fingindo-se de derrotado — Quando o cervo desistiu, a corça ficou aliviada por isso, já que ele a perturbava por muito tempo, só que, depois de um tempo, ela sentiu falta. O cervo a fazia rir, embora ela não gostasse disso.
— Cervos riem? — Harry franziu o cenho.
— Claro que riem! — disse James, ofendido — Animais têm sentimentos, assim como nós. E o cervo divertia a corça muito, mas ele tinha desistido, e ela sentiu falta. Vendo que ele estava mal, os seus amigos resolveram fazê-los se encontrar.
— Mas o cervo tinha desistido! — interrompeu novamente.
— Sim, mas a corça resolveu que era a hora de mostrar um lado seu que ninguém conhecia. Ou melhor, um lado que o cervo não conhecia, que ela não deixava-o conhecer. Ele só se apaixonou mais por ela, e descobriu que ela também tinha se apaixonado por ele.
Lily notou como Harry estava mais silencioso que o normal.
— Boa noite, Harry — disse James, novamente, mas um pouco confuso por seu silêncio.
— Pai — Harry chamou-o — Essas coisas acontecem na vida real? Você se apaixona por uma pessoa que só te afastava?
— Às vezes, Harry, as pessoas afastam umas as outras sem perceberem, — James deu de ombros — ou para se protegerem. O mundo lá fora pode ser cruel. Podemos concluir que o cervo era bem insistente, e isso incomodava. Ele deveria ter arrumado um outro jeito de se aproximar.
Harry assentiu com a cabeça, concordando com o que o pai dizia.
— Não force a barra, as pessoas não gostam — ele deu de ombros.
— Mas a corça apaixonou-se pelo cervo — disse Harry.
— Porque ele afastou-se — explicou James.
— Não entendi.
— Nem eu.
Lily, dessa vez, não conseguiu conter-se, dando uma risada baixa, o que atraiu a atenção dos dois.
— O cervo era majestoso, mas ele gostava de se exibir — Lily aproximou-se deles, dando um beijo na testa do filho — Não faça isso. Seja você mesmo.
— O cervo era ele mesmo! — protestou James.
— Seja você mesmo — ela repetiu, ignorando o que ele dizia.
— Okay — Harry sorriu, olhando de um para o outro.
— Ainda acha que é muito novo para histórias? — perguntou James, convencido.
Harry negou com a cabeça, escondendo o rosto.
— Teremos que acordar cedo amanhã — Lily retomou a palavra — É melhor dormirmos. Boa noite, Harry.
Dessa vez, ele apenas bocejou, sem impedi-los de se afastar ou protestar.
— Boa noite, mamãe — ele fechou os olhos — Boa noite, papai.
Lily esperou-o parar quieto na cama, antes de puxar James pelo braço, e sair do quarto, silenciosamente.
— Você é muito cara de pau, James Potter! — ela sussurrou, apontando o dedo em sua direção.
— Eu? — James fingiu-se de surpreso — O que eu fiz? Só contei uma história para o nosso filho!
— Que conveniente — Lily debochou.
Ela passou pelo seu lado, já que o quarto de ambos era do outro lado do corredor, mas ele pressionou-a na parede.
— A gente vai ter bastante tempo para conversar sobre o cervo e a corça, a partir de amanhã — ele sussurrou em seu ouvido.
— Não me lembre disso! — reclamou Lily, tentando disfarçar o arrepio que subiu a sua espinha — Nosso bebê está indo para Hogwarts!
— Ele já não é um bebê.
Lily olhou-o irritada, mas ele não conseguiu ter medo, achou a sua expressão frustrada bem terna.
— É sim! — ela sussurrou, antes de soltar-se e ir em direção ao quarto deles.
James olhou pela porta aberta do quarto de Harry mais uma vez, antes de ir atrás da esposa.
