Nome: Valar Dohaeris
Ship: Jaqen H'ghar e Arya Stark
Rate: M
Tipo: Romance
Nota da Autora: Minha segunda fanfic de ASOIAF. Espero que gostem. Arya pode estar um pouco OOC, mas como escrevo fanfic, já deixei de me preocupar com isso há tempos.
Atenção: Essa fanfic contém spoilers do Festim dos Corvos.
Valar Dohaeris
Estava tão quieta, tão firmemente imóvel, que nem mesmo sentia as ondulações da água de seu banho. A água já havia esfriado, o leve cheiro de jasmim entrava no nariz de Arya toda vez que ela respirava fundo, os seios pequenos movimentando-se e fazendo a água tremeluzir delicadamente. Os olhos inúteis estavam fechados, como se a garota estivesse rezando.
Anos tinham se passado desde que Arya havia pedido algo pelas preces, fosse para os Sete, para Deuses Antigos ou para o Deus de Muitas Faces.
Seu corpo frágil tremeu ligeiramente quando ela escutou barulhos de passos. Sua audição estava mais evoluída. Syrio ficaria orgulhoso, agora conseguia captar até o mais leve som, até o tom dos galhos secos rumando pela rua barrosa de Bravos. Infelizmente foi preciso pagar com o sentido que ela dava mais valor, a visão.
- Como estamos?
Uma voz aveludada chegou aos ouvidos de Arya e ela apenas assentiu com cabeça, emergindo da água. Escutou a mulher ao seu lado pegar uma toalha e estendeu os braços. Sentiu o tecido roçar na sua mão e capturou a toalha com rapidez.
Sabia que a mulher ainda estava ali. Conseguia ouvir a sua respiração ruidosa, e Arya não precisava de uma visão perfeita para saber que Sombra de Lua, uma das cortesãs mais desejadas de Bravos estava a observando.
- Você é linda. A Senhora Velada deveria esperar o tempo que fosse. Poderíamos conseguir qualquer tipo de dinheiro com a sua venda.
Aquilo fez o corpo de Arya estremecer levemente. Não de medo, mas devido ao modo como a mulher falou, como se um ser humano fosse alguma mercadoria. A garota apenas continuou calada, agora passando levemente a toalha seca e macia pelo seu corpo.
- Você tem uma hora.
Sombra de Lua falou e logo a garota escutou o som dos passos leves se distanciando. Dois minutos a mais, e estava sozinha. Respirou fundo, tomando cuidado ao sair da tina grande. Sentia a água secar em sua pele aos poucos. Gostava dessa sensação. A refrescava.
Terminou de se secar, empurrando o tecido da toalha contra os fios molhados do cabelo agora longo. Batia no final da cintura. Demoraria cerca de vinte minutos para que estivesse totalmente seco. Arya o deixaria solto, como a Senhora Velada pedira há duas noites. Dizia que cabelos longos e sedosos como o dela deveriam ficar livres, isso excitava qualquer homem e os deixavam curiosos para saber como seria tocá-los.
Arya se sentia mais uma vez uma mercadoria quando a Senhora Velada falava daquele modo e entonação. Mas depois se esquecia de tudo.
Já não estava dando tanta importância assim para os fatos que a fizeram chegar até ali. Ela só sabia que preferia estar na maior casa de prostitutas de Bravos do que estar comendo bolotas com Torta-Quente e Gendry, enquanto passava fome e andava por estradas tortuosas e cobertas de violência, com cavalos moribundos e roupas esfarrapadas.
Não que Bravos fosse imune a isso. Pelo contrário, ali era pior ao seu modo diferente de ser.
Arya não estava em Porto Feliz, a casa de prostitutas que se localizava onde o Navio dos saltimbancos ficava ancorado. Havia conhecido Drunken, Alegria e Canker quando se intitulava Gata. Eram mulheres boas, sempre a trataram bem. Mas aquilo já era parte de seu passado. Arya já não era mais a criança com múltiplos nomes e inúmeros segredos. Ela era apenas uma mulher de dezesseis anos que ainda morava em Bravos. Merry havia feito o convite a Arya para se juntar a elas quando a garota floresceu e seu par de seios aumentou, mas a Senhora Velada praticamente a roubou para si.
"Uma garota como você, e ainda donzela, deve valer muitos dragões de ouro."
Ela disse. Arya esqueceu-se de todos os ensinamentos que o Homem Gentil havia lhe proporcionado, dos momentos em que passou na casa do Preto e Branco e de tudo o que aprendeu com os acólitos e sacerdotes, esqueceu-se de como havia passado fome enquanto seguia para Correrrio com Gendry e Torta-Quente. Esqueceu-se do tempo em que ficou a serviço de Lorde Tywin e de como não deu o golpe de misericórdia em Cão de Caça. Esqueceu-se até mesmo do que Syrio havia lhe ensinado.
Os únicos que não se esquecia era sua família. Sansa e seu modo de ver Westeros como se fosse uma música cantada por um cantor da corte de cabelos ondulados e loiros. Bran e Rickon correndo pela neve em Winterfell, conseguia ouvir ainda suas risadas, como se fossem sussurros de um fantasma do passado. Lembrava-se de sua mãe e seu pai andando juntos pelo castelo, conversando de modo silencioso e sempre cúmplice. De Robb treinando com espadas de madeira com Theon e Jon, o barulho dos golpes atrapalhando as lições de letras que ela tinha com Sansa na parte da tarde. Sentia falta de tudo aquilo, sentia falta até mesmo da Velha Ama e suas histórias estranhas e fantasiosas. Se fechasse os olhos e se concentrasse, poderia até mesmo sentir os pêlos grossos de Nymeria roçarem levemente seu rosto quando a loba subia em sua cama sempre quente e macia e recostava-se perto dela para dormir.
Mas pensar nas pessoas que um dia formara sua família significava sofrimento. E Arya não queria mais sofrer. Nunca mais.
Então tratava de esquecer-se de tudo. De abdicar da parte mais feliz de sua vida. A parte em que fora uma criança de nove anos e tinha uma vida perfeita, sendo seu único problema o modo como ela costurava e bordava. Agora era uma mulher feita, alguém que não tinha nome, história, lembranças e crença. Não tinha nem mesmo a visão. Então ela se desapegava disso, soltando o passado, um pássaro selvagem que necessitada alçar vôo para alcançar a plenitude. Pois o passado era bom, mas precisava ser lembrado e cultivado com zelo, para não se tornar algo doloroso ao invés de algo confortável.
Novamente o som de passos. Arya apenas esperou, sabendo que logo mais uma das cortesãs viria lhe vestir. Mesmo que já estivesse acostumada com a falta da visão, sabia vestir vestidos simples e até mesmo gibões e calções largos. Não as roupas que Sombra de Lua, que Poetisa e até mesmo as que a Senhora Velada lhe haviam dado.
O cabelo já havia secado, ela escutou a aproximação de alguém. Andava calmamente e logo se postou a sua frente. Arya permanecia de olhos fechados, mas quando sentiu o tecido lhe roçar a pele, apenas ergueu os braços e suspirou. Era Sombra de Lua que estava ali, podia saber pelo aroma delicado de rosas que ela tinha. As cortesãs de Bravos eram famosas em todo o mundo, e as meninas ali faziam jus à fama, estando sempre impecáveis para que os homens mais ricos e os cantores mais belos pudessem lhes tocar.
Sombra de Lua começava a colocar a roupa em Arya quando falou.
- Esse é do mais belo tom de azul, para combinar com seus olhos... você devia deixá-los abertos um pouco, garota. Sabe que os homens adoram pares de olhos claros. Pegue, sinta a renda...
Sombra da Lua direcionou a mão de Arya para o tecido da vestimenta e a garota tocou com delicadeza e relutância a renda detalhada do pano. Era leve e delicado. Podia sentia o pano correr pelos seus dedos com facilidade, deslizando na pele do mesmo modo que fazia quando ela o vestia, como se ainda estivesse nua. Não que se importasse muito com isso, mas as cortesãs faziam questão de colocar as vestimentas adequadas para ela, para que o primeiro lance da noite fosse sempre mais caro do que o lance da noite anterior.
Não era um vestido com corpete igual todas as mulheres da Fortaleza Vermelha usavam, com aquele tecido pesado. Arya sabia disso. Não. Esses eram diferentes. Já havia visto cortesãs com aquele tipo de roupa quando ainda possuía visão e Pérola Negra já havia descrito-as para ela. Era um vestido feito da mais bela seda, caía até os pés e possuía mangas longas e bufantes. O colo ficava totalmente à vista, junto com parte dos seus ombros. O tecido era levemente transparente para que os seios de Arya ficassem expostos para que os visitantes do prostíbulo pudessem observar.
Mas não tocar. Nunca.
- Chegaram mais navios no porto. Podemos conseguir algo bom para você...
A pele clara de Arya foi percorrida por arrepios involuntários quando escutou aquilo. Já não se importava muito, e nem mesmo pensava sobre isso, sobre quem iria colher sua flor, quem iria retirar seu título de donzela. Mas homens que ancoravam em Bravos normalmente estavam sedentos de batalhas, bebida e mulheres. E eram violentos em conseguir tudo aquilo. Se Arya pudesse escolher, não escolheria um marinheiro que acabara de sair de um navio cheio de homens fedorentos e famintos.
Depois de estar totalmente vestida, Sombra de Lua penteou seu cabelo volumoso, prendendo uma mecha com um adereço prateado e deixando o resto solto. Os fios castanhos lisos caíam em cascata pelas costas retas. Arya respirou fundo.
- Estamos atrasadas. Venha.
A cortesã pegou a mão da garota com delicadeza, e Arya sentiu-se sendo puxada com leveza para fora de seus aposentos.
Conseguia ouvir o barulho de homens rindo de forma alta e explosiva, o barulho dos diversos copos batendo um ao outro quando eles faziam brindes em voz alta e ruidosa, dos sapatos das cortesãs roçando levemente o chão de madeira, como se todas ali fossem feitas de plumas e apenas flutuassem. Arya sabia que o movimento das mulheres era parecido com isso, delicado e gracioso. Tudo feito para ludibriar e conquistar os homens que ali depositavam seu dinheiro e pagavam uma boa quantia para tocar apenas em um par de seios.
Arya estava sentada em uma cadeira macia, os olhos fechados e as mãos juntas ao corpo, apenas escutando tudo o que se passava a sua volta. Pérola Negra estava ao seu lado, sempre sorrindo e rindo de todos ali. Podia sentir o aroma dela quando respirava fundo. Cravo. Arya conseguia sentir os olhares cravados em si, e podia jurar a qualquer deus que os olhares eram masculinos. Pérola Negra de vez em quando recusava uma oferta pequena com cortesia. Eram lances já ultrapassados. Arya não sabia quanto já haviam oferecido ao corpo virgem dela. A Senhora Velada não lhe falava nada. Até porque a garota não ficaria com nenhuma parte daquele dinheiro.
Tinha um aposento só para si, cama de um colchão macio de penas, com dossel de veludo, banho todos os dias em água perfumada, intermináveis baús cheios de vestidos, jantares dignos de uma princesa, feitos por cozinheiras de mãos boas em Bravos. Eram servidos toda noite vários tipos de carne cozidas em mel e limão. Aquilo já era o suficiente para que Arya não reclamasse de ganhar dinheiro com o próprio corpo.
E de repente um burburinho ficou mais audível. Mesmo que Arya não possuísse visão, ela percebia diversas pessoas se movimentando na sala onde estava. A respiração de Pérola Negra ficou mais audível e ela conseguiu sentir na atmosfera do lugar uma inquietação.
- Venha.
A mão da cortesã lhe puxou pelo pulso e Arya se levantou, tomando o cuidado de pular o degrau do local onde estava sua cadeira. Conhecia aquilo tudo de cor para tropeçar em algo como se fosse uma criança aprendendo a andar.
- O que está acontecendo?
Arya perguntou. Pérola Negra não estava a puxando, apenas a conduzia com tranquilidade pelo local. Sombra de Lua se juntou as duas, o cheiro de rosas misturado ao cheiro de cravo da outra. Foi a dona do aroma de rosas que respondeu.
- Acho que Senhora Velada conseguiu alguém para você.
Ouvir aquilo fez Arya sentir uma náusea estranha. Aquele tipo de náusea que deixa a pessoa tonta de medo e de expectativa. Sabia que, de qualquer forma, aquele dia iria chegar, mas ainda teve esperanças de que tal dia fosse chegar mais tarde. Ela estremeceu e Pérola Negra percebeu o rosto da garota ser percorrido por uma palidez.
- Não se preocupe. Sentir medo é normal. Você se tornará mulher um dia. O homem que irá colher a sua flor não é a maior preocupação, e sim como ele irá fazer isso.
Era isso que estava deixando Arya nervosa. Era uma garota corajosa, mas quando tinha Agulha atada às ancas e um punhal torto e afiado por debaixo da blusa. Não quando estava com um vestido fino e o corpo exposto e vulnerável para que qualquer mão calejada e violenta pudesse lhe tocar.
- Você não está ajudando muito, Pérola.
- Ora, ela precisa saber que isso pode ser possível.
Arya sentia a quebra da cortesia fria daquelas mulheres, estavam preocupadas com ela, e pela primeira vez desde que botara os pés ali estavam demonstrando isso. O ruído da sala ficou mais baixo. Haviam entrado em um aposento mais privado. As duas ainda estavam paradas ao lado da garota, uma delas se abaixou.
- Olhe, não fique nervosa. Isso tudo passará rapidamente e em breve você conseguirá tirar prazer em cada toque de qualquer homem...
- Apenas desanuvie sua mente. E abra os olhos, seus olhos são lindos.
Assim Arya o fez. Via apenas um véu negro. Era estranho estar de olhos abertos e não enxergar nada, então preferia ficar de olhos fechados e fingir que o escuro era proposital, e que se ela quisesse voltar a fitar as formas e cores de tudo, ela poderia. Mas ela tinha que permanecer de olhos abertos.
Som de passos.
- Aí está você.
A voz da Senhora Velada chegou aos seus ouvidos, calma e satisfeita. Nunca autoritária, mesmo que todas ali soubessem que ela que ditava as ordens que deixava o prostíbulo em funcionamento perfeito. Ela parou ao lado da garota, respirou fundo antes de dizer.
- Consegui muitos dragões de ouro com a sua venda, querida. – Arya percebeu que ela não dava valores exatos. – Ele está te esperando no seu aposento. Tem sorte, garota. Seu quarto fica no último andar e aquele lugar ali é calmo e sem ruídos...
A mão de Pérola apertou levemente a mão dela.
- Ele pagou pela noite inteira.
A tensão aumentou quando ela terminou de falar. Arya sentiu olhares serem trocados e logo depois Pérola voltou a lhe puxar.
"Apenas deite e o satisfaça, Arya. Você um dia foi uma Stark. Tem que ser corajosa. Sim... sou corajosa. Apenas deite e o satisfaça."
Ela estava sentada na cama macia do seu aposento. Seu corpo tremia ligeiramente, por mais que tentasse parar com aquela reação praticamente involuntária. Mordeu o lábio inferior, apenas esperando o homem que havia comprado o seu bem mais precioso entrar ali. Pérola Negra havia colocado uma jarra de vinho fervido ali ao lado. O lugar estava em uma temperatura agradável. Os dias em Bravos eram quentes e as noites frias, mas o fogo crepitava em uma lareira perto da cama. Cortesia do local, já que madeira boa era difícil de achar.
Arya respirou fundo, procurando se acalmar.
Som de passos.
Alguém abriu a porta, fazendo uma corrente de ar frio entrar pelo aposento. A porta foi fechada e a garota escutou o som da chave sendo girada. Poderia jurar que o homem havia tirado a chave do local, como se ela fosse fugir. Como se ela pudesse fugir.
Ela sentiu-o se aproximar, o som de suas botas pesadas entrando em contato com o chão de madeira coberto de tapetes. Parou um pouco afastado da cama e permaneceu quieto. Pouco tempo se passou. Silêncio, e logo depois um suspiro, levando um cheiro adocicado até Arya.
- Uma garota antes era um garoto. Uma garota um dia se torna mulher.
Continua...
