Estar andando ao lado do rival que praticamente serviu como o primeiro empurrão para a sua súbita mudança de personalidade era provavelmente a última coisa que Ryo imaginou que fosse acontecer.

— Tem certeza de que quer deixar Shou aqui? — indagou o duelista de cabelos prateados por debaixo de sua capa. — É seu irmão e...

— Ele vai ficar bem — afirmou o Kaiser com convicção, continuando a andar pela floresta adentro. Ryo sabia que o irmão caçula poderia muito bem se virar sozinho, além do mais Shou se encontrava no meio de um importante dilema sobre sua amizade com Judai, dilema esse que o garoto precisava resolver por conta própria se quisesse amadurecer. — Nós temos que...

Suas palavras haviam sido interrompidas pela dor excruciante em seu peito que agora se tornava mais frequente do que nunca. Seu coração estava fraco devido aos seus duelos ilegais e arriscados, Ryo tinha quase certeza de que não tinha muito mais tempo de vida. Ainda assim sua ambição em duelar com os Dark Lords daquele mundo sombrio não deixava de crescer.

— Hell Kaiser, espere! — Em poucos minutos Edo o alcançou e agora encarava-o com uma expressão genuinamente preocupada no rosto. — Outra vez isso? Você está bem?

— Se eu me lembro bem você disse que não se importava, ou eu não ouvi direito naquele dia em que a Academia voltou ao seu lugar de origem? — O Kaiser não compreendia muito bem a proximidade que ele e Edo passaram a ter logo após seu duelo com Johan, porém não conseguia negar o fato de que estava começando a se acostumar com a presença do outro duelista.

— Eu não me importo! — bradou irritado o garoto prodígio.

Por mais que Edo tentasse manter a pose de durão, Ryo conseguia ver o que ele realmente era. Não era nenhum segredo que o jovem de cabelos prateados era um duelista habilidoso e determinado, no entanto seus grandes olhos azuis revelavam o quanto Edo era ingênuo e puro. O Kaiser não duvidava dos acontecimentos terríveis pelos quais o garoto em questão deveria ter passado e superado, mas no fim Ryo não deixava de enxergar Edo como um menino perdido, exatamente do mesmo jeito que ele enxergava Shou.

— Então eu sugiro que pare de me fazer perguntas...Aargh! — A dor novamente o atingiu com força total e sem pensar no que estava fazendo Ryo se apoiou no outro ao seu lado.

— Já chega! É melhor pararmos em algum lugar para você descansar! — falou Edo. — Eu avistei uma caverna andando por aí enquanto você estava com Shou, pode servir. Você consegue andar?

— É claro que eu consigo! — esbravejou o Kaiser, ele detestava aparentar ser dependente de alguém. Rapidamente ele se desvencilhou do outro e se pôs completamente de pé, o seu orgulho inabalável seria o suficiente para mantê-lo dessa forma.

Infelizmente eles não foram surpreendidos por nenhum inimigo no meio do caminho até a tal caverna, sim, infelizmente porquê o que Ryo mais queria era ter um duelo à sua altura. Ele não estava nem um pouco satisfeito com as pequenas e insignificantes lutas que tivera desde que chegou naquele mundo. Ele queria mais, queria ser desafiado, queria vencer e esmagar qualquer adversário que ousasse imaginar ser melhor do que ele. Desde que fora derrotado por Edo, essa obsessão se instalou em seu peito e tudo o que Ryo aceitava agora era a vitória e nada mais. Obviamente ele tinha planos de duelar com o jovem de cabelos prateados em uma outra oportunidade, dessa vez ele com certeza venceria os D-Heroes do outro.

O Kaiser ainda se questionava como Edo conseguira derrotar seu deck invencível de Cyber Monstros. O que Edo tinha de especial afinal? Sua inocência deveria ser uma fraqueza, assim como era a de Shou. Duelistas deveriam ser frios e calculistas, Ryo só não sabia como pôde demorar tanto tempo para perceber isso.

O interior da caverna se encontrava em uma temperatura maior do que o lado de fora, o que em suma era algo bom já que o Kaiser não aguentava mais vestir aquela capa que só fazia atrapalhar seus movimentos.

— Você está com fome? — questionou Edo. Por quê raios ele estava sendo tão atencioso? — Eu posso sair e procurar algo...

— Não é necessário! — Ryo cortou logo a conversa, ele não estava interessado em ser amigável e nem receber o mesmo sentimento do outro. Os dois eram rivais e só estavam juntos naquele mundo por conveniência.

— Algum problema?

As indagações constantes do outro estavam fazendo-o perder as estribeiras. Por um momento Ryo pensou seriamente em sair daquela caverna e deixar Edo para trás.

— Sim, você. — respondeu com frieza.

A única reação do outro jovem ao ouvir aquilo foi sorrir como se estivesse divertindo-se com a atual situação. O Kaiser queria tanto tirar aquela expressão de zombaria do rosto de Edo que, sem perceber, aproximou-se ameaçadoramente do garoto.

Seus grandes olhos azuis não pareceram se intimidar, ao invés disso o encararam com a mesma intensidade. Edo era pálido e sua franja de cor prata caía sob o seu rosto deixando-o com uma aparência tão pura e gentil que Ryo se viu estranhamente hipnotizado.

— Se o problema sou eu por quê você está...

Não querendo ouvir mais nenhuma pergunta o Kaiser agarrou o outro pelo colarinho e o derrubou no chão parcialmete rochoso segurando seus punhos acima de sua cabeça logo em seguida.

— Não diga mais nada! — gritou. — O que eu sinto ou deixo se sentir não é da sua conta! Não finja que se importa comigo porquê eu com certeza não me importo com você!

Ele podia sentir a respiração de Edo em seu rosto já que eles estavam tão perto um do outro, rápidos jatos de ar que saíam incessantemente dos lábios finos do jovem e se chocavam diretamente com a sua pele. Ryo estava começando a se sentir estranho, primeiro por Edo continuar com os olhos colados nos seus sem dizer uma palavra sequer e em segundo por estar naquela posição que, mesmo que ele não tenha notado antes, era de fato embaraçosa.

Lentamente o Kaiser soltou os punhos do outro e começou a erguer seu próprio tronco, ele não percebeu o quanto seu corpo estava quente até o momento em que se desgrudou do peito de Edo. Irritado com seu breve descontrole emocional, Ryo fez menção de se levantar completamente quando foi impedido por mãos que o puxavam de volta pela gola de seu blazer negro.

Segundos depois seu nariz estava quase tocando o de Edo. Os dois respiravam rapidamente, quase que no mesmo ritmo, Ryo podia sentir os batimentos desesperados do duelista de cabelos prateados contra o seu peito. Aquilo fez seu corpo desmanchar-se em arrepios, tudo era muito confuso e intenso, ele nunca havia sentido tal coisa antes.

O mais perto em que Ryo chegara de sentir aquela tensão sexual foi na época em que ele tinha uma leve atração por Asuka. Ainda assim a sensação de urgência daqueles tempos não era nada se comparada a de agora. Esse tipo de interesse carnal nunca fez parte sua personalidade, tanto a anterior quanto a em que ele se denominava Hell Kaiser, e sentir esse tipo de excitação com ninguém mais ninguém menos do que Edo Phoenix era, no mínimo, preocupante.

— Eu também tenho um problema — sussurrou Edo despertando-o de seus devaneios. — Você.

E então o Kaiser se viu completamente imobilizado no exato momento em que os lábios finos de Edo tocaram firmemente os seus.