Capítulo 1 –Tédio mata.

O mês era Julho, o ano 1976. Gotas grossas de chuva desabavam sobre a cidade de Londres naquela tarde, dando uma resposta ao calor que fez seus habitantes transpirarem por dias. Agora, no entanto, eram ocasionais pedestres que empunhavam guardas chuvas pelas calçadas encharcadas, por vezes sem conseguir evitar que fossem abertos ao avesso graças ao vento cada vez mais forte. Um ou outro trovão resmungava ocasionalmente, seguido por um raio fino que cortava o céu escuro. A cidade tomava um banho há horas, o que como sempre deixou o trânsito caótico e lento.

As buzinadas distantes da cidade confundiram-se com o badalar do relógio mais famoso do mundo: O Big Ben anunciou cinco horas da tarde.

-Hora do Chá.- comentou uma voz em tom monótono. – A gente podia ir comer alguma coisa...

Mas a idéia do jovem gorduchinho foi quebrada por uma voz levemente rouca, que comentou bastante exasperada:

-Chuvinha de verão? É uma chuvinha de verão? Eu não quero nem ver o que você considera uma tempestade, Remo!

-Ok Sirius, eu obviamente estava errado. Posso me desculpar, mas não sou eu quem está fazendo chover. - retrucou um terceiro, por sua vez num tom quase cansado.

-É caras, claramente a idéia de jogar Quadribol foi pro saco. – disse um rapaz de cabelos que se espetavam para todas as direções, fitando pela milésima vez os ponteiros do relógio de sua sala de estar. – Mas podemos jogar outra coisa...

- Já jogamos de tudo! Baralho, Snaps, xadrez, e até aquele joguinho trouxa de adivinhação!- reclamou o jovem robusto chamado Sirius, que se encontrava totalmente esticado no sofá de couro da sala, os pés apoiados na cabeça do amigo gorduchinho que se sentara ao chão, próximo a ele. – Eu queria mesmo era sair um pouco! Vou perder o juízo se não fizer alguma coisa...

-Você não tem juízo nenhum pra perder, Sirius.- comentou seu colega de cabelos castanhos enquanto mexia nos botões do rádio à sua frente, tentando sintonizar em alguma coisa minimamente interessante que pelo menos preenchesse o vazio de silêncio e ócio que instaurava-se na casa.

Agora ao som de Beatles, o único grupo musical da comunidade trouxa que chamou também a atenção de muitos jovens bruxos- e que havia sido introduzido ao grupo pelo rapaz mestiço de Lufa lufa, Ted Tonks- Tiago afundou-se ainda mais em sua poltrona, fitando o próprio reflexo na bolinha dourada e alada que tinha em suas mãos. Estava deslizando para fora do assento, os pés apoiados na mesinha de centro e ao lado do rádio, balançando ao ritmo da música.

Lupin, sentado de pernas cruzadas no chão, afastou o rádio de perto dos tênis do amigo quando a canção atingiu seu refrão. Os quatro acompanharam:

"Na, na, na, na na na na, na na na na, Hey Jude."

Mas o som do famoso grupo de Liverpool era o último tocado naquele segmento, e logo a distração dos garotos acabou. Remo tornou a desligar o rádio; Tiago suspirou e ia deixar a bolinha dourada escapar de seus dedos não fosse o olhar indignado de Sirius, que não agüentava mais observar suas brincadeiras com o pomo. O rapaz então guardou seu brinquedinho no bolso. Pedro refez sua proposta:

-A gente podia ir preparar um lanchinho...

-Eu to querendo me movimentar Rabicho,não ficar enchendo a pança! – resmungou ainda o rapaz que o utilizava como pufe.

-Pode ir na cozinha preparar alguma coisa pra você, Pedro. A casa é sua. – ofereceu Tiago, o anfitrião.

- Você não tinha um elfo?- perguntou o outro, com preguiça e também incapacitado de se levantar.

- Tinha, mas ele tava ficando velho e papai decidiu lhe dar roupas. – esclareceu o rapaz em tom desinteressado.

Os quatro marotos suspiraram novamente, enfadados. Estavam aprisionados há algumas horas, pois a senhora Potter proibira terminantemente, antes de sair para o trabalho, que os garotos colocassem os pés para fora durante aquela tempestade. Eles não eram o tipo de jovens que respeitavam regras ou seguiam ordens, assim como a maioria de sua geração, mas perseguir no ar quatro bolas encantadas montados em vassouras não seria nada agradável debaixo daquele aguaceiro.

Em certo ponto os garotos não tinham do que reclamar: até então suas férias tinham sido ótimas. Sirius já morava há quase um ano com a família Potter e se divertia muito na companhia de Tiago. Seus "pais adotivos" os mimavam até em exagero e eram bastante tolerantes com os abusos e peripécias dos rapazes. Remo estivera relaxando e se recuperando de sua última transformação na fazenda e casa de sua humilde, mas carinhosa família, onde até mesmo recuperara alguns necessários quilinhos e retornara muito mais corado. Pedro Pettigrew estivera com sua mãe, que tinha somente o filho como companhia e por isso era demasiadamente zelosa. Rabicho acabou levando trabalhos extras e algumas recuperações para casa, mas já estava acostumado com aquela semi-liberdade por ser um dos estudantes menos talentosos de Hogwarts.

A questão é que os rapazes haviam finalmente decidido se encontrar. Tiago convidou os marotos restantes para passarem uma última semana de férias em sua casa e ainda sugeriu, mais animado, que fossem juntos para as compras no Beco Diagonal ao final do período de descanso. Remo e Pedro aprovaram prontamente a sugestão, e logo lá estavam eles, malas feitas, se utilizando da linha de Flú para alcançarem o lar da família Potter, em Londres, onde encontraram um Tiago de braços abertos e um Sirius muito sorridente os aguardando.

Os pais de Pontas gostavam muito dos amigos do filho. Guardavam um carinho muito especial por Sirius Black, é claro, mas também apreciavam a companhia de Remo. Pedro era meio desastrado e causava certo pânico na mãe de Tiago sempre que entrava na impecável cozinha e se aproximava da prataria, mas era também muito bem tratado.

O pai de Tiago se deliciava em conversas sobre os mais variados temas com Lupin durante os jantares, ou ainda em diálogos mais descontraídos com Sirius, como motocicletas ou mulheres. Não era, no geral, nenhum sacrifício para o casal Potter manter os quatro marotos juntos durante uma semana, ainda mais porque durante quase todo o dia ambos estavam trabalhando. Henry Potter trabalhava no Ministério da Magia e tinha um cargo elevado o suficiente para lhe garantir um excelente salário, enquanto Judy Potter era uma das médibruxas do Hospital Saint Mungus.

Naquele exato momento, por exemplo, nenhum dos adultos se encontrava em casa. Ausentes, os pais de Tiago pareciam ter proporcionado aos garotos o ambiente perfeito para muita diversão e bagunça...mas a incessante chuva havia frustrado seus planos.

Remo decidiu puxar e ler um dos jornais que estavam sobre a mesinha em que apoiava a cabeça. Tiago também puxou um exemplar, mas apenas para rasgá-lo em quatro pedacinhos e começar a distribuí-los:

- Vamos jogar adivinhação de novo. – ordenou sem emoção. Sem ter algo melhor para fazer, seus amigos assentiram e Sirius fez circular a pena que tinha encontrado no sofá para que todos escrevessem. Eles então trocaram os pedacinhos de papel entre si, sem ler o que cada um havia escrito, e os grudaram na testa.

Tiago leu o nome na testa de Sirius e ele o de Tiago. Diante daquilo, o primeiro caiu na gargalhada e não demorou muito para os dois terem um acesso de riso incontrolável. Quando um deles se cansava, o outro fazia aquela espécie de grunhido de quem está tentando prender o riso, e pronto: começava tudo outra vez.

Alguém havia tido a brilhante idéia de escrever "Murta que Geme" para um e "Fawkes" para o outro.

-Vamos começar? – pediu Remo, mordendo seu sorriso. Em sua testa o nome "Helga Hufflepuff". Pedro tentou furtivamente ler o nome em seu papelzinho ao colar "Mulher Gorda" na cabeça e pediu, dando guinchos e pulos, para ser o primeiro:

-Ok, eu sou mulher?

-É. – responderam os outros em coro, Sirius com os olhos cheios de lágrimas de tanto rir. Tiago foi o próximo:

-E eu?

Houve uma pausa. Ninguém sabia o sexo da ave de estimação de Dumbledore. Sirius voltou a gargalhar enquanto Tiago fazia uma expressão bastante ofendida:

-Vocês me sacanearam, não é seu bando de filhos da puta?- (leitores, me desculpem os palavrões, mas eles são um bando de garotos adolescentes, o que eu posso fazer?).

-B-bom...- Remo ainda se segurava para não rir do amigo- Eu acho que podemos dizer que você não é mulher...

- Eu não t-tenho tanta certeza..!- Sirius ofegou, tentando se controlar uma vez que já sentia dores agudas na barriga.- O Pontas tem aqueles chifres de veadinho, pelo menos um terço dele é meio afeminado.

- Ai que piada mais sem graça!- protestou Tiago, agora com absoluta certeza de que o nome em sua testa não seria dos mais fáceis de serem desvendados. - Mas podemos dizer então que eu estou mais pra homem do que pra mulher?

Sirius explodiu novamente. Tiago desistiu e passou sua vez.

-Eu sou alguém famoso?- Remo foi o próximo, ainda se segurando para não zombar da sina de Tiago. Os amigos afirmaram.

- Eu sou um ser humano?- Sirius inspirou-se lembrando que o amigo de óculos também havia gargalhado do nome em sua testa, e tratando-se de entidades do mundo mágico, as chances dele ser qualquer coisa não humana eram tremendamente grandes.

-Bem, você foi...- Rabicho quase entregou a resposta de bandeja, para revolta de seus companheiros:

-É, é. – consideraram desanimados Tiago e Lupin, uma vez que as regras do jogo eram claras: as respostam podiam ser somente afirmativas ou negativas.

-Ah, então eu estou morto?- ponderou um esperto Sirius.

-É a vez do Rabicho, seu pateta!- lembrou um revoltado Tiago, já antevendo sua derrota. E ele definitivamente não gostava de perder.

Mas antes que o gordo maroto fizesse ou sequer pensasse em sua pergunta, um ruído vindo do Hall de Entrada fez com que todos dessem um pulo, tomados pelo susto...