- Com licença, Mestre, mandou que me chamassem? Estou ao seu dispor.
- Sim, Shura. Quero designá-lo para uma missão. – A figura alta se levantava de um imponente assento no fundo do amplo salão em estilo dórico, decorada com tapeçaria dramática em tons de vermelho e azul, onde se espalhavam quadros e quadros daqueles designados pela Deusa da Sabedoria, Guerra e Justiça desde tempos imemoriais para reger o Templo. Como outro não disse palavra, o Grande Mestre do Santuário de Athena se pôs a falar novamente:
- Shura, devemos proteger uma pessoa importante, que pode ser envolvida em assuntos particulares do Santuário. Mas essa pessoa não é daqui.
- Assuntos "particulares" do Santuário? E a pessoa não é um cavaleiro?
- Não.
- Então, como pode saber dos nossos assuntos, ou mesmo da nossa existência, senhor?
- A pessoa não será envolvida por sua própria vontade e interesse, cavaleiro de capricórnio, e sim, pelos inimigos do Santuário. – Disse a figura mascarada calmamente.
Shura ficou reticente. Não gostava quando esse tipo de coisa ocorria: uma coisa era lutar diretamente contra seu inimigo, outra era ter de desviar do seu golpe evitando atacá-lo para não ferir aqueles que ele usava como escudo...
- Bem... Quem é a pessoa, Mestre? E como, ou por intermédio de quem, ela pode nos prejudicar? Devemos contar com mais uma batalha, ou apenas vigiar a pessoa para que nada aconteça?
- Calma, cavaleiro! São muitas perguntas. Por enqüanto, saiba que a todo instante, o mundo está sendo ameaçado por algum mal, que surge para causar desequilíbrio. Por trás de todo grande acontecimento que desencadeou alguma mudança na História da humanidade, há a influência direta ou indireta de seres que controlam esses acontecimentos. Seguimos e protegemos a deusa designada para manter esse equilíbrio. Isso significa que devemos tanto lutar contra essas influências como agir nos bastidores para que as grandes tragédias não se concretizem. Da mesma forma, devemos agir para que coisas boas aconteçam. Essa é a verdadeira missão dos cavaleiros.
-Sim, Mestre...- Shura assentia com a cabeça, imaginando onde toda aquela explanação iria chegar. A figura imponente em pé e de costas para ele continuava:
- Assim, como Athena, muitas outras figuras "mitológicas" voltarão à vida nessa Era. Mais de uma delas, tentará dominar o mundo utilizando-se de um ser humano qualquer.
- Sim, eu compreendo. Como uma forma de concretizar suas vontades de forma direta, através de alguém influente.
-Pois bem. Há poucos anos, soubemos de uma dessas figuras mitológicas havia despertado, e planeja controlar uma marionete para seus planos. Hera, planeja por algum motivo, dominar este mundo. Consegue imaginar?
Shura queria explodir em riso, mas não podia. Então, a Deusa mais ciumenta do Olimpo, a mais caprichosa, orgulhosa, a grande matriarca eternamente de olho no marido infiel planejava tomar esse mundo para si? Não queria pensar nisso, mas alguém alí estava louco; ou a Deusa por não ter coisa melhor com que se preocupar, ou o Grande Mestre do Santuário, por dedicar tanto tempo importante pensando na divina esposa histérica do deus dos deuses do Olimpo. No entanto, de fato, se tal figura desejasse mandar na Terra, todos os seres humanos com vida própria estariam perdidos...
- Mas senhor, como podemos evitar que algo aconteça? Se simplesmente liquidarmos com a pessoa, essa Deusa simplesmente escolherá outra em seu lugar. Além disso, não creio ser da índole de um cavaleiro de Athena levantar seu punho sem que alguém o tenha feito de forma declarada antes.
- Sim, Shura, você está certo; no entanto, Hera, bem como todos os outros deuses, não são fáceis de agradar assim... não escolherão para seus protegidos alguém que não seja de seu absoluto interesse. Antes, seria preferível aguardar até ter melhor representantes...
- Quer dizer então que a pessoa é alguém escolhido a dedo, à imagem e semelhança da Deusa?
- ... ou o mais próximo disso que for possível. – O Grande Mestre acrescentou, antes de finalmente de virar e caminhar de volta à enorme cadeira dourada no fim do tapete vermelho.
- Bem... Onde podemos encontrar essa pessoa? E o que devo fazer com a mesma?
- Muito bem Shura. Eis a sua missão: você deve procurar uma mulher chamada Catherine Stuart.
- Catherine Stuart? É um nome vulgar, vai ser difícil determinar qual "Catherine S." será a grande escolhida de Hera. Não há mais alguma informação sobre ela?
- Já disse para ter calma. Trata-se de uma moça inglesa, de uma das famílias mais tradicionais do Reino Unido. Além disso, é uma artista, que está começando a se tornar bastante reconhecida por seu trabalho. Esta noite, ela virá se apresentar em Atenas. É a sua chance.
Shura estava começando a se sentir incomodado. Que história era essa de tirá-lo da Casa de Capricórnio para fantasiá-lo de tiete? Nem na adolescência havia passado por essa fase. Era algo que o desconcertava totalmente.
- Minha chance para...? – falou por fim, ao mesmo tempo ansioso e apreensivo sobre a resposta que ouviria. Na verdade não sabia se não havia entendido bem ou se não queria acreditar.
- Apesar de ser uma das deusas ligadas ao matrimônio e por conseqüência ao amor entre homem e mulher, Hera não concordará em ter uma protegida que se divida entre ela e um homem. Mesmo suas sacerdotisas são virgens, a fim de lhe dedicar todo o tempo livre. Se conseguir chamar a tenção dessa mulher...
Shura corou. Talvez de raiva, talvez de vergonha, mas a verdade é que sentiu o sangue subir até as têmporas. Ora, imagine, treinar como cavaleiro pra um dia ter de seduzir mocinhas! Era ultrajante e repulsivo.
- Mestre, me perdoe, mas essa seria uma tarefa mais apropriada para um desses novos sacerdotes, devotos, ou coisa parecida. Como (com ênfase) eu, um cavaleiro de ouro, posso me prestar a algo tão baixo, tão... vulgar? Seduzir uma mulher friamente para impedir que o destino do mundo...
- Shura. Não se trata de seduzir. Você apenas deve desviar atenção da moça para a sua amizade, a sua presença; se der certo, pode também criar algum vínculo mais forte com ela introduzindo-a na existência do Santuário. Por fim, deve fazê-la ser nossa simpatizante, de forma que seja leal a nós tanto quanto um cavaleiro, uma vez que ela não está mais em idade de ser treinada como uma amazona para se manter dentro de nossos limites e vigilância.
Shura pareceu fixar-se no tempo por alguns segundos. Sua mente perdeu-se em pensamentos... Jamais pensaria que algum dia, o próprio Mestre do Santuário viesse lhe ordenar uma coisa dessas, pessoalmente. Não se lembrava de qualquer vez no passado, onde ele se mostrara tão frio e calculista, capaz de falar em tamanho absurdo como a coisa mais natural do mundo, apenas para realizar seus objetivos. Aquilo não lhe parecia como uma atitude digna de um representante dos Deuses, mas sim como pura canalhice. No entanto, tinha motivos suficientes para saber que mais do que ninguém, o Grande Mestre não era um canalha.
- Mestre, ainda assim, quem pode garantir que o plano dará certo? E se tudo falhar? Como podemos arriscar tanto? Se sequer temos como controlar a situação? Trata-se de conquistar o afeto de alguém, e essas coisas, às vezes, nem Eros pode dominar!
Shura pode ouvir o leve riso irônico por trás da máscara escura. Para a grande figura sentada, seduzir era um esporte, jamais uma obrigação que pudesse ser contestada. Em todo caso, se assim fosse, tinha plena confiança o faria e com pleno êxito. Mas já não podia mais se dar a esses luxos...
- Confio em você Shura. Sempre teve carisma com as mulheres. Em especial com as estrangeiras. E outra: você deverá dosar sua confiança depositada nela. Se acreditar que não irá funcionar, basta interromper e me avisar. Mas tenho total confiança em você e no seu discernimento.
- Bem... devo ir até ela esta noite?
- Sim.
- E devo buscar sua amizade custe o que custar?
- ...Sim... – vacilante. Na verdade era bem isso, mas sabia que se concordasse de pronto, o cavaleiro iria estranhar muito. – Deve conquistá-la mas com calma, paciência. Simples: imagine que não há nada dessa história toda e que simplesmente está interessado nela. É tão difícil para você? – provocou.
Shura ergueu a cabeça corando mais uma vez, mas dessa tinha certeza que era de raiva. Oras, e acaso pensava que ele tinha alguma dúvida quanto a sua masculinidade?
Por trás da máscara a figura oculta deu um meio sorriso sarcástico. Funcionara então.
- Bem Shura, agora peço que me dê licença e retire-se. Tenho outros assuntos para resolver em poucos minutos e não quero me atrasar. – falou em tom gentil para encerrar a conversa de modo produtivo. Fazia um calor infernal na Grécia, o dia estava quente e seco. Não suportaria mais um minuto; só queria saber de se banhar.
