Capítulo I

Julia Hunter

Encontros Aristocráticos

-... e eu tenho que supervisioná-los no Ministério agora, como se já não bastasse ter subordinados nascidos-trouxas...

-... e ela chegou em casa e encontrou o marido com outra mulher, foi o que me disseram...

-... o vestido dela era tão fora de moda, vocês nem imaginam! E vocês souberam do que o filho mais velho dos Black fez? Me contaram que...

Eu pegava somente algumas partes do que meu pai, minha mãe e minha irmã contavam para os colegas de trabalho, outras mães de família e amigas, respectivamente, nos momentos em que tinha de trocar a fita do meu walkman trouxa, escondido dentro do meu vestido.

Aliás, que porcaria de vestido que me foram arrumar. Eu não esperava algo diferente de minha mãe e irmã do que um vestido longo, azul celeste e bem apertado, mas a esperança é a última que morre. A cada vez que eu respirava sentia meu pulmão contraindo-se a busca do ar, e tinha de reprimir minha vontade desesperada de arrancar a costura do vestido – que eu desconfio sinceramente ter sido feito alguns números menor que o meu tamanho correto, ou talvez fosse mais uma dessas loucuras da moda da década de 70 – e ficar seminua ali mesmo, no meio da sala de jantar, na frente dos colegas do meu pai do Ministério e de toda a Aristocracia do mundo mágico.

O meu cabelo dourado e longo estava solto, ondulado e irremediavelmente sedoso e brilhante, do modo que minha mãe queria que ficasse. A maquiagem, que geralmente era baseada em preto e somente preto, naquele momento combinava em cada tom com meus traços, e as cores se alternavam entre os mesmos tons neutros sem graça. Além disso tudo, o esmalte combinava com a cor do vestido e meus pés contorciam-se, loucos para se soltarem daquelas casas de tortura chamadas salto alto e saírem andando livres, leves e soltos por aí.

Era nisso que costumavam me transformar toda vez que meu pai resolvia fazer festinhas sem motivo aparente e chamava todas as famílias de sangue-puro: uma perfeita Barbie.

Naquelas horas eu não era mais Julia Hunter, a garota cheia de maquiagem preta, amante de música e cinema trouxa, cuja melhor amiga era Lily Evans, uma bruxa nascida trouxa, a única pessoa que me entendia de verdade. Naquelas horas eu gostava das bandas bruxas que minha irmã escutava, não tinha ideia do que era cinema e, caso Lily surgisse na minha mente, teria de pensar nela como outra repugnante sangue ruim qualquer. Pois era isso que eles queriam.

Pelo que me lembro, desde a primeira reunião dessas a qual eu fui obrigada a participar, quando fui apresentada à sociedade como a mais nova lady, senti-me deslocada. Me lembro até hoje de como meu coração se apertou e eu tive vontade de chorar ao ouvir todos aqueles preconceituosos filhos da mãe falarem dos nascidos trouxas e traidores de sangues como criaturas vis e repugnantes; falarem como se fossem superiores a todo o resto da humanidade. Mesmo com apenas seis anos de idade eu pude ver como eles que eram, na realidade, as criaturas vis e repugnantes das quais tanto falavam. Naquele dia eu me declarei a ovelha negra da família, do grupo de amigas sangue-puro que tinha e de todo o resto da sociedade aristocrática do mundo mágico.

Então, lá estava eu, dez anos após a primeira reunião das quais lhes falei. Encarava os rostos das pessoas ridículas que eu odiava, todas vestidas nos modelos mais ridículos e caros que seus ridículos estoques de intermináveis galeões poderiam comprar, conversando sobre seus assuntos ridículos e banais, todos sentados na ridícula mesa de mogno que minha ridícula mãe comprara há muito tempo atrás para enfeitar a ridícula sala de jantar de nossa mansão ridiculamente grande. E eu não podia estar mais ridícula, vestindo aquela roupa ridícula, fingindo ouvir todas as ridicularidades que eles falavam, fingindo ser uma Aristocrata ridícula, uma verdadeira Hunter, fingindo toda a minha vida sob a máscara que eu vestia todos os dias apenas porque era covarde demais para fugir do mundo a qual eu não pertencia.

De repente senti uma pancada dolorosa na perna. Sobressaltada, arranquei os fones que estavam ocultos no meio de meus cabelos e olhei para a minha irmã com a sobrancelha arqueada.

- Por que me chutou? – perguntei com a voz fria, notando-a pela primeira vez em toda a noite.

Lisa Hunter vestia um vestido verde claro com detalhes estranhos que deviam estar na moda e parecia estar usando todas as joias que ganhava de nosso pai em todos os seus quatorze anos. Seu rosto delicado e arrogante estava pincelado em tons um tanto berrantes de rosa e seu cabelo estava preso num coque perfeito e uniforme. Sempre mais arrumada do que deveria estar, sempre arrogante. É, essa é minha irmãzinha mais nova.

- O Regulus não para de te encarar – Lisa disse baixinho, risonha, para que só eu a escutasse. – E ele está mais gato que nunca! Tira essa porcaria trouxa dos seus ouvidos e vá puxar papo com ele!

Revirei os olhos, mas do mesmo jeito desliguei o walkman e guardei-o no decote do vestido sem que ninguém notasse. Então abri meu melhor sorriso e virei-me para Regulus, que estava do meu lado esquerdo, enquanto Lisa sentava-se na cadeira à minha direita. Ele realmente me encarava, e eu tinha de concordar com a minha irmã: ele estava mais lindo do que nunca. O cabelo preto e brilhante tinha crescido desde a última vez que eu o vira, quando ainda éramos namorados, quase dois anos antes. Os traços estavam mais maduros e ele estava, sem sombra de dúvida, sexy naqueles trajes negros. Com certeza começara a malhar.

Regulus Black era o príncipe sangue-puro com o qual todas as meninas poderiam sonhar, além de ser o filho perfeito e dedicado, um aluno exemplar e beijar muito bem. Pelo menos era isso o que eu sabia dele. Ele vinha sempre nas festinhas que meu pai organizava, já que era membro da família Black, uma das mais nobres, junto com os Hunter, Malfoy e Dearborn. Apesar de fazer parte do grupinho que eu desprezava, Regulus era legal, ouvia as músicas trouxas que eu o mostrava e fora o único garoto do qual eu gostara. Regulus conseguira me dobrar uma vez – o que fizera nossas famílias ficarem felizes e esperançosas – e namoramos por quase um ano; porém, estudávamos em escolas diferentes – eu em Beauxbatons e ele em Hogwarts, a mesma escola de Lily –, e eu não pude sustentar o sentimento à distância e tudo acabou.

- Boa noite, July – a voz dele era galante e rouca, extremamente sexy aos meus ouvidos. Por Merlin, o que a puberdade não faz? – Tudo bem?

- Oi, Regulus. Tudo na mesma. E com você, como vão as coisas?

- Ah, vão bem – ele disse, forçando um tom entediado. – O único acontecimento, acho eu, é de que Sirius fugiu. Agora está morando com seu amiguinho traidor de sangue, o filho dos Potter. Sem problemas, claro, mamãe apagou seu rosto da árvore dos Black. Obviamente, não iriam aceitá-lo mais como sendo da família. Tirante isso, todo o resto está ótimo.

Por ser próxima de Regulus, eu sabia sobre a rebeldia de seu irmão mais novo, Sirius Black. Sirius tinha a minha idade e, como eu, detestava todos os fardos e regras que carregava e devia seguir por ter nascido um Black; mas, diferente de mim, ignorava tanto a eles quanto a aos eventos importantes, como os jantares de minha família. Contudo, eu havia encontrado com Sirius uma vez, em uma das reuniões propostas por minha família, quando ainda tínhamos nove anos e nenhum de nós seguia seus próprios princípios. Pelo que me lembre, foi bastante divertido; nós brincamos até nos acabarmos e quase destruímos meu quarto com feitiços acidentais, mas nossos pais chegaram a tempo de impedirem-nos – e de nos darem um longo e entediante sermão.

E agora, realizando todos os meus sonhos mais profundos, Sirius fugira.

- Entendo – comentei. – Nossa, faz tanto tempo que não vejo Sirius... Ele deve estar enorme! Você tem ideia de se ele está bem? – perguntei, curiosa para saber mais sobre ele. Apesar de mal ter tido contato com Sirius, sentia uma grande afeição por ele.

- Psh – Regulus fez um barulho de discordância. – É só um rebelde de dezesseis anos, arrogante e cheio de idéias. Quer ser auror; provavelmente vai descobri-lo morto em algum duelo com comensais daqui a alguns anos.

- Entendo – murmurei de novo, apesar de meu nariz ter-se contorcido em desaprovação aos comentários de Regulus. Ser auror era o meu sonho, apesar de minha família ser tão contra a isso quanto os Black.

- Mas então... animada com a noite? – ele perguntou, mudando de assunto, e eu pude sentir a hesitação na voz dele, por algum motivo.

- Hum... Mais ou menos. O jantar está um saco como todos os outros, nada de especial, não é mesmo? Mesmas conversas e mesmas pessoas de sempre.

- Sério? Você não está nem um pouco nervosa? – ele perguntou novamente, a incerteza cada vez mais eminente.

- Deveria estar? – perguntei, hesitante.

- Você não... você não sabe de nada?

- Do que você está falando?

Neste instante meu pai levantou-se de sua cadeira posicionada na cabeceira da mesa, e Regulus não pôde me responder. Todas as cabeças se viraram para Edward Hunter, que apresentava uma expressão de pura alegria. Fiquei curiosa: meu pai nunca aparentava estar alegre, mesmo em seus eventos ele sustentava a imagem de frívolo impenetrável Aristocrata.

- Boa noite a todos – ele disse em seu tom formal, sempre utilizado em todos os tipos de eventos. – Convidei vocês para esse encontro esta noite para compartilhar a felicidade de minha família e da família Black – ele fez um aceno com a mão para Orion e Walburga Black, os pais de Regulus, e meus olhos estreitaram-se automaticamente – ao informar a todos vocês o casamento de nossos queridos filhos, Regulus Black e Julia Hunter.

E então, num milésimo de segundo, todos os olhares se voltaram a mim e a Regulus. De soslaio eu pude constatar que Regulus se encontrava corado de vergonha, enquanto eu permanecia inexpressiva e séria, ainda tentando assimilar o que meu pai acabara de dizer.

Tudo ficou em câmera lenta de repente. As palmas entusiasmadas de todos os presentes soavam ao longe, muito longe de mim. Uma música lenta do the Eagles que eu estivera escutando alguns minutos antes começou a tocar na minha mente. Regulus puxou uma caixinha preta do bolso e se ajoelhou à minha frente. Ele parecia indeciso quando perguntou:

- Julia Hunter, você aceita se casar comigo?

Então eu vi. Meu pai tinha uma expressão maníaca no rosto, e eu soube que ele queria aquilo a fim de negócios. Minha mãe olhava a aliança de ouro maciço, clássica, com cobiça. Minha irmã parecia mais desinteressada do que nunca, apesar de ter uma expressão divertida no rosto. Eu vi. Ninguém ali estava interessado em mim, na minha vida, no meu futuro, na minha felicidade. Só, talvez, o próprio Regulus.

Então eu aceitei.

- Sim – disse simplesmente.

Regulus pareceu momentaneamente surpreso com a minha resposta, mas então percebeu que aquilo tudo não tinha acabado; abriu um sorriso magnífico, ergueu-se e encaixou a aliança que parecia pesar vários quilos no meu anelar esquerdo, então aproximou-se lentamente de mim e me beijou de modo hesitante. Sem sentir nada – nem um friozinho na barriga sequer – puxei-o pela gola da camisa social cara e o beijo tornou-se ardente. Pude ouvir todos os convidados comemorarem, felizes, a união de filhos tão lindos de famílias tão queridas. Permaneci com o corpo rígido, sem saber o que sentir.


A festa decorreu-se normalmente – pelo menos para os outros convidados. Fiquei de mãos dadas com Regulus, sustentando o mesmo sorriso ao aceitar os comprimentos. No fim da festa, todos se despediram e deixaram a mansão dos Hunter. Orion e Walburga Black foram os últimos a deixar a festa, e esta foi incrivelmente fria ao dizer:

- Espero que você faça meu filho muito feliz – falou, de modo que mais pareceu uma ameaça, antes de enlaçar o braço ao do marido e desaparatarem no batente da porta.

Um clima pesado instalara-se sobre mim e meu concedido noivo. A sala estava vazia, com exceção de alguns elfos que iam de lá para cá, passando por nós, tirando os pratos e arrumando os vestígios da festa. Após algum tempo a mais de silêncio constrangedor, Regulus pigarreou.

- Eu... Er... Você está se sentindo bem? – perguntou, enrolando-se.

- Ahn... Sim, só um pouco cansada, muitas emoções, você sabe – soltamos uma risada fraca. – Você também deve estar. Pode subir para o quarto, você... já sabe onde é.

- Hum... Nossas famílias pediram para que eu dormisse aqui, mas eu não preciso ficar no seu quarto, se te incomodar, é claro, eu posso...

- Você vai dormir comigo – cortei-o de forma tão séria que pareceu uma ordem.

- Sim, Senhora – ele respondeu, fazendo-me soltar outra risada fraca. – Você não quer subir?

- Não agora. Vou subir daqui a pouco, pode ir sem mim.

Ele acenou minimamente e deixou a sala. Soltei o ar que nem havia percebido ter segurado e caminhei a passos largos até a sala de música, onde eu tinha certeza de que meus pais estariam. E lá estavam, os dois cretinos, tomando drinques e conversando alto, comentando sobre a felicidade de ter sua filha primogênita casando-se tão bem; seguindo os planos de terem a vida perfeita que haviam criado para si mesmos.

- Como vocês ousam? – eu perguntei com a voz gelada, capaz de congelar até o fogo.

Eles mal pareceram sobressaltar-se, como se já esperassem que eu fosse falar com eles. Minha mãe encarou-me com a sobrancelha arqueada e um sorriso cruel nos lábios.

- Algum problema, minha querida? – ela perguntou, com uma voz doce enjoativa.

- Vocês são uns cretinos filhos da mãe! – exclamei, exasperada. – Vocês nem me falaram nada! Só... planejaram tudo sobre a minha vida e resolveram me contar os planos na hora de realizá-los! Como vocês ousam? Vocês não tinham o direito de...

- Conceder a sua mão ao filho mais novo dos Black? – Edward me cortou, calmamente. – Faça-me o favor, Julia. Você sabe muito bem que casamento arranjado é algo totalmente comum entre as famílias de sangue-puro. Nós não devemos nos misturar com a... ralé. E de qualquer modo, você e Regulus já namoraram uma vez, o que torna as coisas muito mais simples para todos.

- Vocês não...! – me exaltei, tão enfurecida que mal conseguia organizar os pensamentos. – Vocês não deviam ter feito isso!

- Oh, não? Julia, deixe de drama e pare de ser ridícula, menina. Agora vá se arrumar para o seu noivo, porque é a melhor coisa que pode fazer agora – minha mãe decretou, a ternura já extinta de sua voz.

Urrei e bati a porta da sala com força. Fui batendo o pé até o meu quarto e abri a porta violentamente, e o que encontrei lá dentro me surpreendeu totalmente.

Regulus arregalou os olhos, as mãos ainda no zíper de uma bermuda de algodão recém vestida, que mais parecia uma cueca samba-calção. Além disso, não vestia mais nada para ir dormir; ou seja, nada mais cobria seu abdômen definido, fazendo-me até esquecer que estava enraivecida enquanto babava sobre a visão de meu noivo por alguns segundos – oh, Merlin, meu noivo!

- Tudo bem aí, Julia? – ele perguntou, divertido.

- Eu... meus pais... discutimos... você está ótimo!

- Obrigado – ele agradeceu, com um sorriso de lado. – Me desculpe pela bagunça que eu deixei no seu quarto, mas eu revirei um pouco os seus armários para encontrar um cobertor.

- Ah, tudo bem, amanhã os elfos arrumam - eu disse, só agora notando o amontoado de roupas, lençóis e toalhas sobre o chão.

- Certo. Ahn... eu dei uma olhada nas suas roupas... elas não estão meio... diferentes?

- Ah, sim... – engoli à seco, tentando focar na conversa, e não no abdômen dele. – Eu mudei um pouco desde a última vez que nos vimos, acho.

- Começou a vestir roupa preta e maquiagem escura?

- Por aí – abafei uma risada.

- Tenho certeza de que continua linda – ele sussurrou e se aproximou perigosamente de mim.

- Eu... – murmurei, olhando nos olhos dele profundamente. – Acho que vou vestir meu pijama. Espera aí.

Fugi de seu encalço para o banheiro com uma camisola qualquer nas mãos, bati a porta e arfei, a mão segurando o peito esquerdo.

- Por Merlin, quem é aquele e o que aconteceu com o Regulus que eu namorei? – perguntei a mim mesma. Então maneei a cabeça e troquei a roupa pela camisola sem mal prestar atenção, a visão de um Regulus sem camisa na minha mente, para depois sair do banheiro distraidamente.

- Uau – a voz de Regulus me trouxe de volta à Terra. – Você também está ótima, devo dizer.

Olhei para baixo e dei um sorrisinho. Sem perceber, tinha pegado no armário a camisola que Lisa me dera de aniversário uma vez, de brincadeira. Ela era de seda preta e extremamente curta, não cobria nem metade das coxas, mas ainda assim era confortável para dormir. Regulus desviava o olhar rapidamente de minhas pernas para meus olhos, e depois voltava para as pernas.

Me aproximei da cama e entrei para debaixo dos lençóis lentamente, tomando cuidado para que nada mais fosse exposto.

- Boa noite, Reg. Apague a luz quando for dormir – disse e pousei a cabeça sobre o travesseiro, pronta para dormir.

- O quê? Julia, acho que nós temos que conversar, não?

- Sobre o quê? – me fiz de desentendida, sem sequer ousar encará-lo. Tudo o que eu menos queria era discutir relação àquela hora da noite.

- Ahn... Nosso casamento, talvez?

Suspirei e virei o rosto para olhá-lo.

- Olha, Regulus, eu gosto muito de você. Nossas famílias organizaram tudo isso e, bem, nós vamos ter de aprender a convivermos um com o outro, agora como marido e mulher. Acho que é isso. Sinto muito se você está sendo preso a mim, mas... a culpa não é minha. E ainda há tempo de desistir, lembre-se.

- Eu sei, Julia. O fato é que... eu realmente não quero desistir.

- Não... quer? – murmurei, sem conseguir acreditar.

- Eu te amo, Julia.

Ele avançou seu rosto e encaixou sua boca na minha. Diferente do beijo do jantar, esse foi, desde o início, caloroso. Ele pressionava seus lábios contra o meu com paixão e eu correspondia sem hesitar. Minhas mãos agarraram seus cabelos negros e o puxaram mais perto, enquanto as dele deslizavam pelas laterais de meu corpo, deixando a pele tocada latejante e sensível.

Em algum momento a luz foi desligada. Não tivemos cerimônia nenhuma em, no escuro, nos livrarmos das roupas um do outro – como já havíamos feitos tantas outras vezes quando ainda namorávamos. Após alguns minutos, a blusa de gala de Regulus jazia parcialmente rasgada e esquecida num canto do quarto, e sua calça tinha o zíper escancarado sem vergonha alguma, no chão próximo a parede oposta a de onde a blusa fora parar. Minha camisola tinha voado e estava presa em cima de uma luminária posicionada sobre cama.

O cheiro da colônia dele me inebriava; eu não me continha e arranhava toda a extensão de pele que minhas unhas conseguiam alcançar, sentindo toda a extensão de suas costas fortes; e ele não estava logo atrás. Beijava a pele nua de meu pescoço e suas mãos estavam firmemente agarradas à minha cintura, como se assim ele fizesse para conter-se um pouco mais.

A noite foi, num geral, longa. Acabei por dormir – praticamente desmaiar – às quatro horas da manhã, arfando, sobre o peito de Regulus.


A luminosidade do fim de verão, mesmo barrada pelos vários tecidos da cortina, foi suficiente para entrar pelas frestas das cortinas do quarto e me acordar. Em plenas sete horas da manhã. Eu mal tinha dormido três horas e nem me sentia cansada. Certo, eu realmente devia ter algum problema.

Espreguicei-me e notei algo pesado pressionado contra meu corpo. Levei um susto quando meus olhos focalizaram Regulus, nu, abraçando a minha cintura também nua, e dormindo profundamente.

Que droga é essa?, minha boca se abriu para formar o grito, mas me contive e não deixei o pensamento deixar minha mente.

Num instante todos os acontecimentos da noite anterior voltaram a mim em flashes, e deixei escapar um suspiro. Retirei as mãos de Regulus de cima de mim com cuidado para não acordá-lo. Levantei-me, peguei uma muda de roupa qualquer e vesti-me sonolentamente. De repente um barulho estranho cortou o silêncio pesado do quarto. Movi minha cabeça instintivamente para ver se Regulus havia acordado, mas ele continuava em outro mundo. Percebi, então, que o barulho vinha de minha barriga, que roncava. Estava morrendo de fome. E também tinha de pensar. Eu não conseguia pensar com fome. Conclusão: precisava comer alguma coisa.

Desci as escadarias em tropeços, adentrei a cozinha e me joguei em cima de um banco da cozinha. Um dos elfos veio até mim e puxou a bainha de minha camiseta para chamar a minha atenção.

- Ahn? – grunho. – Ah, oi, Mickey, bom-dia.

- Mickey deseja bom dia! A Senhorita Hunter acordou cedo hoje! O que vai querer de café da manhã?

- Chocolate quente, Mickey. E panquecas. Com muito syrup. Preciso pensar.

Ele assentiu e correu para preparar tudo. Voltou em menos de um minuto depois, com uma bandeja pronta em seus braços. Mal agradeci e já começava a devorar tudo. Em questões de segundos já tinha nutrientes suficientes no organismo para poder raciocinar.

Ok, Julia, você fez besteira. Muita besteira para uma noite só.

Tudo vinha em alta velocidade e eu já estava ficando com dor de cabeça.

Argh, vai devagar, cérebro. Vamos enumerar. Qual foi a primeira besteira da noite? Um: eu não devia ter escutado Lisa, devia ter ignorado-a como sempre faço. Dois: não devia ter aceitado o pedido de casamento e, com certeza, não devia ter retribuído o beijo. Três: devia ter armado um escândalo. Quatro: devia ter socado meus pais. E cinco: pelas meias listradas de Merlin, em toda a sua sã consciência, eu não devia, de maneira alguma, ter dormido com Regulus.

É, a lista está razoável, pensei. Engoli o último gole do chocolate quente e resolvi subir para ajeitar tudo.

- Eu vou acordá-lo e explicar tudo, é – murmurava repetidamente para mim mesma, enquanto subia as escadas para chegar em meu quarto. – Então vou lhe dar um beijo no rosto, pegar minha mala e dar o fora daqui. É, isso mesmo, vou acordá-lo e...

Abri a porta e vi todo o meu plano se desmoronar na minha frente ao encontrar um Regulus já acordado, sentado na cama e massageando a testa; parecia irritado.

- Que droga, Julia! – ele exclamou ao me ver ali na porta. – Achei que você tinha fugido de mim depois de acordar. E olha que são só sete horas! Vem cá, me dá um beijo de bom dia...

Ele veio até mim e me puxou para um abraço, enquanto me beijava com ternura. Eu, contudo, não retribuí, nem o abracei – apenas permaneci ereta e um pouco tensa em seus braços. Percebendo isso, Regulus me soltou e me olhou nos olhos, sério.

- Algum problema?

- Não dá, Regulus. Pra mim não dá.

- Não dá o quê? – ele perguntou receoso.

- Eu não posso fazer tudo isso - ele me olhou, demonstrando desentendimento. - Eu não posso me casar com alguém que eu não amo.

- Mas... mas... – ele murmurou, extasiado, agarrando os cabelos com força, buscando palavras. – Eu te amo, Julia! Isso é o que importa! Você não pode simplesmente ignorar o que eu sinto por você!

- Eu estava ignorando tudo isso ontem, Reg. Foi puro egoísmo dormir com você, como se eu correspondesse aos seus sentimentos.

- Você está sendo egoísta agora! Você não pode me deixar... eu te amo, eu te amo – ele me puxou para um abraço incômodo, afagando meus cabelos.

- Regulus, não... – me contorci até soltar-me do aperto. – Você é... incrível – funguei. Não podia começar a chorar. – Mas eu estaria sendo egoísta ao ficar com você, com você me amando e eu só... fingindo. Eu me sinto como se estivesse te usando! E eu não posso aprender a te amar. Tudo isso... não é certo. Eu tenho que ir.

Passei reto por ele e me dirigi ao meu armário; peguei um dos malões que lá estavam guardados e o coloquei sobre o chão. Comecei a jogar todas as roupas dentro da mala, sem tomar cuidado para não amassá-las, enquanto me alternava em secar algumas lágrimas que insistiam em escorrer e tentar ignorar Regulus, que permanecia imóvel, estático e de pé, no mesmo lugar em que eu o deixara.

- Como assim "ir"? – ele pergunta de repente, sobressaltando-me, no momento em que fechei a mala com um estrondo.

- Eu estou indo embora. Desse lugar, dessa casa, dessa família.

- Você vai fugir? Que nem o meu irmão fez? – ele exclamou, indignado.

- Reg, eu realmente não estou me inspirando no seu irmão, apesar de que a situação dele me pareça familiar – eu disse, enquanto acariciava sua bochecha bondosamente com a mão. – Eu queria fazer isso há muito tempo. De verdade. Mas agora eu tenho várias justificativas.

- E você vai ficar bem? – ele disse, pegando a minha mão e segurando-a com um pouco de força. – Se você tiver qualquer dificuldade, você jura que vai tentar fazer contato comigo?

- Claro que sim, Reg – murmuro com um sorriso; meus olhos brilhantes de lágrimas.

- Eu te amo. Conte sempre comigo – ele beijou minha mão com ternura e a soltou, deixando-me livre. Era a minha liberdade. – Eu te amo. De todas as maneiras.

- Eu também. Eu também te amo, Regulus – digo com firmeza. – Mas não de todas as maneiras. Adeus.

E saí correndo, com a mala sacudindo e fazendo um barulho tremendo atrás de mim. Ao chegar na sala, meus pais, que vinham correndo, alcançaram-me.

- Que porcaria você está fazendo? – meu pai exclamou, com a mão sobre a varinha, guardada em seu bolso.

- Onde você pensa que vai com essa mala?– minha mãe rugiu. – Está fazendo um barulho dos infernos! Onde você pensa que vai com essa mala? O que você pensa que está fazendo?

- Fugindo.

- Você que pensa – meu pai disse friamente, frizando cada palavra. Veio até mim, puxou-me pelo braço e apertou a ponta de sua varinha contra o meu pescoço até doer.

- Você está me machucando – sussurrei.

- Essa é a intenção, querida. É melhor você desistir dessa loucura agora, ou as coisas podem ficar piores, não duvide de mim – ele sibilou no meu ouvido. Minha mãe encarava a cena sem demonstrar emoções. Engoli à seco. Realmente, eu não duvidava nada dos dois.

- Duvido que você o faça – blefei agora pegando minha própria varinha e apontando para a garganta dele. – Você nunca mancharia sua imagem. E Regulus está lá em cima, ele sabe de tudo. É melhor você me soltar.

Edward me encarou com os olhos queimando de fúria e me soltou rudemente.

- Então vá logo, sua ingrata.

- Digam para Lisa que ela pode ficar com os meus perfumes e meus sapatos de salto alto; estão no meu armário. Tchau. Espero que vocês morram.

Abri a porta e saí correndo mundo afora.

Como eu tinha previsto, a luz do fim das férias de verão era forte, e tornava o cenário bonito. Chovia, mas a temperatura estava agradável e eu deixei que a chuva molhasse-me um pouco. Alguns pequenos animais, como esquilos e coelhos, corriam pelo gramado e alguns pássaros que eu não era capaz de identificar cantarolavam canções.

O mundo parecia mais bonito.

Eu estava livre. Finalmente livre.