Pena.

Era só isso que eu conseguia sentir naquele momento. A mais pura e singela pena.

Olhei para alguns outros convidados e tive certeza que sentiam o mesmo que eu. Um dos dois sobrinhos dos Prewett havia arrancado uma das flores dos arranjos e puxava as pétalas dela com impaciência. Eram arranjos lindos, todas as flores eram do jardim da família de Alec. Lembro-me de Dorcas me contando isso com os olhos brilhando de felicidade.

A mesma felicidade que não parecia existir mais em lugar nenhum.

Seus olhos castanhos procuravam o inexistente por aquela igreja. Olhos assustados não combinavam com o belo vestido que usava. O vestido cobria desde o começo de seu pescoço até os pés que não paravam quietos, os cabelos cuidadosamente enrolados para a ocasião já estavam perdendo a forma. O véu branco já havia sido retirado de sua cabeça e agora estava sendo apertado em suas mãos.

Já estávamos lá por quase duas horas e Alec não apareceu.

Dorcas olhava a porta da igreja praticamente sem piscar. Os lábios, hoje pintados de rosa, estavam espremidos de angústia. Ela abaixou os ombros e soltou mais um suspiro. Era visível que o autocontrole dela estava no limite.

Alec não podia ter feito isso com ela. Alec Lennox amava Dorcas Meadowes. Isso era fato. Não havia dúvidas quanto a isso, nunca houve.

"Então porque ele não viria ao próprio casamento?"

Provavelmente era essa a única pergunta sem resposta até o momento. Os poucos convidados para aquele casamento feito às pressas em uma capela trouxa, ainda se mantinham em suas posições em respeito a Dorcas.

Lily estava sentada na primeira fila, ao lado de James e Peter. Marlene e Sirius estavam junto a Emmeline e Mary do lado de fora da igreja pensando em uma maneira de se comunicar com Alec.

- Ele não virá. Vamos embora. – disse Dorcas em tom de derrota.

- Deve ter surgido um imprevist...

- Ele não vem, Alice. – A voz de Dorcas parecia estar sendo forçada para sair - Ele não virá mais. – Os olhos dela estavam cheios de lágrimas, mas nenhuma escorria – Agora vamos embora, por favor?

Os olhos castanhos se encontraram com os meus. Era tão real a dor que ela sentia que eu quase podia tocá-la. E se eu realmente pudesse fazê-lo, eu a tomaria toda para mim, Dorcas não merecia sofrer...

Dei passos largos até chegar ao lado dela no altar. Passei meus braços pelas costas dela enquanto sentia as mãos dela me abraçando pela cintura.

Ela suspirou mais uma vez, mas agora deixando as lágrimas escorrerem finalmente. Dorcas se manteve de cabeça baixa até nós chegarmos ao outro lado da rua para aparatarmos.

Dois segundos antes de eu ser guiado até o lugar que Dorcas escolheu, olhei seu rosto mais uma vez. Os olhos castanhos estavam quase negros, os lábios entreabertos praticamente sem batom e algumas gotas do seu choro estavam presas em seus cílios.

Merlin, ela realmente não tinha idéia do quanto estava linda naquele dia.

Estava chovendo, mas ela parecia não se importar. Os ombros do vestido negro já estavam ensopados. As mechas do cabelo dela que estavam grudados na pele de seu rosto e ela ainda sim não se importava.

Nada mais importava para ela.

A barra de seu vestido pingava numa enorme poça na terra perto de seus sapatos sem salto. As unhas, que sempre estavam bem pintadas e feitas, agora estavam roídas e quase sem forma. Ela não havia se dado ao trabalho de se maquiar esta manhã e nem ia se dar ao trabalho de fingir estar com uma boa aparência mesmo todos sabendo que ela não estava nada bem.

Dorcas havia perdido sua vontade de viver.

O corpo de Alec fora encontrado sem vida há algumas quadras de distância da igreja, com cortes profundos tanto no rosto, como no peito e nos braços. Os músculos ainda tensos diziam que ele havia sido brutalmente torturado antes de usarem a Maldição da Morte nele. As alianças ainda estavam em seu bolso.

Marlene tinha a teoria que ele já estava morto antes mesmo de chegar perto da capela, provavelmente o haviam pego ainda em casa. Mas isso realmente não importava mais.

A mãe de Alec, Selina, estava abraçada com Dorcas. Ela tinha os cabelos claros, bem diferentes dos de Alec, mas os olhos eram exatamente do mesmo azul. Era um azul turquesa, muito chamativo. O pai de Alec havia morrido há uns três ou quatro anos atrás, um tempo antes de Dorcas e ele se conhecerem.

E agora pai e filho estavam lado a lado. Olhei para a lápide de mármore azul escuro. Algumas gotas de chuva a salpicaram, enquanto outras escorriam pelo nome completo de Alec escrito em prata.

"Amado filho e amigo. Sua lembrança nunca será esquecida." Dizia logo abaixo do nome.

Alec era o último de uma longa linhagem de sangues puro. Os Lennox tinham uma estranha e curiosa "maldição", eles não podiam ter mais do que um herdeiro em cada geração. Dorcas vivia dizendo que eles iriam quebrar essa regra, já que sonhava em ter ao menos três filhos, e ele sempre ria com esse comentário.

Mesmo ele não fazendo parte da Ordem oficialmente, Alec ajudava como podia com o seu trabalho no Ministério. Até algumas semanas atrás, ele era parceiro e ajudante de Amélia Bones no Departamento de Execuções Das Leis Bruxas, e assim tinha acesso a muita coisa que interessava a Ordem.

Ele havia pedido demissão no exato momento em que Bartolomeu Crouch assumiu como Ministro Chefe. Alec sabia que se Crouch tivesse tanto poder nas mãos, nada poderia detê-lo para distorcer as regras para incriminar inocentes.

Pessoalmente, achei que a linhagem dos Lennox havia terminado com o mais digno deles.

- Eu te amo, Alec.

Não me virei para ver Dorcas sussurrando. Senti os dedos dela enlaçarem os meus. Lhe apertei a mão junto a minha num gesto de solidariedade.

Mais tarde naquele dia, ela me implorou para que eu nunca a abandonasse. Jurei que nunca o faria.