A Cama que sonhava
Título: A Cama que Sonhava
Autora: Final Fairy
Sinopse: A dependência... é uma coisa boa ou ruim? Tentar alcançar um sonho... é saudável, mesmo quando atrai somente sofrimento? Amar... amar tem condições? UA.
Disclaimer: Beyblade pertence, na realidade, à Takafumi Adachi. E, não, essa fic não tem fins lucrativos.
Nota da autora: Bem, sobre essa fic... há muito tempo que eu queria escrever um background da primeira fic que publiquei aqui no Fanfiction (When the night is blind), só que, entretanto, os anos se passaram e minha mente se voltou para coisas muito diferentes. Contudo, durante as férias de verão, acabei por ter essa ideia, após ver o filme O Cisne Negro (que eu recomendo). Trata-se, como já avisei na sinopse, de um universo alternativo, focando-se nos meus personagens preferidos, Kai, Tala e Boris, mais uma mostrenga criada por mim, rsrsrs. A história situa-se em St. Petersburgo, e haverá grandes saltos na linha temporal, mas creio que bastante perceptíveis. Estou muito entusiasma por publicá-la, já que é um verdadeiro regresso às origens. E, de coração, espero que vocês gostem, apesar do estilo diferente, que a acompanhem, e que comentem. Kissus, boa leitura =)
Dependência
—... Oito... Nove... Nove e meio... Dez! Prontos ou não, aqui vou eu!
Kari saiu correndo pelos corredores do imenso casarão à despeito do facto que caso fosse apanhada, seria gravemente reprimida. Ela olhou por debaixo dos móveis — e saindo como flecha até ao próximo corredor, abrindo e fechando portas, entrando e saindo dos quartos, puxando cortinas e olhando debaixo das camas à procura de algum sinal do irmão ou do primo. Só que coisa! Tinham se escondido muito bem, desta vez!
Kari tinha seis anos, um ano mais nova que o irmão e que o primo, Tala e Kai, que tinham nascido na mesma altura. As governantas costumavam dizer que era promessa; coisa das mães dos meninos, que eram muito amigas desde criança. Promessa ou coincidência, um era do dia 28 de Julho e o outro do dia 2 de Agosto.
— Ah! Achei você! — A menina abaixou-se de repente, deparando-se com um espaço vazio. Fez biquinho. Poxa, onde eles estavam? Olhou em volta, engatinhando até uma porta e devagar, quase inaudível, rodou a maçaneta. Era a porta do escritório do pai e apesar de Kari saber que ele ficaria muito bravo se a encontrasse ali, não conseguiu conter-se. Além do que sabia que era o lugar perfeito para esconder-se. Quando viu que não tinha ninguém, entrou, fechou a porta, e começou a procurar pelos meninos.
— O que pode ser tão urgente que precisa falar comigo, Voltaire? — Ao ouvir a porta sendo aberta e a voz do seu pai, Kari apressou-se a esconder-se no armário. Dimitri entrava, seguido de Voltaire, e logo se sentava na poltrona, servindo-se de uísque.
O velho e austero homem fitou o genro de cima, antes de servir-se e sentar-se.
— É sobre o Yuri. Acho que é mais do que tempo de mandá-lo para o internato.
— Bobagem. Violetta e eu decidimos que só iria ao completar dez anos.
— E Violetta está viva? — Voltaire perguntou com secura, provocando um arrepio desagradável na espinha de Dimitri. — Mortos não decidem nada, Dimitri. Viu o garoto; ele tem talento. Precisa desenvolver isso, e quanto mais cedo melhor. Ou acha que ele se tornará no melhor patinador do mundo da noite para o dia?
— Oras, senhor Voltaire. Melhor do mundo? Estamos falando de uma criança!
— Estamos falando do futuro da patinagem do gelo, Dimitri! Como pode ser tão cego? Imagine o Yuri e o Kai patinando juntos pela Rússia... competindo pelo título!
— Oh não- não irá mandar o Kai para aquele colégio, vai?
— Já o fiz. Estará indo para Academia assim que as férias terminarem.
— Isso é loucura. O senhor é louco! Não permitirei que faça isso.
— E o que fará para me impedir? — Voltaire abriu um sorriso malicioso, rodopiando a taça de bebida na mão — Eu sou o tutor legal daquela criança.
— Maldita hora que permiti que isso acontecesse.
— Consigo segurar aquela vaga por algum tempo, ainda — Disse, imperturbável. — Estamos em Junho... tenho a certeza que conseguirei convencê-lo até Setembro, meu querido genro.
Dimitri não respondeu, limitou-se a observar Voltaire acabar de beber o uísque com sua natural frieza; frieza essa que também lhe era característica. E pôs-se a pensar. Verdade que o filho era um natural para a patinagem artística, e verdade que mandá-lo para a academia de St. Petersburgo já lhe tinha passado pela cabeça. Entretanto Violetta não o permitiria; vivia dizendo que o garoto só devia afastar-se de si aos doze, quando muito aos dez. Ele bebeu o uísque num só gole, sua falecida mulher não tinha nada em comum com o obstinado pai. Talvez fosse por isso que ele não sentira tanto a sua morte quanto sentira do filho mais velho, o pai do pequeno Kai.
Ele soltou um suspiro resignado. Mas parecido com Voltaire ou não, Susumu nunca admitiria que o filho fosse enviado para a Academia tão cedo. Viu-se no dilema.
Kari teve que esperar muito tempo para sair do escritório, e quando conseguiu finalmente fazê-lo, Tala e Kai já estavam a procurando. Foi só dobrar o corredor para encontrá-los.
— Kari! Onde você estava? Estamos te procurando há horas! — O jovenzinho de cabelos fogueados ralhou, muito irritado. Só depois reparou que a irmã estava chorando, e preocupou-se. — Kari? Que foi, maninha?
— Eu não quero que você vá para o colégio, Yuri! Nem você, Kai!
Tanto Kai quanto Tala fitaram-se, confusos.
— Que colégio, do que fala?
— A Academia de Patinagem... vovô e papai estavam discutindo isso no escritório.
— Estava ouvindo atrás da porta? — O tom censurador do mais velho abriu o muro de defesas da menina.
— Eu só estava procurando por vocês!
Kai preocupou-se. Já tinha ouvido o avô comentar algo como ir para um colégio interno, mas nunca o levou muito a sério, em parte porque sabia que seus pais não deixariam. Mas agora que não tinha mais pais... ele balançou a cabeça veemente, não querendo pensar no assunto. Não queria ir para Academia alguma! E não iria!
— Ah, sua bobona, pare de chorar. Não vou a lado algum, certo? Como se eu pudesse deixá-la sozinha... — Tala suspirou, puxando a irmã menor para um abraço. — E o Kai também não vai, não é, Kai? Kai. Kaaai!
O menino balançou a cabeça, dispersando seus pensamentos e encarando o primo.
— Ah, é. Eu não vou a lugar nenhum também, Kari. Nós somos uma família, lembra? Família fica junta.
— Prometem? — A chorosa menina perguntou, limpando as lágrimas com a manga da blusa.
— Prometemos, prometemos. — Yuri atalhou, rolando os olhos sobre as órbitas, e de facto, sem se importar muito com o que dizia. Não porque queria separar-se da irmã, óbvio, mas porque não julgava que isso fosse um dia possível. — Agora podemos, por favor, voltar a brincar?
— Você procura desta vez! — Kari abriu um sorriso, separando-se do irmão num salto e esquecendo-se das suas preocupações anteriores.
— Nada disso! Você procura! Não conseguiu achar a gente!
Kari armou uma carranca.
— Não quero procurar de novo — E fez biquinho, pensando. — Já sei! Kai procura!
E dito isso, saiu correndo. E Yuri, para que não sobrasse para ele, deu de ombros e saiu correndo também. Com um suspiro, Kai encostou-se a parede.
— Por que sempre sobra para mim? Um... dois... três...
Dona Marie era uma senhora já de idade, gorduchinha e muito baixa, de cabelos grisalhos que outrora foram muito ruivos e ondulados. Seus olhos eram escuros; e enquanto arrumava a cama da pequena, brilhavam com divertida desconfiança, já que sua pupila estava tão quietinha (coisa que nunca acontecia). Ela esperou que Kari escalasse até a cama e acomodou-a debaixo dos lençóis para perguntar o que estava errado.
Kari hesitou, contrariando sua natureza intuitiva, e ficou observando os dedos gorduchos da governanta alisando seu ombro por cima do pijama por um bom tempo. Quando Dona Marie já tinha desistido, perguntou:
— Dona Marie... você acha que papai gosta de mim?
— Oras, criança! — A governanta elevou a mão ao peito, indignada com aquela pergunta. — Claro que seu pai gosta de você! Que tipo de pergunta é essa?
— Se ele gosta de mim... — Começou a menininha, colocando o cabelo atrás da orelha e observando dona Marie com um olhar de lógica — Então ele nunca faria nada para separar o Yuri de mim, certo? Nem o Yuri nem o Kai.
Dona Marie franziu o cenho sobremaneira, estranhando. Verdade que ouvira, há pouco tempo, um pequeno rumorar do patrão e do velho e desagradável Voltaire sobre internar os dois meninos num colégio. Contudo, por saber que a falecida Violetta era contra, supôs que o senhor Dimitri nunca admitiria aquela ideia absurda. Poderia estar errada?
— Oras, mas por que se preocupa tanto com essas coisas? O que ele poderia fazer para separá-los de você, hein? E que coisa! Essa dependência que você tem daqueles meninos! Eu devia proibi-la de brincarem juntos.
Os olhinhos azuis da pequena arregalaram-se e encheram-se de água.
— Não! Oh, não, dona Marie! Tudo menos isso!
— Tudo menos isso... — Marie voltou a franzir o cenho. — Realmente, essa vossa dependência me preocupa! Bem, boas noites, pequena Kari. Durma bem. Sonhe com os anjos...
Quando as luzes foram apagadas e os passos da dona Marie estavam longe demais para serem ouvidos, Kari voltou-se para um lado da cama, suspirando. Não entendia o que ela queria dizer com «dependência» nem porque queria proibi-la de brincar com o irmão e com o primo, mas entendia que tentava esconder alguma coisa de si. Dona Marie sempre ficava nervosa e fazia um monte de perguntas retóricas quando não queria contar alguma coisa. Ela respirou fundo, limpando as lágrimas que nasciam insensatamente com a manga do pijama. Simplesmente sabia que levariam Kai e Tala para longe dali. Simplesmente sabia!
Tala não fez nenhum ruído ou se moveu quando a porta do seu quarto foi aberta, iluminando o recinto por alguns instantes. Com extremo cuidado para não fazer barulho, sua irmã a fechava de novo, entrando nas pontas dos pés e escalando por debaixo dos lençóis até achar seu lugar na enorme cama. Uma vez instalada, ele remexeu-se até estar virado para ela, os dois mal enxergando os brilhantes e semelhantes olhos azuis na escuridão.
— Maninho... o que quer dizer ser dependente?
Tala ficou algum tempo pensando. Já tinha aprendido aquela palavra na escola.
— Quer dizer que você precisa de alguma coisa.
— E o que quer dizer depender de alguém?
— Quer dizer que você precisa de uma pessoa.
Kari ponderou.
— Dona Marie disse-me que eu dependo de você. Quer dizer que eu preciso de você? Isso é errado?
— Acho que não! — Respondeu, com toda sua sinceridade. Por que isso seria errado, afinal? Ele continuou quieto, enquanto sua irmã apalpava o colchão como se buscasse algum tipo de conforto.
— Maninho... se você me deixar, eu vou morrer.
— Eu não vou te deixar. — Yuri disse num tom definitivo. Tinha a certeza disso. Nada o faria deixar sua irmãzinha. Iria tomar conta dela, ponto final.
— E se papai te mandar para o colégio?
— Ele não vai fazer isso.
— Mas o Kai está indo! E o vovô estava falando com o papai... — Kari mordeu o lábio inferior, querendo impedir as lágrimas. Apesar de ser nova, ela bem sabia a influência que seu avô tinha sobre as pessoas. Por isso temia-o. E detestava-o. Caso o Kai ou o Yuri fossem mesmo para um colégio, certamente que não o perdoaria!
Yuri também sabia que Voltaire era um senhor importante e poderoso. Por isso não conseguiu dizer que nem ele conseguiria mandá-lo para um colégio interno. Ele respirou fundo, aproximando-se da irmã até que suas cabeças se tocaram e capturou-lhe uma mão, por baixo dos cobertores. Tinha tanto, ou talvez até mais, medo de separar-se de Kari. Não podendo contar com seu pai – um homem muito exigente e frio, que nunca parava em casa – e perdendo a mãe muito cedo, Yuri começou a precisar da companhia da irmã. Ela era tudo o que tinha... não podia dar-se ao luxo de perdê-la.
— Você lembra-se do que o Kai disse? Família fica junta. E nós vamos ficar juntos. Para sempre.
