O poço

Meu nome é Shyori e nessa época, meu sobrenome era Yamazaki, mas meu tio me chamava de pipoquinha, ele dizia que era porque eu não parava quieta. Foi meu ultimo dia de aula, terminei a oitava série. Eu, meus pais e minha avó, morávamos em uma casa, no centro da cidade, mas tivemos que nos mudar por causa de minha loba, Yanna. Quando ela era filhote, parecia uma cachorrinha, mas com o tempo, ela cresceu bastante, agora ela está quase maior que eu, então viemos morar em uma fazenda, a beira de um rio, para que ninguém a notasse. Ao lado da casa, havia um templo antigo que me dava arrepios. Minha avó me falou da lenda de lá e me proibiu de entrar. Dizia a lenda que a mais ou menos cinquenta anos atrás, uma jovem, de cabelos loiros e cacheados, matou todos os monges e sacerdotisas de lá e depois se jogou no poço para morrer. Desde então, ela volta e leva com ela as almas dos que se aproximam de lá, direto para o inferno. Claro que era só uma lenda, e eu não acreditava nessas coisas, mas tinha minhas dúvidas, já que aquele lugar havia sido abandonado antes de eu nascer. Sempre tive curiosidade de ir até lá, mas o medo sempre falou mais alto, até aquele dia...

- Shyori! Venha almoçar! – Gritou minha mãe.

- Já vou! – Respondi.

Saí de meu quarto, sentei no corrimão da escada e desci escorregando. Dei de cara com a minha mãe.

- Shyori! Já falei quantas vezes para você não fazer isso? – Ela me passou um sermão.

- Não sei, você fala toda vez que eu faço. – Retruquei.

- Shyori, não retruque sua mãe, ela só quer o seu bem. – falou meu pai, sentado à mesa.

- Desculpa mãe. – Falei cabisbaixa.

Ela sorriu para mim.

- Agora vá sentar, vou servir o almoço. – Mãe.

Concordei com a cabeça e fui me sentar.

- Que cheiro bom, isso é... – respirei fundo, para sentir melhor o cheiro. – espaguete?

- Sim, do jeito que você gosta, com bastante molho. – Mãe.

- Mmm, pelo cheiro deve estar ótimo. – Pai.

Minha mãe pegou a panela e a trouxe para a mesa. Quando abriu aquela tampa, o cheiro ficou ainda mais forte, fiquei com água na boca. Eu fui a primeira a pegar. Comecei a comer rápido.

- Shyori, calma, desse jeito você vai se afogar menina. – Mãe.

Ignorei-a.

- Shyori, coma devagar, mastigue bem a comida minha filha. – Pai.

- Ta bom, ta bom. – Revirei os olhos.

Comecei a comer devagar, mastigando lentamente. Ficou um silencio por alguns minutos até que:

- Como é que vai seu namorado? – Mãe.

- Ela tem um namorado? E eu não sabia? – Pai.

- Mãe! – Resmunguei.

- Sim, o nome dele é Takeshi. – Mãe.

- Mãe! Ele não é meu namorado! – Resmunguei novamente.

- Aham, sei. – Minha mãe falou ironicamente.

- Pai, não ligue para o que a mãe falou, é mentira dela. – Falei olhando diretamente para o homem, que soltou um risinho no mesmo instante.

Takeshi era um amigo da escola, um ano mais velho que eu. Não sentia nada diferente de amizade por ele, mas minha mãe, como adorava me irritar, vivia pegando no meu pé com isso, e ainda foi falar pro meu pai que eu estava namorando, justo com Takeshi. Imaginem se ele ficasse sabendo que minha mãe falou isso. Ai meu deus, mas continuando...

Terminei de comer, levantei-me da mesa e coloquei o prato em cima da pia, então fui até a porta, mas antes de sair, fui interrompida.

- Onde pensa que vai mocinha? – Mãe.

- Vou com Yanna até a beira do rio. – Respondi.

- E a louça? – Ela perguntou.

- Ah mãe. Quando eu voltar, eu lavo. – Choraminguei para ela.

- Tudo bem, mas volte logo e tome cuidado. – Mãe.

Concordei, já andando pra fora da porta.

Fui para trás da casa, até o campo onde Yanna ficava. Lá havia um pote para comida e outro para água, uma casinha, uma bola e um tapete. Todos adequados ao seu tamanho. Aquele lugar era cercado por uma grade alta, mas nós nunca trancávamos o portão.

Eu tinha uma conexão diferente com ela. Entendia tudo o que ela falava e a mesma me entendia também, porém meus pais não sabiam disso, e se eu contasse, me chamariam de louca.

Avistei Yanna. Ela estava deitada no tapete, de barriga para cima, parecia entediada.

- Yanna. – Ela virou-se rapidamente. – Vamos até a beira do rio?

A loba levantou e veio até mim. Juntas, fomos até o lago.

Sentei-me em uma pedra e olhei para a água, estava tão linda. O sol refletia ali, fazendo-a brilhar. Yanna veio bem perto de mim e me cutucou com o focinho.

- O que foi?

Ela olhou para trás, apontando algo. Olhei também. Era meu tio.

- Cadê a pipoquinha linda do tio? – Ele falou todo sorridente.

- Tio! Eu já tenho quinze anos, não sou mais uma criançinha.

- Ta bom, pipoquinha. Trouxe uma coisa para você, não é um grande presente, mas acho que você vai gostar. – Ele falou com uma pequena caixinha vermelha em mãos.

Levantei-me e fui correndo até ele, que me entregou o pequeno embrulho. Abracei-o e o agradeci. Dentro, havia uma pequena pulseira.

- Essa pulseira ficou comigo por muito tempo, mas é sua por direito. Acho que já está na hora de devolvê-la a você.

- Mas, como você a conseguiu? – Perguntei confusa.

- É uma longa história. – Ele respondeu.

- Eu não tenho nada para fazer hoje. – Retruquei, com ar de malandra.

- Mas eu tenho, me desculpe pipoquinha. Outro dia eu lhe conto. – Ele falou todo nervoso, já dando as costas a mim.

Assenti, mas sabia que ele me escondia algo.

- Tchau Tio. – Me despedi, por educação.

- Tchau pipoquinha. – Ele respondeu-me apressado e logo já não o via mais.

Voltei e sentei-me novamente na mesma pedra, Yanna não havia movido um músculo de onde se deitara. Ficamos assim por alguns minutos. Yanna parecia dormir, o que me deu uma ideia. Calmamente me levantei e aproximei-me do rio. Levei minhas mãos até a água, visando molhar Yanna, enquanto olhava para a mesma, checando se ela não perceberia o que eu estava prestes a fazer. Mas um pouco antes das minhas mãos tocarem a água, Yanna levantou-se rapidamente e me empurrou com tudo no rio, me molhando inteira.

- Como ousa fazer isso comigo? – Perguntei em tom raivoso, mas somente brincava com ela.

Ela sentou-se no chão, com a fuça empinada e logo latiu orgulhosa.

Olhei-a com um sorriso maroto no rosto e levantei-me, indo a sua direção.

- Yanna, vem aqui, quero te dar um abraço, minha lobinha. – Falei enquanto caminhava.

Ela logo correu, e eu fui atrás. Não conseguia pegá-la, até que parei em um lugar. Fiquei apenas olhando-a, que logo veio correndo, deu a volta em mim e encostou seu focinho em minha cabeça. Virei-me rapidamente para trás e, novamente, ela deu a volta e encostou o focinho em minha cabeça. A loba fez isso repetidas vezes, até que em uma delas eu fui mais rápida e saltei em cima dela, molhando todo seu pelo.

- Shyori! – Minha mãe gritou da janela. - Chega de brincar com Yanna. Vá tomar banho e não demore, ou nós vamos nos atrasar.

Olhei assustada para minha mãe.

- Ah, não me diga que você esqueceu? – Ela resmungou.

- Não, não, não esqueci não. – Falei mais assustada.

Mas eu menti, não tinha a menor ideia de onde nós íamos.

- Por que ainda está aí parada, vamos, apresse-se. – Mãe.

Corri para dentro de casa, subi as escadas e fui direto para o banheiro. Tomei banho e logo saí do banheiro. Ainda enrolada na toalha, fui até meu quarto. Joguei o pano molhado em cima da cama, abri o guarda roupa e me vesti. Coloquei o básico: uma calça jeans e uma camiseta branca. Mas lembrei o que minha mãe havia dito, então para me prevenir, coloquei um coletinho preto por cima. Calcei um tênis branco e fui até minha penteadeira. Sequei meu cabelo e me arrumei.

- Shyori, você esqueceu isso lá fora. – Minha mãe trouxe a caixinha vermelha com a pulseira.

- Obrigada mãe. Foi tio Ryotaro que me deu, e a propósito, ele mandou um oi pra vocês.

Ela sorriu e desceu as escadas. Abri a caixa e coloquei a pulseira.

- Shyori! Rápido! – Minha mãe gritou lá de baixo.

Desci correndo as escadas.

- Escovou bem os dentes? – Mãe.

- Sim, mas por que essa pergunta? Você sabe que eu sempre escovo.

- É que não quero que você vá ao dentista com os dentes sujos. – Mãe.

- Dentista? – Falei assustada, já que tinha pavor de dentista.

- Sim. – Ela respondeu clara e direta.

- O q-que ele vai fazer? – Falei gaguejando.

- Calma querida, ele só vai olhar seus dentinhos. – Mãe.

- Eu preciso ir mesmo? – Choraminguei.

- É claro que sim. Agora vá para o carro. – Ela respondeu.

Revirei os olhos e fui até o carro, morrendo de medo. Meu pai estava me esperando e logo que entrei no carro, partimos dali.

No consultório odontológico, sentei-me no sofá da sala de espera.

- Shyori, você já esta mocinha, papai tem que sair, você volta sozinha para casa? – Meu pai falou em pé, ao lado da porta de fora.

- Volto sim. – Concordei.

Nisso, o ortodontista abriu a porta e me chamou.

- Tchau pai.

- Tchau filha.

Entrei naquela sala branca e me sentei na cadeira, tremendo internamente, se é que isso é possível.

- Agora abra a boca bem grande.

Obedeci.

- Hum... Curioso... Naomi, olhe isso. – Ele falou impressionado.

A assistente aproximou-se de mim e olhou meus dentes. Logo também ficou impressionada, o que me deixou mais nervosa ainda.

- Tem algo errado? – Perguntei morrendo de medo.

- Bom, eu ainda não sei, mas acho que não.

- M-mas, como assim?

- Todos os seus dentes, mas principalmente os caninos, mais do que o normal, e também estão super afiados. Se eles não estivessem em sua boca, eu diria que são dentes de alguma aberração canina, sem ofensa, é claro.

Eu acabei rindo e todos na sala me acompanharam, o que quebrou o gelo ali.

- Veja você mesma. – Ele pegou um espelho e colocou em minha boca.

Realmente, meus dentes estavam bem grandes, mas eu achava normal, já que há algum tempo estavam assim.

- E então, pretende deixá-los assim, ou quer lixá-los?

- Estou acostumada com eles assim. Mas... O que vim fazer aqui? – Perguntei.

- Basicamente, nada. Como você não costuma ir a um dentista, seus pais estavam preocupados com sua saúde dentária, mas além dessa pequena anormalidade, você tem os dentes perfeitos.

- E o pagamento, como fica?

- Não vou cobrar nada, não tive trabalho nenhum.

Agradeci a ele e saí do consultório. Eu estava no centro da cidade. Comecei a caminhar pela calçada, voltando para casa, quando chamaram minha atenção.

- Shyori!

- Ei Shyori!

- Espere!

Parei no lugar, reconhecendo as vozes. Eram minhas amigas de escola.

- Yuki, Akemi, Keiko, o que vocês estão fazendo aqui? – Perguntei.

- Nós estávamos comendo na lanchonete da esquina, então vimos você passar e viemos falar com você. – Akemi falou, quase eufórica.

Não tenho muito a falar delas, mas vou começar por Yuki. Ela é o tipo de garota que todos os pais sonham em ter. Era estudiosa e esforçada, sempre tinha as melhores notas da casse. Também era calma, legal e obediente, mas era muito tímida e acreditava em príncipes encantados.

Akemi era o oposto. Era super estressada e qualquer coisinha era motivo para briga. Também era ciumenta e tagarela, mas tinha qualidades também. Era companheira e leal a seus amigos, sempre disposta a ajudar quando alguém precisasse

Por ultimo e não menos importante, Keiko. Ela era a típica patricinha legal. Era super vaidosa e extravagante, sempre querendo as coisas perfeitinhas, algumas vezes se tornando arrogante por conta disso. Todos os meninos babavam por ela, já que era a menina mais bonita da classe. Sempre estava arrumada, até mesmo para ficar em casa. Isso é que era ter alto-estima. Gostava muito de todas elas, mas às vezes me irritavam, pelo fato de serem muito desconfiadas, turronas e curiosas. Quando colocavam algo na cabeça, te importunavam até conseguirem.

- Mas então, o que você esta fazendo aqui? – Akemi.

- Acabei de sair do dentista. – Respondi.

- Que chato, odeio dentistas. – Akemi.

- Eu também. – Falei.

- Somos três. – Yuki.

- Quatro. – Keiko.

- Então, está preparada para entrar no templo hoje à noite? – Akemi.

- Hã? – Indaguei desentendida.

- Não acredito que você esqueceu! – Keiko.

- Esqueci o que? – Perguntei.

- Que hoje nós três vamos dormir na sua casa e a noite, vamos entrar no templo. – Keiko.

- Ah, é mesmo, tinha me esquecido. Estou com a cabeça na lua. – Me desculpei.

- Sua mãe deixou? – Yuki.

- Vocês irem dormir lá em casa, sim. Entrar no templo, nem pensar.

- Mas ela não precisa saber. – Akemi falou com ar de malandra.

Todas concordaram, mas eu permaneci indiferente sobre o assunto.

- Agora preciso ir. Tenho que arrumar a casa pra quando vocês forem lá. Até mais.

- Tchau. – Yuki.

- Até mais. – Akemi.

- Até depois. - Keiko.

Eu havia me esquecido delas, então no meio do caminho, parei no mercado e comprei salgadinhos, refrigerante e chocolate. Saí de lá com uma sacola cheia de guloseimas. Senti um pequeno mal estar, uma sensação ruim, ao passar em frente ao parque, mas ignorei.

Chegando em casa, fui direto para meu quarto e arrumei-o. Eu tinha um arco e flechas e uma espada no quarto, mas minhas amigas não sabiam daquilo, então escondi tudo em uma gaveta secreta que havia em minha cama. Como eu não tinha muita coisa para fazer desde que havíamos ido morar na fazenda, comecei a treinar com a espada de meu pai, até que há alguns anos atrás, ele forjou uma pra mim. Ele também me deu o arco e flechas mas nunca o usei, nem mesmo peguei-o em mãos. Deixei quatro colchões e cobertores preparados e desci para a cozinha.

Para minha sorte, minhas amigas sabiam de Yanna e seu estranho tamanho, do contrário, eu teria que escondê-la também, o que não seria nada fácil.

Saí de casa e fui até a cerca que separava o templo da fazenda. Fiquei observando aquele lugar sombrio, com medo. Confesso que eu não queria entrar de jeito nenhum ali, mas não teria escolha.

Logo as meninas chegaram e fomos direto para meu quarto. Coloquei todos os colchões no chão e cada uma escolheu o seu. Sentamo-nos neles e tivemos uma longa conversa, basicamente sobre meninos, como tratá-los e como agradá-los.

Minha mãe bateu na porta.

- Shyori, eu e seu pai vamos a um jantar de negócios. Vou deixar dinheiro em cima da mesa, peça uma pizza para vocês comerem e se comportem. Ah, sua avó me mandou dizer para você não se aproximar de jeito nenhum do templo, mas não sei o motivo que ela tem para ter tanto medo de lá. – Minha mãe falou sem abrir a porta.

- Tudo bem. – Concordei

- Até a noite, se comportem e eu não quero bagunça. – Mãe.

- Ta, ta, chega mãe. – Resmunguei revirando os olhos.

Ela desceu as escadas e saiu com meu pai. Akemi logo me olhou, com um sorriso um tanto malicioso.

- Odeio esse seu sorriso, Akemi. Sempre vem acompanhado de alguma ideia maluca. – Falou Yuki, a mais medrosa do grupo.

Olhei rapidamente para Keiko, que acompanhou Akemi no sorriso. Quando aquelas duas se juntavam, era certeza da história terminar em problemas.

- O que vocês estão pensando, heim? Suas safadas. – Perguntei, olhando maliciosamente para elas.

- Não! Parem com isso meninas! – Yuki gritou apavorada.

Todas olhamos para ela, encarando-a. Eu sabia o que elas tinham em mente. Com meus pais fora, elas com certeza iriam querer entrar no templo.

- Ah meninas! Vocês escutaram o que a avó da Shyori falou! – Yuki apelou.

- Sim, mas também escutamos a mãe dela falar que não tem motivo para isso. – Akemi.

Yuki ficou toda apavorada.

- Então, eu e Keiko vamos. Shyori, você também vai, não é? Não seja medrosa como a Yuki. – Akemi

Assenti, mesmo com medo.

- Vamos? – Keiko falou, levantando-se e puxando Akemi.

- Já vou, vão na frente. – Falei.

- Está com medo? – Akemi.

- Bom, um pouco, mas isso não vai me impedir de ir. – Respondi.

As duas desceram lá para baixo. Yuki ficou ali, triste, sentada em seu colchão. Aproximei-me dela e abracei-a.

- Venha com a gente. Eu confesso que também estou morrendo de medo, mas não vou perder essa oportunidade, já que depois, se eu quiser entrar lá, terei que fazê-lo sozinha, em três é bem melhor, mas em quatro, e ainda quando as quatro são as melhores amigas, não tem comparação.

Ela concordou e me olhou, sorrindo. Pude ver a confiança que ela depositou em mim naquele momento.

- Vamos então. – Yuki falou levantando-se.

Levantei-me e nós duas descemos as escadas, juntas.

Já encostadas na cerca do templo, tremíamos de medo.

- Pensando melhor, acho que vou escutar sua avó. – Keiko tentou disfarçar o medo, dando uma desculpa.

- É, acho que eu também, esse lugar me dá arrepios. – Akemi como sempre acompanhou.

- Ah, cadê as corajosas que não tinham medo de entrar lá? – Perguntei, desafiando-as.

- Se está tão preocupada com isso, porque não vai você? – Akemi me retrucou, um tanto nervosa.

Olhei para ela, com medo, mas logo notei uma luz vinda de dentro do templo, o que me chamou a atenção.

- Nossa! O que será que é essa luz? – Perguntei.

- Shyori, você está bem? – Keiko.

- Sim, estou. Mas por que me perguntou isso?

- Que luz menina? Não tem luz nenhuma. – Keiko.

- Ah, acho que foi o poste de luz que brilhou em meus olhos.

Sorri para ela. Todas concordaram.

Obviamente eu menti para elas, eu realmente vi a luz, era uma luz bem forte. Quando estávamos prestes a voltar para dentro de casa, em um ato de coragem, falei:

- Eu vou entrar lá.

- Shyori? – Yuki falou assustada.

- Sim, talvez eu nunca mais tenha uma oportunidade como essa para entrar lá. – Respondi ainda corajosa.

Todas concordaram, mas nenhuma se ofereceu para ir comigo. Pulei a cerca e, com medo, fui até a entrada do templo. Escutei Yuki gritar:

- Vai dar tudo certo. Tenha coragem.

Olhei para ela e concordei, então adentrei aquele lugar velho. As paredes soltavam ruídos, como se fossem quebrar a qualquer momento.

O que me encorajava a entrar ali, era a curiosidade de descobrir de onde vinha a luz, então me aprofundei mais naquele lugar. Em uma parede, havia a moldura de um espelho, e em sua frente, no chão, vários e vários pedacinhos do espelho quebrado. Um calafrio me subiu a espinha. Me virei para o lado e avistei uma porta dupla, meio aberta. Observei pela abertura, o que parecia ser um pátio, com uma pequena casinha no meio, e cercada pelo templo.

Fui até aquela pequena casinha e dentro dela, havia o famoso poço, mas como eu estava com uma coragem imensa, fui bem pertinho dele e me inclinei para frente, tendo em mente que a origem da luz era no fundo daquele poço. Logo ouvi um barulho extremamente alto. Bem parecido com o pêndulo que havia na sala principal daquele lugar.

Assustada, perdi o equilíbrio e caí no poço. Logo percebi uma luz, que me cegou por alguns instantes. Era a mesma luz que havia visto antes. O chão sob meus pés havia sumido. Fiquei mais assustada do que nunca, até cheguei a pensar que havia morrido, mas logo me deparei ajoelhada no chão e ao olhar para cima, vi o céu estrelado.

Eu não estava mais no templo e sim num lugar totalmente desconhecido por mim. Agarrei-me nas trepadeiras existentes ali e subi. Já fora do poço, avistei de longe um vilarejo, que me parecia tão familiar. Caminhei até lá, escondendo-me atrás das árvores, para não ser notada, com a sensação de já ter estado ali antes.

Já a uma distancia razoavelmente perto de uma cabana, aconcheguei-me em um galho. Fiquei ali sentada por alguns minutos, até que de repente, senti um cheiro estranho. Rapidamente olhei em volta da árvore e uma espécie de fumaça negra me cobriu. Acabei por desmaiar.

Abrindo os olhos, me vi deitada no fundo do poço, naquela terra úmida, fitando o teto. Levantei-me rapidamente e subi pelas trepadeiras. Estava novamente dentro do templo. Não sabia dizer se aquilo havia sido realidade ou sonho, mas ainda sentia aquele cheiro forte, mesmo sabendo que era só minha imaginação, já que não havia mais nada ali. Corri até a saída, onde encontrei minhas amigas, me esperando.

- E ai, como foi? – Keiko.

- Normal. – Menti.

- E a loira? – Akemi.

- Nada, nenhum sinal dela. Acho que a lenda é falsa. – Respondi.

- Eu já sabia. – Keiko falou, toda orgulhosa.

- Aham, sei. Então por que você não entrou comigo? – Provoquei-a.

Ela fez bico e calou-se.

- Vamos entrar? – Yuki.

- Vamos, já que a Shyori falou que não tem problema nenhum. – Akemi.

Keiko concordou com a cabeça.

- Shyori, você não vem? – Yuki.

- Não, preciso ver onde está Yanna.

- Tudo bem então. – Yuki.

As três entraram no templo. Eu corri para trás da casa.

- Yanna, onde você está? – Perguntei, tentando identificá-la no meio da escuridão.

No que a loba me olhou, pude ver seus olhos brilhando. Fui até o interruptor e acendi a luz. Ela estava em seu colchão. Fui até lá e sentei-me ao seu lado. Olhei para ela, questionando meus próprios pensamentos.

- Yanna, você acredita que nada é coincidência?

Ela soltou uma espécie de choro e aconchegou-se atrás de mim, fazendo-me deitar nela, mas eu continuava me perguntando se aquilo era um sonho.

- Shyori. Vamos para dentro. As meninas já foram pro quarto – Keiko.

Concordei e acompanhei-a.

No quarto, sentada em meu colchão, não conseguia parar de me lembrar do poço.

- Shyori... Ei Shyori... Shyori, acorda! – Keiko cortou meus pensamentos.

- O que foi? O que aconteceu? – Perguntei assustada.

- Você estava pensativa, no mundo da lua. – Keiko.

- Ah, me desculpem meninas, é que estou ficando com sono.

Escutamos batidas na porta. Desci correndo lá para baixo. Meus pais haviam voltado.

- Shyori, eu quero que você e suas amigas vão dormir, pois iremos acordar cedo amanha. – Meu pai falou frio, parecia nervoso.

- Mas por quê? – Perguntei intrigada.

- Amanhã conversamos. – Ele respondeu.

Com certo medo, não o questionei mais. Voltei correndo para o quarto.

- Meninas. Temos que dormir. – Falei rápido.

Cada uma foi para sua cama, sem questionar, já que estavam todas cansadas depois da aventura no templo.