Prólogo:

O garoto tocava a gaita como sempre, no mesmo lugar de sempre, nos mesmos horários. Era sempre ele que ficava na vigília à tarde, na estação de hovertrain, com seus pés na madeira finamente talhada, na expectativa de que algo acontecesse algo que tirasse o marasmo, qualquer coisa. Bom, tinha o trem que parava uma vez a cada quinze dias, com os negociantes da cidade e de outras cidades. Mas isso era rotina. O que o garoto queria que acontecesse, era algo diferente, algo que o fizesse pular da cadeira de madeira em que estava sentado e parar de tocar sua gaita. Ela ecoava, sempre que tocava, e como ele gostava de tocá-la. Era o único prazer dele, naquele fim de mundo, onde nada acontecia a não ser um trem, a cada quinze dias.

Se ele tivesse boa memória, lembraria que uma coisa aconteceu, mas a memória a curto prazo dele era deficiente, e não fosse o fato de ele viver naquela cidade a vida toda, ele não saberia do hovertrain. No colo, estavam os primeiros tons de toda e qualquer música que ele tocava em sua gaita, sempre esperando serem novamente compreendidos, entendidos, decifrados, tocados. A essas alturas, ele já sabia parte delas, mas não era nem metade, afinal, começara a tocar há menos de um ano. Por isso praticava todo dia, como se cada dia fosse algo diferente, e como se nunca se enjoasse daquilo. A gaita era sempre uma novidade para ele. O som limpo, claro, triste como uma lágrima escorrendo o rosto de uma donzela e caindo na areia de Marte o fazia se emocionar sempre. A ele e a seu patrão, que ouvia sempre as mesmas músicas, do seu escritório. Ele gostava também, apesar de já estar enjoado de ouvir sempre as mesmas melodias, mas não se importava. O garoto improvisava muito e isso valia muito, e ele brincava que, mesmo sendo branco, o garoto era um verdadeiro bluesman.

Então o inesperado aconteceu, um som de vento sendo cortado e de som sendo arrebentado pelo antinatural, por uma nave. De repente o patrão dele ouviu aquele som de rotores, de poderosas e pesadas turbinas sendo acionadas. E então o garoto se moveu, quase caiu da cadeira, teve que tirar seus pés do apoio onde se encontravam e quase caiu da cadeira, tendo que parar sua música. Uma nave relativamente pequena (só para um ocupante) descia lentamente, o som da turbina rapidamente ficando maior. Os olhos do garoto brilharam enquanto ele se levantava e via aquela navezinha vermelha, com uma ponta prateada, sua pintura desgastada, ainda que parecesse bonita nas charmosas curvas e retas que ela possuía, proporcionalmente distribuídas entre o corpo, suas asas e armas. A Swordfish II então pousou, seus trens de pouso rangendo suavemente ante a pressão de Uma Tonelada de metal finamente trabalhado.

O piloto então desligou a nave, e abriu a cabine do cockpit. De dentro, Spike, um homem de altura mediana, cabelos verde-escuros, olhos marrons, compleição calma e de porte indigno, de terno azul fino, ainda que um tanto quanto surrado, camisa amarela e gravata solta, de botas pretas e sem brilho desceu da nave, tirou o paletó e o jogou na asa da nave, dobrou as mangas da camisa, abriu um botão, afrouxou ainda mais a gravata já frouxa, pegou um cigarro do bolso da calça e o ascendeu com um fósforo. Pegou de volta o casaco e olhou para o garoto.

- Olá. – Ele falou, cordialmente. Não tinha porque não ser simpático. – Aqui é Nova Brimstone?

O garoto só conseguiu murmurar um pequeno "uau", até pensar o óbvio: aquele era um verdadeiro cowboy!

- Sim... – Ele falou, espantado, tentando raciocinar o que um caçador de recompensas estava fazendo em sua cidade. – É sim, senhor...

- Obrigado. – Spike respondeu e olhou para cima, soltou uma baforada. – É... Vai ser interessante... – E começou a andar em direção à pequena estação, que servia de parada para o hovertrain, até ser interrompido pelo garoto.

- Hã... Senhor... – Ele falou timidamente. Spike parou e olhou confuso para o garoto. – O que você está fazendo aqui?

- Você não está vendo? – Ele respondeu e sorriu. – Estou caçando uma recompensa!

Continua...