Parte 1

No final, não vem como realmente uma surpresa a realização de que é pelas suas mãos que sua mãe deverá enfrentar a derrota. E Regina sabe (sempre soube) que a única forma de deter Cora definitivamente é através da morte. Da mesma forma que ela sabe – tendo aprendido com erros do passado – que este não é um serviço que ela possa delegar a terceiros.

Não. Essa missão, este fardo, pertence a ela somente e ninguém mais.

Trata-se afinal de apenas mais um terrível ato na coleção de monstruosidades inomináveis listadas em seu histórico. Mais uma imposição da vida que está sempre a lhe cobrar um preço mais alto. Mais um arrependimento amargo justificado pela necessidade, e somente dessa vez, revestido por uma causa nobre.

Mas no fim do dia, Regina não pode deixar de pensar que se trata também de mais um assassinato.

Alguém poderia pensar que para a mulher que arrancou o coração de seu próprio pai, a repetição de um crime da mesma natureza seria simples, senão até mesmo esperada. Ela é a Rainha Má afinal de contas.

Mesmo destituída de seu trono.

Mesmo quando tudo o que resta de seu legado é uma coleção de corações que não lhe pertencem, feridas do passado não cicatrizadas e o quarto vazio de um filho que prefere o refúgio dos braços de uma mãe que o abandonou.

Regina não chega a culpar Henry realmente. Ela mais do que ninguém conhece a força do vínculo existente entre uma mãe e sua cria. Anos de violência psicológica e o testemunho do assassinato a sangue frio do único rapaz que ela já amou não foram capazes de fazer com que ela se voltasse completamente contra Cora. Nada jamais foi.

Até agora.

Ironicamente, é o vínculo de uma mãe e seu filho, o amor que ela tem por Henry, que coloca em movimento a cadeia de eventos que culminará na morte de Cora pelas mãos de sua única filha.

'Amor é fraqueza' sua mãe faz questão de lhe repetir mesmo em seus últimos instantes, quando seu coração pulsa nas mãos de Regina e ninguém ousa se aproximar das duas, mãe e filha envoltas por um halo de magia negra, tóxica.

De longe Emma e Charming observam a tudo e quando a fumaça escura as envolve, impedindo que eles enxerguem claramente o que está acontecendo, são as mãos grandes e fortes de seu pai sobre seu ombro que impedem Emma de se aproximar. É justamente neste instante que a voz de Henry anuncia a sua chegada.

"Mãe!" O menino grita assustado e se lança em sua direção, em busca de Regina. Então é Emma quem o contém em seus braços, não sem lançar um olhar reprovador na direção de sua mãe.

"Ele não deveria estar aqui." Emma expressa claramente envolvendo Henry em um abraço apertado e sentindo as lágrimas do menino ensopando seu casaco. Antes que Snow possa oferecer-lhe uma desculpa, o menino a interrompe, exaltado.

"Você tá errada!" Agitado, Henry traz o mesmo brilho no olhar de quando ele ainda carregava um livro de conto de fadas em seus braços e todos se recusavam a acreditar em suas histórias. "Ela vai precisar de mim. Quando tudo estiver acabado ela vai precisar de mim."

Emma não consegue conter um sorriso triste, embora também não seja capaz de pontuar o óbvio: ninguém sabe como tudo isso irá acabar.

"Eu deveria ir lá." Ela fala em voz alta, a preocupação evidente em sua testa franzida e a tensão que parece emanar de seu corpo.

"É muito perigoso, Emma. Ela nos alertou quanto aos níveis tóxicos de magia que precisaria utilizar. E foi bem clara ao recomendar que nenhum de nós se aproximasse." Charming argumenta com frieza e Emma não pode deixar de sentir uma pontada de aversão pelo tom destituído adotado pelo seu pai.

É fácil para ele falar, já que não é a mãe do filho dele quem está em uma situação de risco a alguns metros de distância.

"Se é tão perigoso assim esse é mais um motivo para que alguém a tire de lá." Emma teima e para sua surpresa, é Mary Marg-Snow, quem lhe oferece algum conforto. Sua voz de mãe falando mais alto do que a voz da mulher que deseja a cabeça da Rainha Má em uma lança.

"Emma, eu sei que você está preocupada, mas confie na Regina. Ela é forte o suficiente para fazer o que é preciso." E com uma expressão distante, visitando um passado que pertence somente as duas, Snow acrescenta. "Além do mais, ela cresceu ao lado da Cora. Se existe alguém capaz de resistir ao seu veneno, esse alguém é Regina."

As palavras de Snow revelam-se por fim sensatas quando minutos mais tarde a névoa escura se dissipa e, à distância, é possível avistar as duas figuras. Mesmo de longe Emma é capaz de identificar o perfil da ex-prefeita ajoelhada diante do corpo sem vida de sua mãe.

A cena é o suficiente para que Emma deixe escapar o fôlego que até então se encontrava suspenso em seu peito e um instante de distração é tudo o que Henry precisa para se desvencilhar de seus braços e correr na direção de Regina.

"Mãe!" O menino grita a plenos pulmões enquanto corre pelo campo aberto, as pernas curtas surpreendentemente ágeis em meio ao verde pasto que se estende sobre seus pés.

O céu de repente é claro; azul e sem nuvens.

Emma corre em seu encalço, a mesma urgência guiando seus passos.

"Mãe." Henry fala ao se aproximar com cuidado, dessa vez sua voz escapando em um sussurro ofegante. Mas Regina não se move. Ela sequer parece escutar ou tomar nota da presença do próprio filho.

É assim que Emma sabe que algo não está certo.

"Regina?" Ela chama com cautela e Henry olha para ela com uma expressão assustada.

Regina não esboça qualquer reação ou resposta. O único movimento que indica vida em seu corpo é o involuntário ato de sua respiração. Emma se ajoelha diante de Regina e em seus olhos negros não encontra nenhum sinal de reconhecimento ou qualquer emoção.

"Emma!" Charming e Snow chamam em uníssono e é Henry quem responde as perguntas antes mesmo que elas sejam feitas em voz alta.

"Algo está errado." O menino explica com um fio de voz. E de repente nunca ficou tão evidente o fato de que ele é apenas uma criança. De que esse é o último lugar em que ele deveria estar. Com a figura inerte de Regina diante de si, Emma não pode deixar de pensar de que ela jamais teria permitido isso; Regina teria protegido o filho.

"Mary Margaret, por favor, leve o Henry para casa."

"Não! Eu quero ficar com a minha mãe!" Henry teima, seu nervosismo de convertendo em lágrimas que ele se recusa a deixar escorrer sobre seu rosto vermelho.

Nesse instante Emma não pode deixar de notar em seu filho a semelhança com Regina, na forma como Henry ergue o queixo e tenta dominar suas emoções, ainda que sem sucesso. Talvez seja isso o que torne as decisões que ela precisa tomar subitamente claras.

"Henry, eu prometo que vou tomar conta dela." Emma lhe assegura com completa determinação, o que parece acalmar o menino. Snow aproveita a deixa e com um gentil toque sobre seus ombros, puxa o neto para perto de si. Em seguida Emma se volta na direção de Charming. "Pai, eu vou precisar da sua ajuda."

Se o fato de Emma chamar Charming de pai nesse instante em particular é deliberado ou não, é algo que nenhuma das partes se põe a refletir a respeito ainda que esse pequeno gesto seja o suficiente para que Charming coloque de lado, mesmo que por instantes apenas, seus sentimentos em relação à mulher que há quase trinta anos tenta destruir suas vidas.

Emma tampouco pode apreciar o momento, sua cabeça claramente povoada por outras preocupações.

"Nós vamos precisar fazer algo com o corpo." Emma se refere ao corpo de Cora, que repousa inanimado há poucos metros de distância. "Normalmente um funeral seria o suficiente. Eu não estou certa de quais eram os planos da Regina para-"

"O povo provavelmente irá exigir uma fogueira." Charming responde e mesmo tendo crescido em um mundo no qual bruxas carregam um histórico de fim semelhante, Emma não pode deixar de se mostrar surpresa.

"Hmm. Ok, eu acho." Ela engole em seco sem saber como responder a tal declaração. "Mas primeiro nós precisamos levar a Regina para o hospital."

Antes que Charming possa responder Emma lhe dá as costas e volta toda sua atenção para a Rainha Má. Ou o que parece restar dela.

"Regina você consegue me ouvir?" Emma pergunta com delicadeza, suas mãos inquietas pelo desejo de tocá-la, mas temendo sua reação ou pior – a falta dela. Regina pisca somente, os olhos escuros vidrados em um ponto qualquer que parece atravessar Emma ignorando sua presença por completo.

Emma nunca imaginou que o tom sarcástico e as respostas afiadas da prefeita seriam tão apreciados pela sua pessoa. Nesse momento ela daria qualquer coisa para ser presenteada com qualquer um deles.

O mais absoluto silêncio é sua única resposta. Mas ela não se dá por vencida. Não quando ela tem uma promessa a cumprir e por um momento Emma quase consegue ouvir o comentário seco que Regina ofereceria diante da presente situação, apontando com desdém suas inclinações honrosas como uma manifestação genética indesejada e irritante.

É quando fica evidente com uma clareza cortante que a Regina que Emma tem diante de si nesse momento é apenas uma casca. Restos mortais da mulher que lançou a maldição sobre seus pais, sobre todo um reino. Destroços apenas da mãe de seu filho.

É um sentimento que Emma não sabe como classificar. Algo que ela não está pronta para enfrentar ou sequer tomar consciência a respeito. Assim, quando Emma fala novamente, é para que suas palavras preencham o vazio de um silêncio antes que suas dúvidas e temores o façam.

"Acabou, Regina. Você conseguiu." Emma declara com sinceridade e o que deveria ser alívio se algo mais não estivesse pesando sobre suas palavras. E, contendo as emoções que dançam em seu peito, Emma esboça um sorriso diante da realização que a acomete sem aviso. "Você nos salvou."

.::.

Continua...