Aviso/Disclaimer: Harry Potter, seus personagens e produtos pertencem à J.K. Rowling. Essa fanfic não tem fins lucrativos; apenas lúdicos.
Rating: K
Personagens: Lily Evans e James Potter
Sumário: James Potter – jornalista, 25 anos, namorofóbico – acaba de mudar-se do centro de Londres para um condomínio de casas tranqüilo e isolado, em busca de paz. Será que ele a encontrará, morando ao lado de uma linda ruiva com hábitos estranhíssimos? LJ UA
Romance/Humor


O Número 13

James Potter não poderia ser mais feliz.

Recém-saído da faculdade de jornalismo e com as melhores indicações da classe, obtivera reconhecimento por seu talento nato de transcrever fatos para o papel, conseguindo o incrível feito de ser contratado pelo ilustríssimo jornal inglês The Independent logo no início da carreira. Aos 25 anos, James era o foca mais bem sucedido da redação esportiva, trabalhando em conjunto com verdadeiros ícones na coleta, peneiração e publicação dos acontecimentos mais importantes do mundo do football europeu. Como simplesmente amava sua profissão, escrevia seus textos com muito esmero, averiguando fontes e perseguindo com afinco o material para suas reportagens, tornando o resultado final digno do bom salário que recebia da editora. Não tardou até que James acumulasse dinheiro suficiente para mudar-se da desorganizada quitinete sob trilhos de metrô no centro de Londres, financiada por seu pai, quando saíra dos campos verdes de Yorkshire, a fim de estudar na capital.

Desse modo, o filho do agricultor fez ótimo negócio vendendo sua pequena moradia por um preço superior ao que pagara na compra, devido à valorização da região com a inauguração de um shopping center nos arredores. James passou uma noite inteira contando as notas, somente para ter certeza de que era capaz de dar entrada na casa que cobiçava há meses, fora do agito do centro. Decidira dar-se este presente antes de qualquer outro investimento, pois simplesmente detestava o barulho excessivo dos vagões chacoalhando superiormente a sua cama; revirando-se entre lençóis por anos a fio quando a luz forte do último trem penetrava as frestas da veneziana, para incomodá-lo em seu sono leve. Assim, com dinheiro em punho e contrato em mãos, ele leu freneticamente todas as cláusulas e assinou em diversas linhas marcadas, assistindo à placa de "vendido" ser posta no quintal gramado através de olhos abarrotados de emoção.

A mudança fora tranqüila. Os móveis eram baratos e poucos, preenchendo parca e deselegantemente o espaço amplo da casa. Logo, Potter concluiu que precisava de mais tranqueiras. Fez um empréstimo e reformou a mobília, além de comprar mais conforto e decoração, que se mostraram devidamente compatíveis com a estrutura edificada para ambientes refinados e de muito bom gosto. Externamente, sua casa era igual às outras do pacato condomínio, localizado numa área residencial relativamente tranqüila, a norte do centro. Todas possuíam uma chaminé, indicando que em seus interiores havia também uma lareira; bem como apresentavam as mesmas telhas recobrindo o perímetro igualmente comum, revestidas pelo mesmo tom de tinta e perfuradas pela mesma quantidade de janelas em estilo pré-determinado. Eram casas fabricadas em série, com suas metragens democraticamente idênticas e gramados da mesma cor. Havia até uma definição que obrigava seus moradores a evitarem tonalidades agressivas na hora de escolherem suas cortinas – era somente branco ou bege. Os habitantes deviam zelar pela harmonia da vizinhança, tanto estética quanto social.

Quanto a este último requisito, James não tinha do quê reclamar – não gostava de cortinas berrantes, nem de arranjar encrenca com seus vizinhos, que, aliás, eram tão pacíficos quanto ele próprio.

A família que ocupava o nº 15 era os Payne, um casal gordo e simpático, sem filhos, que sempre convidava Potter para o churrasco de domingo. Norah Payne tinha cerca de quarenta anos, cabelos escuros cortados na altura dos ombros, uma cintura circular e olhos azuis que, de tão pequenos, quase se perdiam no rosto papudo e rosado. Era uma mulher que, além de corpulenta e grande em todas as dimensões, era extremamente amável. Medidas à parte; gostava de dar risadas escandalosas e usar vestidos muito floridos, por onde suas canelas estranhamente finas se sobressaíam em seu andar de pingüim. Alois Payne, o corpulento marido, conseguia ter o dobro do diâmetro da esposa. A barriga proeminente e redonda passava a maior parte do tempo aprisionada na calça GG de seu terno, que vestia diariamente para atender com natural simpatia seus clientes na concessionária de carros. Era um palmo mais alto que Norah e muito louro, com vários focos de calvície na cabeça. O Sr. Payne vivia a dizer, abrindo seu sorriso bonachão, que James estava magro demais e que deveria juntar-se a eles qualquer dia para jantar; proposta essa que o jornalista invariavelmente declinava, em respeito a sua alta taxa de triglicerídeos.

Ainda, à direita do jardim de Potter, havia um baixo muro coberto de hera, seguido do nº 13. Parecia ser inabitado, ou pelo menos foi o que lhe pareceu durante o primeiro mês de residência. A Sra. Payne, num domingo em que coincidiu o dia de aparar a grama de ambos os vizinhos (até isso era inconscientemente uniforme), enquanto teciam comentários sobre a população do condomínio, gritou por sobre os zumbidos dos cortadores elétricos que os moradores do nº 13, os Evans, haviam trocado de endereço e deixado a casa para a filha mais nova – uma menina muito atarefada, cujo trabalho a impedia de parar quieta um segundo sequer no lar. James já tinha reparado em quão estranha era aquela casa: o quintal sempre limpo, as janelas polidas, a grama cortada rente e as flores regadas e livres de ervas-daninhas por todo o canteiro circundando a construção. Como se não bastasse, a calçada defronte era a mais livre de sujeira da rua, tal se fosse esfregada religiosamente todas as manhãs. Se a Srta. Evans era tão ocupada e quase não ficava ali, como conseguia manter a vivenda em ótimo estado? Por acaso usava mágica?

O mistério ainda rondou o nº 13 por mais uma semana. Às 05h50minh do domingo posterior, quando James ia buscar, anormalmente cedo, seu The Independent concedido pela editora, deparou-se com uma figura completamente vermelha parada na porta da direita, fazendo o mesmo. Os dois entreolharam-se imediatamente, lembrando que ainda vestiam roupão e eram desconhecidos. Ela foi a primeira a recuar, apertando o nó ao redor do robe de seda escarlate com ideogramas chineses. A reação de James foi uma tentativa de usar os dedos para pentear seus cabelos naturalmente desalinhados. Suspenderam suas respirações por um instante, quebrado somente quando ela lhe dirigiu um cumprimento respeitoso e sumiu casa adentro, já em posse de seu jornal.

Ele suspirou, ajeitando o roupão azul em suas espáduas largas de homem no auge da vitalidade, voltando para o aconchego de sua sala. Jogou os pés com pantufas para cima de um pufe e tentou ler por mais de duas horas, inutilmente; dispersava-se o tempo todo, ora fitando os dedos que escapavam pelo chinelo,ra tempo todo, fitando os dedos que escapavam pelo chinelo aconchego de sua sala. Tentou ler om-se imediatamente, lembrando-se ora fixando-se numa notícia, sem assimilá-la. Estava intrigado com a presença repentina da vizinha; até então, um fantasma em sua vida. A Srta. Evans era, para James, como o vento: ele podia senti-la, todavia, jamais olhar sua real aparência. De repente, vê-la materializada – como se roubada de uma de suas idealizações a seu respeito – era uma verdadeira quebra de rotina.

E James Potter adorava isso.

Largou o jornal e repassou em sua mente o encontro com Evans, analisando todos os detalhes da ocasião. Sempre imaginara a vizinha do jeito que todos os outros homens imaginavam: loura, alta, magra, rosto de anjo, olhos azuis sedutores e decote farto. Entretanto, não esperava que ela fosse muito melhor que isso. A julgar pelo robe, era uma mulher elegante e encorpada. Os cabelos brilhavam num tom ruivo natural; nem alaranjados, nem acobreados – eram ruivos e ponto. Seus olhos...Ah, aquele olhar que capturara James enquanto este apanhava sua leitura diária! Verde, profundo, arrebatador...As sobrancelhas finas e escuras dela faziam uma moldura perfeita para aquele encarar tão felino. E a boca dela? Era um botão de rosa perfeito, em formato de coração, suculento, e, infelizmente, não conseguira ver os dentes escondidos detrás. A mão delicada que juntava o jornal era branca, delicada, com unhas compridas e pintadas de rubro – uma mão que James deixaria tocá-lo sem nenhuma objeção.

James viu-se perdido num devaneio de desejo pela vizinha que mal conhecia, obrigando-se a tomar um copo d'água e esquecer aquelas bobagens. O celibato traumático que se auto-impusera o deixava assim ultimamente, doido por qualquer rabo de saia que entrasse em seu campo de visão. Se bem que a vizinha não podia ser classificada como qualquer.

Evans, Evans...Qual seria o primeiro nome dela? Afrodite, talvez – Afrodite Evans. A mulher mais bela dos sonhos de amor.

Estava começando com besteiras líricas de novo. A última vez em que idolatrara assim uma moça, acabara fedendo a cachorro, bêbado e largado, chorando na soleira da casa dela.

Ocupou o resto de seu domingo com a tão esperada final do Campeonato Europeu de Futebol, sediada em Paris. Com um dedinho de influência, já havia reservado um dos melhores lugares do estádio e passagens de ida e volta da Air France (previamente pagas pela editora do jornal), o que garantiu o ambiente perfeito para sua inspiração – assim, tomando todas as notas necessárias à manchete esportiva de segunda-feira.

A matéria de Potter sobre a vitória do Barcelona foi capa do The Independent, no dia seguinte. Ele vibrou mais com sua conquista do que com a vitória do Barça, indo comemorar num pub barato, na companhia de seus colegas de outros setores – Sirius Black e Remus Lupin. Contudo, sua alegria podia ter sido somada a um encontro casual com a Srta. Evans no tapete de boas-vindas floreado dela. Não; por mais que James houvesse acordado no exato horário em que o fizera no domingo e repetido o ato de buscar o jornal quase de madrugada, a única coisa que enxergara no nº 13 fora uma coruja albina ciscando vermes no quintal ainda escuro e enevoado.

Desde então, aquilo se transformou num ritual para ele, por infortúnio gerando, dia após dia, resultados nulos que não o desanimavam. Continuou assim por mais um mês e meio, no qual seu cotidiano casa-trabalho-casa (e, eventualmente, bar) permaneceu inalterado. Em outro domingo, ergueu-se para realizar seu ato sagrado de todas as manhãs, e divisou aquela figura vermelha abrindo uma janela e deixando uma coruja parda entrar. Desta vez, James soube que estava realmente fissurado em sua vizinha ao notar o topo da camisola linda de algodão verde, da cor dos olhos dela. Mas que diabos fazia com uma coruja dentro de casa? A resposta foi uma discreta abaixada na janela e conseguinte puxar de cortinas, bloqueando sua visão. Cansado de ganhar apenas negativas, ele desabafou naquela mesma manhã com o fotógrafo esportivo, Black:

– Ah, Sirius...Eu tenho uma vizinha linda; sério, ela é muito gata. Só que parece nunca estar em casa e eu só a vi duas vezes até hoje. Acho que estou ficando maluco! Duas vezes! Duas vezes e não consigo parar de pensar nela! – desafogou, bebericando seu café.

Estavam apenas os dois na cozinha da redação. Sirius Black era seu melhor amigo no trabalho e fora dele. O conhecera muito antes do The Independent, no ensino médio, quando prestavam exames para diferentes faculdades da Inglaterra. Sirius era quase uma cabeça mais alto que si; tinha um rosto de traços fortes, o corpo desenvolvido pelos esportes que ele tanto amava e cabelos lisos e pretos contrastando com olhos de um azul brumado, acinzentados. Na época de escola (e não só nela), ele era o delírio das garotas, atraindo suspiros em seus shorts de educação física, embora não se interessasse por muitas delas além de sua prima ganhadora de concursos de beleza – Bellatrix.

Sirius era o filho rebelde de um lorde muito rico; e James, o filho estudioso de um lavrador. Estranhamente, a sintonia entre os dois acontecera desde o primeiro aperto de mão – ambos queriam ser jornalistas e a amizade fora tão intensa que até prometeram encontrar-se de novo depois da faculdade, empregados no maior jornal do país. Então os resultados das aprovações saíram e ele obteve sucesso, ao contrário do amigo nobre. Sir Black ainda obrigou seu primogênito a tentar outra vez, mas Sirius já não parecia mais muito interessado na terra da Rainha Elizabeth. Os anos passaram-se, carta ia, carta vinha e James recebeu cartões postais de praticamente todos os lugares da Europa de Sirius, contando que ele havia sido admitido numa universidade espanhola, cujo forte do curso de jornalismo era fotografia. Depois de formado, no período límbico em que fez uma rápida pós-graduação, recebeu um telefonema dele vindo da Índia, onde realizava um curso com repórteres da National Geographic, adicionando pontos a seu currículoEstava muito claro que Black seria um exímio fotógrafo com ampla experiência em sua área, fato comprovado no mês em que a redação do The Independent pendurou anúncios de "necessita-se de jornalistas de todas as áreas". Tanto ele quanto o outro foram contratados.

E eis que o destino os unia de novo, naquela cozinha habitualmente movimentada que compunha parte do sonho deles, agora realizado.

– James, eu posso te dizer apenas uma coisa sobre esse tipo de mulher: fique longe delas. – disse Sirius, de cabeça baixa e sorrindo nostálgico. Um verdadeiro retrato de experiência a respeito do assunto. – Quanto mais elas nos desprezam, mais ficamos obsessivos.

– Mas você não entendeu, cara! Ela nem fala comigo! – James quase respingava café com seus gestos bruscos.

– Pior ainda, meu chapa...

– Sirius, eu nem sei o nome dela.

– Você é jornalista, por acaso? – Sirius, indignado – Até parece que não! Como ainda não fez uma investigação, perguntou ao carteiro, sei lá...? Mas fique longe dela! Ou então ficará obsessivo de novo, e pessoas obsessivas, além de malucas e chatas, me irritam. Você lembra da Fiona Owen, imagino...

Voltou para casa, chateado. A simples menção do nome da ex-namorada quase o fizera desistir de acordar cedo no domingo, embora seu relógio biológico já estivesse ajustado para aquele horário de sempre. Como que adivinhando a tristeza do vizinho, a ruiva do nº 13 retornou naquela manhã, desta vez devidamente trajada num terninho feminino azul-turquesa, vestindo scarpins da mesma tonalidade que batiam quase sem ruído, discretamente. Parecia mais uma executiva do que uma leitora de domingo. Será que também trabalhava no fim de semana?

Adiantou-se, decidido a não perder mais uma chance de falar com ela e amaldiçoando-se por não ter vestido nada decente para conhecê-la.

– Bom dia! – cumprimentou, atraindo um par de olhos verdíssimos e arregalados de susto para si.

– 'Dia... – ela murmurou, enfiando o jornal na enorme bolsa de couro preta que trazia ao braço. Ao invés de voltar para dentro, a ruiva desfilou pela calçada, olhando impacientemente para os lados.

James engoliu em seco. Era sorte demais para uma só manhã.

– Está esperando alguém?

Ela fitou-o com desagrado, claramente analisando seu pijama velho e listrado de tio; e ele arrependeu-se de não ter perguntado algo menos inoportuno e inútil.

– O táxi. – respondeu, afundando os dedos em sua massa de cabelos reluzentes. James foi a delírio.

– Você mora aqui ao lado? Achei que estivesse desocupado. – mais uma tentativa. Agora tinha quase certeza de que não errara.

O rosto bonito torceu-se em apreensão. Ela procurava o táxi no fim da rua ansiosamente, como que desesperada para fugir dali.

– Eu moro aqui desde que existo, mas estou sempre viajando a trabalho; sabe como é... – explicou, efusiva, sem nem olhar James, que já se sentia a pior criatura da Terra.

– Sou James Potter. – ele sorriu amarelo, ainda esperançoso, sentando-se à varanda com seu The Independent para aparentar casual.

– Evans. – limitou-se, decepcionando profundamente seu interlocutor. Aliviada, estendeu uma mão, indicando sua posição a um carro preto a caminho. – Meu táxi chegou! – anunciou, mostrando-lhe os tão desejados dentes num belo sorriso. Potter derreteu. – Até mais!

– Até logo! Se precisar de alguma coisa, é só bater à porta. – James acenou desajeitado, com um sorriso largo.

Suspirou deliciosamente. Não havia sido bem como esperava, mas ao menos tinha recebido aquela despedida linda; estava convencido a investir em sua vizinha. Entretanto, ela não dissera seu nome...Talvez fosse hora de seguir os conselhos de Black.

Na terça-feira, cercou o carteiro e a correspondência do nº 13, contudo, não havia nada para e sobre ela que James ainda não soubesse. Percebeu que Evans nunca recebia cartas e que ninguém sabia muito sobre ela. Para piorar a situação, não adiantava pesquisar um sobrenome tão comum na internet e no banco de dados da lista de endereços (não constava "Evans" alguma residindo em sua rua). Então resolveu apelar.

– Ficamos felizes que tenha vindo jantar conosco, James!

– Está gostosa a costela, rapaz?

Ele mastigou lentamente o pedaço mais isento de banha que conseguiu cortar, meneando a cabeça positivamente.

– Adoramos companhia, mas nossos amigos moram muito longe e quase não vêm nos visitar... – Norah admitiu, agradando-se com o sorriso forçado e de boca cheia do vizinho. – Não temos filhos, o que torna nossa situação ainda mais solitária... – fez muxoxo.

– No entanto, não deixamos de ser felizes. Afinal, não gostamos muito de crianças, não é, Norah? – acrescentou Alois, fulminando a mulher.

– A costela está sensacional, Sr. Payne. – Potter conciliou, engolindo uma garfada inteira sem mastigar.

– Estou vendo, você está comendo com muito gosto! Quer mais?

– Não, obrigada, Sra. Payne. Vou experimentar um pouco de salada, sim? – revirara todos os pedaços de gordura pura no prato, disfarçadamente.

– É claro!

Conversa ia, carne vinha; James julgou a hora certa de tocar o assunto.

– ...Então, o que há com a moradora do nº 13? Ela só dorme lá, ou o quê? Nunca a vejo, ela tem parentes? – comentou como se não tivesse real interesse.

– Bem, eu era muito amiga da mãe dela, quando ainda morava lá. Chamava-se Daisy Evans e era bem bonita, até onde eu me lembro. A Lily tem uma irmã, se não me engano... – Norah, entre uma abocanhada e outra.

– O nome dela é Lily? – James acreditou que o Mar Vermelho estivesse prestes a abrir de novo.

– Sim, Lily Evans. É a ruiva bonitinha, não é? – ele fingiu não ter ouvido o xingamento. – Sim, a mais velha se chama Lily. A mais nova era a Petúnia, que se casou e foi morar em Little Whinging. Sim, está certo. Lily estudava numa espécie de internato e só aparecia nos feriados; e Petúnia, eu encontrava todas as manhãs, brincando de bonecas no quintal. Céus, estou ficando velha...

– Internato? – sondou, atento.

Norah encostou o garfo no lábio inferior, pensativa.

– Daisy¹ falava com muito orgulho dos estudos de Lily. Dizia que era uma grande escola e que ela era especial na família por freqüentá-la, fato nunca realizado antes. Tanto, que Petúnia se mordia de ciúmes. Entenda, a mãe delas não fazia questão de esconder sua preferência. Presenciei diversas brigas de Lily e Petúnia, sempre nas férias. Era um inferno! – suspirou, incomodada com a lembrança. – E agora, Daisy aposentou-se e deixou a casa para Lily, já que Petúnia se casou e tudo mais. Foi a última discussão delas nessa vizinhança e, juro, foi horrível.

– Nossa, deve ter sido algo muito perturbador mesmo... – ele opinou, sedento por mais detalhes. – Mas por que a Srta. Evans nunca está em casa?

Desta vez, Alois respondeu.

– Ela tem um emprego que a paga muito bem, só que a obriga a passar muito tempo fora. O que ela é mesmo, Norah? Médica? – franziu as sobrancelhas, tentando adivinhar.

– Não sei, Alois. Acho que é juíza, está sempre vestindo terno.

– Ah, é mesmo! Espera, não, não... – coçou o queixo. – É delegada? É algo assim, ela trabalha com justiça. – afirmou, umedecendo a garganta com um bom gole de cerveja.

– Ela é uma boa menina, James. – a Sra. Payne lançou-lhe um olhar amável e cúmplice, consciente das intenções dele ao perguntar tantas coisas sobre Lily Evans. – Só que está sempre ocupada.

Naquele sábado, James colocou para fora tudo o que comera na casa dos Payne, ao alcançar seu banheiro. Sirius telefonou na mesma noite, com a voz grave arrastada:

E aí, Jamie! Vamos farrear hoje?

Sons de regurgitação.

– Sirius? ...Sirius?

Oi, James. Aqui é o Remus. Desculpa, o Sirius está meio mal, ele discutiu com a Margareth hoje. Posso levá-lo para sua casa? Ele perdeu suas chaves e a Louise está no meu apartamento...

– Anh...Tudo bem, não queremos estragar seu namoro. Traga o Sirius, que eu cuido dele. – concordou, anotando mentalmente as frases da imensa bronca a ser dada no dia seguinte ao fotógrafo.

O tempo estava agradável, o que propiciou a James a opção de não vestir nada além de seu pijama para esperar o carro de Lupin, o qual chegou cantando pneus. Remus saiu do carro com um baque violento na porta, rosnando impropérios enquanto retirava o cinto de segurança do amigo, no banco do passageiro.

– Seu cachorro bêbado, vomitou em todo o meu tapete! Venha! Não faça corpo mole; até cinco minutos atrás você estava dando um show no boteco! – tentava carregar Sirius entorpecido em seu ombro, vacilando. – James, preciso de uma mão aqui...

Carregaram, juntos, o moreno – que choramingava e amolecia de vez em vez, chamando Lupin de Bellatrix; e Potter, de Margareth.

– Sinto muito, cara...Eu deixei ele passar da conta, achei que estivesse mal, mas não tanto. – Remus escusou-se, após largarem Sirius no sofá da sala. – Eu até podia cuidar dele lá em casa, mas esse é o fim-de-semana em que a Louise vem para Londres, e ela já ficou brava porque aceitei sair com ele...

Black gemeu, convergindo os olhares de ambos para si.

– Tudo bem, pode voltar para sua noiva. Eu seguro as pontas aqui.

O editor agradeceu, dispensando-lhe um abraço. James acenou da janela para Remus, que dobrava o tapete do carro e o jogava no porta-malas, careteando, em asco. O barulho da arrancada fez o jornalista voltar-se para o bêbado em sua sala, suspirando e bufando, obviamente angustiado após o auge do álcool. Guardou suas reprimendas para si, afinal, de nada adiantava bronquear com alguém que acordaria pela manhã com amnésia. Trocou as roupas de Sirius, precavido contra qualquer movimento brusco e tentativa às cegas de beijá-lo.

– Sou eu, o James! – ralhou, irritado por ser tratado por "Margareth". – E levante os braços!

Ainda ajudou-o a expurgar os restos do jantar do boteco, escovou seus dentes, deu-lhe uma caneca de café preto e preparou o quarto de hóspedes. Nada menos justo, pois Sirius já havia feito o mesmo por si diversas vezes. Quando percebeu que ele recobrava a consciência, deitado entre lençóis macios e aquecido pela bebida, sentou-se à beira da cama e estapeou suavemente seu rosto masculino.

– Covarde! É assim que você supera? Hein? – Sirius gemia entre dentes e tremia até a alma. – Ela te deixou, é? Por que encher a cara desse jeito? Não vai mudar nada, só vai te dar a pior ressaca da sua vida!

O fotógrafo chorou feito uma menina por quase dez minutos.

– Eu não queria fazer aquilo...A Bella que me procurou... – fungou.

James ergueu-se, deixando-o lamentando-se sozinho. Fechou a porta do quarto contra suas costas, fitando amargamente a luz do corredor.

Quantas haviam sido as noites de embriaguez por causa de Fiona Owen? Quantos trincos mostraram-se fechados para ele depois da fatídica descoberta? Tudo por causa de um erro crucial, de um olhar já esquecido.

Na gandaia, foram tantas mãos, tantas bocas; inúmeras auroras sem nenhum resquício de memória, onde ele se levantava entre copos e corpos, consciente do tempo que perdera, ganhando absolutamente nada. Graças ao destino, a situação revertera-se antes do abismo. E ele aprendera a caminhar de novo, sem o apoio da namorada de quase uma vida inteira.

Nunca mais se envolveu assim, machucava demais.

O choro de Black silenciara, e James entreabriu a porta, encontrando o amigo mergulhado num sono sem sonhos. Apagou a luz e voltou para seu leito, incomodado.

Bellatrix era Miss Inglaterra, além de prima de Sirius e uma grandessíssima prostituta. Os dois pareciam ter uma ligação estranha, vinda do berço – sempre que ele arranjava um relacionamento sério e decente, ela surgia do passado remoto para estragar tudo. Era bem verdade que, quando ainda era modelo da baixa e aspirava às faixas de concursos, Sirius já era declaradamente apaixonado por ela, não sendo correspondido. Logo que ele levantou a bandeira branca e passou a procurar outras garotas, lá estava Bellatrix, entregue em sua cama. Bastava o moreno acomodar-se com a presença da prima, e ela o rejeitava; por ocasiões, até sumia. Então Sirius, assim como ela, passou às épocas de namorar ao pé da letra, sem sucesso, em função das quebras de rotina a que ambos se presenteavam. Bellatrix espetacularmente sabia esquivar-se das provas do crime, no entanto, ele...Marcas de arranhões não se apagavam milagrosamente da noite para o dia.

Até o momento, James achava que ela tivesse abandonado esse velho hábito de brincar com Black, pois estava noiva de Rodolphus Lestrange, da multimilionária loja de departamentos "Lestrange&Sons". Nem desse modo ele havia se livrado da maldição.

Esfregando suas têmporas, deitou seus óculos no criado-mudo e pensou ter visto um vulto cruzando o céu, através da veneziana. Sentia-se pesado demais para mais devaneios.

Adormeceu com o pio insistente de uma coruja no quintal.


¹ Daisy Margarida. Sacaram?

Mais uma LJ! Estou viciando!
Espero que tenham se divertido. E se gostaram, por favor, comentem!

Até a próxima atualização!
Beijo Beijo!