Prólogo

França - 1680

Anne DuBlanc andava apressada pelas ruas da pequena vila francesa onde vivia. "Estou atrasada", pensava ela, enquanto apertava o passo. As pessoas da cidade a olhavam estranho, evitavam falar com ela e até cruzar o seu caminho, quando ela passava, algumas pessoas se afastavam. Anne não entendia o que estava acontecendo, as pessoas estavam estranhas havia algum tempo. Mas isso não importava, ela precisava chegar rápido, sua patroa já não gostava muito dela, se atrasar não ajudaria em nada.

- Está atrasada de novo! Não sei porque ainda deixo que você trabalhe aqui! Saiba que o único motivo de você ainda não ter sido despedida é a consideração que tenho por sua tia! - Disse-lhe Margot, sua patroa.

Anne não disse nada, apenas abaixou a cabeça. Margot continuou:

- Vai ficar aí? Saia da minha frente!

Anne foi para a cozinha. Ela trabalhava havia algum tempo cuidando dos filhos de Margot, seus tios conseguiram o emprego para ela. Na verdade, era como se o emprego fosse a maneira que eles encontraram para se livrar dela. Anne sentia como se fosse um fardo que os tios tinham que carregar.

Estava muito cedo ainda, o dia mal tinha acabado de clarear, as crianças ainda dormiam. Anne olhava através da grande janela da cozinha, a vista para o jardim da casa era linda. Ela imaginava como seriam as coisas se ela tivesse nascido em outra família, ou melhor, se ela tivesse tido uma família de verdade.

Anne havia nascido em Londres e não conhecia seus pais, sabia somente que seu pai morreu quando sua mãe ainda estava grávida, já sua mãe foi morta, quando Anne tinha apenas 1 ano, acusada de bruxaria. Depois disso seus tios a buscaram e ela foi viver com eles na França.

- Anne, querida, vá acordar as crianças, o café da manhã será servido. - Disse Cécile, a governanta.

O dia foi passando da mesma forma que todos os outros, da mesma forma monótona.

Anne andava pela casa, quando uma conversa chamou sua atenção:

- ... e eu tenho medo que ela faça alguma coisa, mas o que eu posso fazer? Se eu a demitir ela pode tentar fazer alguma coisa contra minha família. - Era a voz de Margot, que vinha do escritório.

- Margot, querida, você tem que fazer alguma coisa! Denuncie essa menina! As coisas que você me contou são horríveis! Ela faz bruxaria em sua casa, e o pior é que ela é quem cuida dos seus filhos!

Anne andou para trás e se apoiou na parede. Não era possível! Estavam falando dela. Acusando-a de bruxaria.

- Ah, Agnès, minha amiga, eu sei. Vou falar com meu esposo ainda hoje. Acredita que ontem eu a vi pronunciando palavras estranhas enquanto ela...

- É MENTIRA! - Anne entrou no escritório, esbravejando, sem pensar.

- O que é isso? Saia daqui, menina! - Margot levantou assustada.

- ISSO É MENTIRA! EU NÃO FIZ NADA DISSO! - Anne andou em direção a Margot, estava com muita raiva, não aguentava mais. Sua vida toda foi humilhada por ela, isso agora era demais.

Margot realmente não gostava de Anne. Tinha ciúmes dela. Gostava de passar o tempo fazendo fofocas com as amigas, inventando histórias, e sua vítima favorita era, logicamente, Anne.

- Expulse-a, Margot! Mande-a embora de sua casa! - Falava Agnès, a amiga de Margot.

- SAIA DAQUI! VÁ PARA LONGE DE MINHA CASA! VÁ PRATICAR SUAS BRUXARIAS LONGE DAQUI! - Gritou Margot, enquanto agarrava Anne pelo braço e a arrastava para porta.

Anne não fez nada, queria mesmo ir embora.

Enquanto ela andava, as pessoas a olhavam com desconfiança, agora ela já sabia porque. A história havia se espalhado, todos acreditavam que ela era uma bruxa.

Quando Anne chegou em casa e contou o que havia acontecido seus tios não quiseram escutar e nem tiveram pena. "Tal mãe, tal filha." - Foi o que seu tio disse, pouco antes de expulsá-la de casa.

Anne não chorou, não protestou, apenas juntou suas coisas e saiu sem rumo. Pensava no que faria, para onde iria. Mas os pensamentos de Anne foram interrompidos por um grupo de pessoas.

- Ei, está pensando na próxima bruxaria? - Disse uma das pessoas.

Anne ignorou e continuou andando. A esta hora, todos da vila já sabiam o que tinha acontecido mais cedo, na casa de Margot.

- Estou falando com você! - Disse a mesma pessoa.

De repente, Anne sentiu uma pancada em sua cabeça e caiu no chão. Aquelas pessoas começaram a bater, chutar e jogar pedras nela. Ela ficou ali, caída, sem defesa. Desmaiou.

As pessoas a deixaram lá, acharam que ela estava morta. Não estava... ainda.

Duas horas se passaram. Anne ficou caída no meio da rua. Acordou, abriu os olhos, mas não conseguia se mexer, estava muito fraca. Não havia uma parte de seu corpo que não estivesse doendo. Ela ficou lá, parada, olhando para o céu. O céu, ironicamente, estava lindo, estrelado. Anne sentiu uma lágrima escorrer pelo seu rosto. Ela não queria morrer. Apesar de tudo, de nunca ter tinho uma vida feliz, ela queria viver. Havia tanta coisa no mundo...

Mais alguns minutos passaram.

Um homem alto, loiro, pálido e muito bonito se aproximou. Ele olhou para Anne, sentiu sua pulsação, estava fraca.

- Você vai ficar bem, fique tranqüila. - Disse ele.

Anne não sabia quem ele era mas, estranhamente, ficou mais tranqüila. Ela ficaria bem.