Talvez gostar de você não seja assim tão mau. Por mais que o ódio consuma o nosso coração, o meu, ainda assim, sempre estará aberto para você, um abrigo seguro em meio à tempestade. Se você o aceitar, juro que nunca deixarei que um pingo desse veneno, que chove dessas nuvens escuras, lhe atingirem. Eu não quero desistir desse sentimento.

O maldito sangue que nos separa, já não é tão vermelho, não é mais tão vivo, ficou opaco ao presenciar tanta injustiça. Isso que corre por nossas veias é uma maldição. Não há orgulho nisso, não há alegria, não há nada alem de dor, sofrimento e miséria. Você entende bem do que estou falando.

Se não fossemos assassinos, se nosso sangue não fosse tão sujo, será que poderíamos nos amar? Poderíamos ser como nas belas historias, onde a princesa acha seu príncipe, e vive um belo romance até o fim de seus dias?

Meus olhos já não são os de antes, minha inocência se foi, assim como os seus, nossos olhos foram tomador por um brilho obscuro, pela frieza, pela morte. A vida se tornou um conceito vago, nem ao menos me lembro da ultima vez que parei para pensar na minha, que foi tomada pelo cruel destino.

Desde crianças isso nos persegue. Quando brincávamos de nos esconder entre as árvores, quando jogávamos jogos de tabuleiro, quando corríamos pelo jardim, eles sempre estavam a observar. A ignorância é de fato uma benção, mas quando a máscara de mentiras cai, machuca.

- Hey, venha cá, vamos fazer um boneco de neve! – O primeiro dia de neve, a felicidade enchendo meu rosto, refletindo um sorriso.

- Você só esta fugindo da guerra por que sabe que perdeu. – Sempre assim, alegre, você falava comigo, isso me aquecia em meio a tanta neve.

- Não é verdade, alem do mais eu lhe deixei ganhar.

-Crianças, parem de discutir por uma guerra de bolas de neve. – Uma mancha preta no meio do branco apareceu.

- Sensei!- Ambos sorrimos- Não estamos discutindo, só estou deixando claro que perdi por ter um bom coração.

-Sim, Kitsune-chan, sabemos de seu bom coração. – Rimos enquanto decansavamos da guerra de bolas de neve.- Agora vocês têm de entrar para dentro de casa, ou vão se resfriar.

-Sim, Sensei. – Dissemos em coro, como sempre que sensei interrompia nossas brincadeiras.

-Ah, Kitsune-chan, seu pai lhe chama em seu quarto. – Sensei falou sem nem olhar para meu rosto. – Hashitaka-kun, pode ir para seu quarto, logo o jantar será servido.

Nossa relação que fora construída baseada no ódio, agora cobrava a morte de nosso amor. Quanto mais aguentarei isso?

Parei na porta do quarto, estava nervosa, um clima pesado estava no ar e eu não entendia nada.

- Estou aqui, Otoo-sama. Por que me chamou?

- Pode entrar Kitsune, sente-se ao meu lado, por favor.

-Otoo-sama, está tudo bem?

- Não está nada bem, Kitsune. Tenho que lhe pedir algo, que eu desejava de todo o coração nunca ter de lhe pedir.

-O que é? Você sabe que farei tudo o que me pedir. – Respondi, obediente.

- Kitsune, preste muita atenção ao que vou lhe vez que ouvir o que tenho a dizer, não poderá mais voltar atrás nessa missãê esta pronta para arcar com essa responsabilidade?

O silêncio no cômodo foi um consentimento, eu sabia de meus deveres em nossa família.

Minha familia era uma das mais nobres linhagens de samurais, e eu era a herdeira de tudo isso, pois era a única filha de meus pais. Minha mãe morreu logo após meu parto e meu pai nunca conseguiu se perdoar por não salva-la e sempre se culpava por isso.

Eu nunca fui uma pessoa normal, desde pequena guardo este selo em meu peito, em cima de meu coração. O símbolo do guardião de nossa família. A grande raposa de fogo foi confiada à fraca menininha que perdeu sua mãe antes de conseguir abrir os olhos.

- Eu preciso que você mate Hashitaka-kun.

Silêncio.

Por eu ser, anormal digamos assim, minha mãe não resistiu e faleceu, deixando a pequena raposa vermelha no colo de seu amado marido, que não conseguia conter suas lagrimas. Ele reconhecia que esse era o meu destino, o destino da família, já que o espírito protetor me escolheu, mas a dor não acabava.

Depois de dez anos, eu já havia crescido muito e agora era, oficialmente, uma raposa-demônio. Sempre treinei artes marciais e técnicas espirituais para controlar a alma da raposa e minha rotina era dura, solitária, então eu ficava dias, ás vezes até semanas na forma de raposa, sem falar com ninguém.

Foi Hashitaka quem me tirou do isolamento. Pelo que eu fiquei sabendo, ele era um primo distante, e também amaldiçoado. Ele veio até mim na sua verdadeira forma, um belo falcão de penas negras cobrindo quase todo o corpo, de menos o seu peito, que era coberto de penas brancas como aquele dia de neve. Seus olhos encontraram os meus, lembro que me assustei, mas logo que ele voltou a sua forma humana, com um sorriso no rosto, me acalmei e me juntei a ele. Desde aquele dia, onde sem trocarmos ao menos uma palavra, você conquistou meu coração, nunca nos separamos.

-Você quer que eu mate Hashitaka-kun? - Minha expressão era séria, mas meus olhos se encheram de lagrimas.

- Sei que vai ser difícil, mas é o que se deve ser ê já tem treze anos, e ele quatorze, se não fizer isso...

- Eu entendi, Otoo-sama. – Disse e corri para meu quarto.

As lagrimas caiam, e a dor surgia. Poderia ser qualquer um, menos Hashitaka. Peguei minha katana e corri rapidamente para a floresta, mas não rápido o bastante, voltei a forma de raposa para correr mais rápido, precisava fugir.

Hashitaka havia me falado mais cedo naquele dia, que teríamos que nos despedir. Então ele sabia. Por que não me falou? Poderíamos ter fugido e escapado disso tudo,mas era tarde, eu havia recebido a missão, e teria de cumpri-la. O meu sangue fervia, o guardião ansiava pelo sangue de seu inimigo, agora que a ordem havia sido dada, sua sede de sangue despertara.

- Por que? Por que não me contou? Você sabia, como pode? – Minha tristeza derramada em lagrimas se juntou a fúria. Ele também tem de me matar.

- Kistune-chan, eu não...

- Não invente desculpas, você me odeia não é?

- Kistune...

-Eu sei de tudo, Otoo-sama me contou o motivo de você vir para a aldeia. Você veio aqui para vingar o espírito do falcão, veio para me matar.

- Isso é verdade, eu vim matá-la. – Sua expressão era séria, mas não como sempre, havia algo diferente.

- Então me mate, se você tanto me odeia. – Meu pelo cor de fogo brilhava debaixo do luar.

Meu pai havia me falado toda a verdade. Os espíritos do falcão e da raposa eram inimigos desde a antiguidade, um desejando a morte do outro, e uma família foi dividida por gerações graças a essa maldição.

- O que esta esperando? – Um círculo de fogo surgiu ao nosso redor, a fúria da raposa se unia a meu coração partido, me deixando cega.

- Kitsune, por favor ouça o que eu tenho a dizer. – Ele soltou um longo suspiro. – O que eu disse aquele dia era verdade. – Olhos tristes me encaravam. – E por isso não posso matá-la.

Um dia antes de receber minha missão, eu me declarei a Hashitaka.

-Kitsune, - Hashitaka me abraçou repentinamente. – você esta dizendo... Que me ama?

- Eu não sei, - escondi meu rosto corado em seu peito.- mas, mas eu acho que sim.

- Então me prometa que nunca irá deixar de me amar, Kitsune. – Um leve sorrizo apareceu em seu rosto. - Por que eu nunca irei deixar de te amar igualmente.

-Eu prometo.

- E o que eu lhe falei, igualmente era verdade.

- Se é verdade, então venha comigo, e comparta do veneno que nos corrói. Mas não esqueça de sua promessa.

- Não há outra saída, certo?

- Temo que não. Meu sangue para você é o veneno mais forte, assim como seu para mim, não há um modo de viver juntos, se o espírito que mora em nós tenha sede desse sangue sujo.

- Então eu não me importo. Desde que meu fim seja ao seu lado e para sempre ali permaneça. Na morte ao menos estaremos unidos.

Cortei a palma de minha mão com a katana, e assim fez Hashikata, a dor era minima. Ambos de nós unidos pelo destino e separados por um ódio apagado, tão perigosos um ao outro que chegam a ser como veneno.

Com o sangue amaldiçoado em nossos lábios, um beijo sela a maldição, acabando com o sofrimento e a tristeza de um amor proibido.